Por Marcos Sá Corrêa*
(O grito, Edvard Munch)
*Marcos Sá Corrêa é jornalista e colunista do site O Eco (www.oeco.org.br). Este artigo foi publicado originalmente em www.riosvivos.org.br.
Contra a malversação de palavras, que marca a era Lula como a protofonia da confusão generalizada, argumentar não resolve. O governo só ouve o estrondo dos gestos extremos, quando eles caem nos jornais com impacto suficiente para abafar as outras vozes. Como fez no mês passado com o bispo Luiz Flávio Cappio, que o levou a reabrir o debate sobre a transposição do Rio São Francisco com uma greve de fome. E repetiu nesta semana com o ambientalista Francisco Anselmo de Barros, que só depois de morrer, pondo fogo no corpo, acordou a ministra Marina Silva para o perigo das usinas de álcool que a administração petista de Mato Grosso do Sul patrocina nas bordas do Pantanal.
Agora é oficial.
Vivo, há quase três anos Francisco Anselmo tentava em vão fazer barulho fora de sua praça. Mas dirigia uma ONG modesta, cujo berro nem sempre atravessa a fronteira dos interesses locais. E, mesmo em sua terra, já fora mais ouvido. Na década passada, ajudou a emplacar no Estado, com campanha de rua, a lei 328/92, imunizando o maior mostruário de vida selvagem do continente contra a febre do Proálcool, que acabava de transformar em canaviais as últimas lembranças da Mata Atlântica em Alagoas. Não era um profissional da conservação nem parecia um exaltado. Dirigia uma pequena revista de negócios, chamada Executivo Plus. E, entre os ambientalistas, tinha fama de ser calmo e conciliador. Nunca chamou atenção pelo tom da voz em assembléias. No sábado, ele participou de um protesto em Campo Grande contra o projeto do governador Zeca do PT, que está empenhado em abrir na lei estadual uma brecha para cinco usinas. Depois, ao sair da manifestação, encharcou-se de gasolina e riscou o fósforo. Quando o socorreram, era caso perdido. Estava com todo o corpo queimado. Morreu no dia seguinte, deixando um filho de 14 anos, 15 cartas de despedida e uma viúva, a jornalista Iracema Sampaio, convencida de que ele tinha mesmo decidido morrer "pelo que lutou a vida inteira". Há pelo menos três anos denunciava o projeto.
Oito meses atrás, quem tem ouvidos para ouvir e entender o Brasil distante pegou-o, ao longe, dizendo que o governador devia estar muito enganado ou enganando muitos, ao alegar que as usinas não afetariam o Pantanal. Elas se instalariam no "Alto Paraguai" e funcionariam com tecnologia limpa, segundo Zeca do PT. Logo, tudo bem. Ora, rebatia Francisco Anselmo, o Pantanal depende dos rios que, com a água que corre a montante, regulam seus "ciclos de cheias e secas". Mexeu no planalto, mudou a planície. Zeca do PT nunca o escutou. Mesmo no dia do enterro, ainda repetiu em entrevistas que tudo não passava de uma "confusão" entre o Pantanal e o Alto Paraguai. Seu problema é que, morto, Francisco Anselmo passou a ser ouvido em Brasília. O Ministério do Meio Ambiente anunciou, em nota oficial, que também é contra "a implantação de agroindústrias de exploração de cana-de-açúcar e seus derivados" nas bordas daquela paisagem que a Constituição define como patrimônio nacional. Reconheceu "a possibilidade de contaminação dos rios que correm do planalto para o Pantanal". Lembrou que, desde 1985, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente proíbe ali a construção de usinas. E admitiu que tem poderes para desviar o curso do projeto na Assembléia Legislativa. Em suma, disse tudo o que era importante, mas nada que não pudesse declarar desde o começo, enquanto ainda era tempo de evitar que um suicida tivesse razão tarde demais.
*Marcos Sá Corrêa é jornalista e colunista do site O Eco (www.oeco.org.br). Este artigo foi publicado originalmente em www.riosvivos.org.br.
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