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terça-feira, 15 de novembro de 2016

O mundo e o enigma Trump

Por Roberto Amaral

A ameaça reacionária não é fato nem novo nem isolado, mas agora se instala no cume do poder mundial.

Diante de dois péssimos candidatos, o eleitorado norte-americano, dividido ideologicamente como jamais esteve, escolheu, após campanha do mais baixo nível, aquele que lhe pareceu a negação do establishment, exatamente Donald Trump, figura heterodoxa do sistema (não fôra ele um bilionário de Walt Street), o único ‘não político’, multimilionário desde o berço, outsider na política, devedor do fisco e ao mesmo tempo defensor de menos impostos para os ricos, e militante contra a política de saúde social de seu antecessor.

O 45ª presidente norte-americano, depois de derrotar de forma avassaladora o Partido Republicano e suas lideranças mais conspícuas, impondo-se como candidato contra a vontade da máquina, fez de sua campanha uma plataforma do reacionarismo mais primário, da xenofobia e do protecionismo (uma ameaça não só à União Europeia mas a países como o Brasil, a Índia e a China, entre outros grandes exportadores).

Mas prometeu isolacionismo, o que soa como música aos ouvidos de todos, porque pode ser traduzido como menos intervencionismo político na América Latina (apesar de suas ameaças ao Mexico) e menos invasões militares no resto do mundo. A propósito, nos últimos anos de Bush e Obama, os EUA intervieram e destruíram o Iraque, a Líbia e a Síria, depois de destruírem o Afeganistão, e por essas tragédias estamos todos pagando – enquanto cada vez mais aufere lucros a miserável indústria da guerra.

De outra parte, na disputa dentro do Partido Democrata, a ex-secretária de Estado, que sempre simbolizou o continuísmo (com republicanos ou democratas) era o nome da máquina contra o senador Bernie Sanders, que representava, ele sim, o sentimento de mudança.

A vitória de Trump representa, nas circunstâncias, a derrota do neoliberalismo ortodoxo, da financeirização da economia, a derrota da mídia americana (segundo ele “desonesta e enviesada”) e da mídia mundial, como dos institutos de pesquisa em todo o globo.

Mas o presidente eleito é, ao mesmo tempo, o candidato grotesco que desmoralizou os partidos, a política, seus ritos, seus fins, sua teleologia, reduzindo-a à insignificância da inutilidade. Esse Trump, antes das eleições rejeitado por 59% do eleitorado, candidato populista de extrema-direita que nos lembra uma composição que misturasse Maluf e um Bolsonaro qualquer com uma pitada de Sílvio Santos, não é, porém, obra do acaso, fruto que é da crise política dos EUA, da crise econômica e da crise ética, e de seu sistema político; é a falência do processo eleitoral e da democracia representativa nos EUA, o esgotamento de um ciclo que se encerra sem anunciar novos tempos, senão a promessa de muita apreensão.

É a falência do sistema eleitoral, inepto, como demonstrou a eleição do Bush filho, fundada na fraude e no desrespeito à vontade majoritária, desrespeito que se repete nas pouco representativas eleições deste mês: 231 milhões de eleitores numa população de 320 milhões; 46,9% dos habilitados não votaram; 25,6% votaram em Hillary e 25,5%, em Trump.

A derrotada recebeu 250 mil votos a mais que o vencedor. É a agonia do bipartidarismo, a falência do Partido Democrata, derrotado na política e nas urnas, e a derrota do Partido Republicano, que teve se assimilar um candidato imposto de fora para dentro e com o qual não se identificou na campanha.

Mas essa eleição não pode ficar no grotesco nem pode demonizar o poder da soberania do voto, como querem analistas apressados dos dois lados do Atlântico. Como em nossa crise cabocla, é preciso considerar ingredientes tradicionais como o desemprego, a queda da renda individual, a pauperização das grandes massas (hoje, 46 milhões de norte-americanos dependem do food stamp, o ‘bolsa família’ deles) o endividamento, a moradia precária, a violência e, em país beligerante, permanentemente em guerra, o cansaço ante tantas intervenções e tantas invasões e tantas bases militares cobrindo a Terra.

Além disso, o medo em face do terrorismo difuso, o legado dos 16 anos de Bush-Obama, por seu turno a continuidade política da beligerância de Clinton, sucessor de Bush-pai, herdeiro de Nixon e Reagan, herdeiro de Johnson, herdeiro de Kennedy…

É evidente que está sob comentário fenômeno recente embora há muito anunciado – aguda guinada direitista dos EUA – e qualquer análise não passará de tentativa de antevisão, com todos os riscos inerentes. Se é possível antever o frustrado governo Hillary – preeminência do establishment, do complexo militar-industrial, dos falcões da política externa, do fortalecimento da OTAN e do crescimento das dificuldades com a Rússia e tudo o que de tudo isso é mero desdobramento –, relativamente a Trump qualquer previsão é mais insegura.

Dir-se-á, e apostamos nessa hipótese, que a complexidade do sistema político governante, com seus pesos e contrapesos que promovem o controle social e político, absorvendo as crises – o complexo militar-industrial de que nos falava Eisenhower, o Congresso, Wall Street, o Pentágono, CIA e FBI, a Suprema Corte – estaria vacinada contra aventureiros.

Mas nada disso impediu a loucura democrata no Vietnã nem a irresponsabilidade republicana no Iraque. De outra parte, Trump assume contando com o apoio (que faltou a Obama) tanto da Câmara dos Representantes quanto do Senado (o Partido Republicano renovou sua maioria em ambas as Casas) e com reais possibilidades (preencherá três vagas) de influir na composição da Suprema Corte.

Diz um comentarista nativo que Trump venceu por haver convencido o eleitorado de que era sincero, ou seja, que ele próprio acreditava em suas ideias, mais precisamente nas ideias que expunha como suas.

Ora a questão central é o fato de essas ideias impregnadas de ódio e discriminação(sinceras ou não, bem ou mal transmitidas), haverem encontrado eco nos EUA profundos: o discurso contra os latinos de um modo geral e os mexicanos de forma particular (“Quando o México envia suas pessoas [para os EUA], eles não estão mandando seus melhores […] Eles estão trazendo drogas, crime. São estupradores. […] Eu vou construir um grandioso muro em nossas fronteiras. E vou fazer o México pagar por ele”), o discurso contra os imigrantes de um modo geral (promete expulsar 11 milhões de imigrantes em situação irregular) mas contra os muçulmanos de um modo particular, dos deficientes, dos intelectuais, das mulheres ‘modernas’, pós-feministas e independentes, a ladainha contra aliados políticos e militares dos EUA e da OTAN em especial, as ameaças (por enquanto comerciais) à China, a quem acusa de haver deflagrado uma espécie de guerra econômica contra seu país.

Observe-se, de passagem, que a China, com um caixa de 1,244 trilhão de dólares de títulos da dívida publica dos EUA, é seu principal credor.

Como já foi observado, o problema não é Donald Trump, mas o fato de parcela considerável do eleitorado dos EUA, após quase dois anos de campanha eleitoral, se haverem convencido de que tal personagem podia ser presidente da República.

O problema não é esse personagem, mas a fragilidade do sistema democrático dos EUA que – depois de Reagan e Bush – enseja sua emergência, a partir de uma campanha fundada no ódio, na exclusão, na divisão, na segregação, na política de terra arrasada (para anunciar um novo EUA teve de primeiro decretar a derrocada do atual).

O fato objetivo, desagradável mas real, é que o novo presidente reflete uma sociedade dividida, clivada em seus valores mais profundos, falando mais alto que todos (nas eleições) os valores majoritários do americano branco classe-média, principalmente aquele que vive na América rural, a qual assegurou a Trump vitórias decisivas em Estados chamados “pêndulo” (por indicarem nas eleições uma tendência para a qual se inclinaria o eleitorado nacional), como Flórida, Ohio e Carolina do Norte, ressentido com os efeitos da globalização e da imigração.

Não é fato novo, porém, esse avanço da direita e da extrema-direita em sociedades desenvolvidas: assim marcha a política na Alemanha, na Polônia, na França, na Áustria, na Hungria, na Turquia e no Reino Unido, de que constitui eloquente sintoma a rejeição inglesa à Comunidade Europeia, como símbolo de unificação e globalização. Em ambos os casos, nas vitórias de Trump e do Brexit, houve a clara derrota das elites locais.

Mesmo entre nós, inclusive na América do Sul (a eleição de Macri, na Argentina, o “não” ao acordo de Paz na Colômbia, a crise na Venezuela) e no Brasil, essa ameaça reacionária não é fato nem novo nem isolado. E agora se instala no cume do poder político mundial, do poder econômico e do poder militar (tudo isso ao mesmo tempo), compreendendo o controle do mais poderoso arsenal atômico jamais conhecido pela humanidade.

Não é, pois, uma ameaça trivial. A questão não é Donald Trump, mas os EUA que estão emergindo desse 8 de novembro (o resultado chocante veio a lume em 9/11 o que sugere um curioso, e um tanto sinistro, espelhamento com o 11/9).

Donald Trump, porém, na presidência, poderá ser algo diverso do candidato grotesco, e dessa metamorfose já deu sinais em seu discurso logo após o reconhecimento da eleição. Metade dele foi de uma frivolidade e de um vazio dolorosos. Outra é ambígua: ele faz o discurso conciliatório de todo vencedor (e não menos de alguém preocupado com o bom funcionamento dos mercados), mas ao mesmo tempo cria imagens de reconstrução de um pais devastado. Poderá mesmo ser um acelerador do processo histórico, acentuado contradições.

Há ainda pouco indicadores de como será Donald Trump instalado no salão oval da Casa Branca, aí então à mercê de suas circunstâncias.

Por enquanto, um enigma.

Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia

sábado, 28 de novembro de 2015

Notas sobre o “inimigo principal”

Fonte: Blog do Renato

Por A.Sérgio Barroso

“O mercado monetário é sempre, por assim dizer, o quartel general do sistema capitalista” (Schumpeter) [1]

Há poucos dias foi o poderoso Deutsche Bank (alemão) a anunciar demissão de 9 mil trabalhadores bancários para “melhorar a frágil situação do banco”, descreve o Financial Times. Isso representaria 9% do staff do banco, sendo que quatro mil demissões dessas ocorrerão na Alemanha. Além, o banco resolveu reduzir em 6 mil, dos 30 mil consultores externos usados em área com a de tecnologia e informação. Também saindo fora de dez mercados, principalmente em cinco países da América Latina, com a venda do Postbank (subsidiária) o Deutsche passará o “facão” em nada menos que outros 19 mil empregos!

Mas qual a razão essencial das medidas tomadas pelo Deutsche, o maior dos bancos da Alemanha? O próprio FT esclarece mais adiante que, pagante de uma multa de U$ 2,5 bilhões tomada por sua participação no escandaloso episódio de manipulação da Libor britânica (taxa de referência para juros interbancários, tabelada em Londres), culmina-se a demissão de seu executivo-chefe adjunto A. Jain[2]. O que foi seguido por nova falcatrua envolvendo o banco, desta vez na Rússia, então flagrado em lavagem de cerca de US$ 6 bilhões, nos últimos quatro anos – o diário londrino omite menção à operação de lavagem. [3]

Grande banco lava e financia o “terrorismo”

Não à toa temos registrado uma comprovação indisfarçável do contubérnio fraudulento e criminoso do atual sistema financeiro internacional: em 17 de Julho de 2012, tornou-se público e comprovado que David Bagley, diretor mundial do banco HSBC para regulamentação pediu demissão em sessão no Senado dos EUA. A sessão fora convocada para Bagley ser formalmente acusado, após investigação, de permitir operações de lavagem de dinheiro do narcotráfico (cartéis do México), bem como de dinheiro proveniente de financiadores de “grupos terroristas” (Arábia Saudita). A alta direção do banco sabia de tudo! [4] O banco tem raízes mergulhadas em guerras coloniais e comerciais conduzidas pelo imperialismo inglês na Ásia.

De acordo ainda com extensa reportagem da irreverente (e insuspeita de “esquerdista”) Revista Rolling Stone, durante pelo menos cinco anos esse maior banco britânico ajudou a lavar centenas de milhões de dólares para traficantes de drogas, incluindo o cartel de Sinaloa do México, declarou o ex-procurador-geral de New York, Eliot Spitzer: eles “fazem os caras em Wall Street parecerem bonzinhos”.

O banco HSBC também lavou dinheiro para organizações terroristas ligadas à Al-Qaeda, para gângsteres russos, entre outros; teria transacionado com o Irã, Sudão e a Coréia do Norte, países sancionados pela ONU. “Além de ajudar assassinos, traficantes de drogas, terroristas e estados desonestos”, auxiliando fraudes fiscais comuns para esconder muito dinheiro – afirma com todas as letras Jack Blum (advogado e ex-investigador do Senado dos EUA), chefe de uma investigação de suborno importante contra a empresa Lockheed em 1970. “Eles violaram todas as malditas leis que constam no livro”; “Eles fizeram todas as formas imagináveis e possíveis de negócios ilegais e ilícitos” – disparou então Blum, na mesma reportagem.

Oligopólio bancário global, gigantesca especulação sistêmica

Para François Morin, economista, professor emérito em Toulouse e membro do conselho geral do banco central francês, uma “hidra” mundial bancária nasceu há cerca de dez anos, e já tomou conta de todo o planeta. [5] Apenas 14 bancos com importância sistêmica “fabricam” derivativos, cujo valor imaginário (o montante dos valores segurados) chega a US$ 710 trilhões, ou mais de 10 vezes o PIB mundial (Produto Interno Bruto).

Conta ainda Morin que, desde 2012 autoridades judiciais dos Estados Unidos, britânicas e a Comissão Europeia aumentaram investigações e multas que demostram que muitos desses bancos – especialmente onze deles (Bank of America, BNP-Paribas, Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs, HSBC, JP Morgan Chase, Royal Bank of Scotland, UBS) – montaram sistematicamente “acordos organizado em bandas”. Isto é, construíram um oligopólio movido à uma cartelização sistêmica. O que pode ser visto na citada operação de manipulação da Libor e do mercado de câmbio, que levou a imposição de multas de muitos bilhões de dólares, prática esta cada vez mais generalizada.

Coincidindo com o avanço da “globalização financeira”, o super-oligopólio bancário tornou-se muito rico: o balanço total dos 28 bancos do oligopólio (50,341 trilhões de dólares) é superior, em 2012, à dívida pública global (48,957 trilhões de dólares)! Suas dívidas privadas tóxicas foram maciçamente transferidas para os Estados, na última crise global. Ao lado de montanhas de riqueza fictícia, por suposto.

Na argumentação de Morin, depois dos anos 1970 os Estados perderam “toda a soberania monetária” – sendo eles os responsáveis. A moeda agora é criada pelos bancos, na proporção de cerca de 90%, e pelos bancos centrais (em muitos países, independentes dos Estados) os restantes 10%. Além disso, a gestão da moeda, através de taxas de câmbio e taxas de juros, está inteiramente nas mãos do oligopólio bancário, que tem todas as condições para manipulá-los. O desastre “está diante de nós” conclui Morin; e se um novo terremoto financeiro ocorrer – “as condições estão maduras” – os Estados estão exauridos, e será “ainda mais grave do que o precedente”.

Fraude bancária no Brasil

No último dia dezoito, veio à luz no Brasil [6] que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) negocia acordos com bancos que estão sendo investigados por “supostas” (?) manipulações nas taxas de câmbio no Brasil, entre 2009 e 2011, pelos quais eles terão que entregar provas de cartel para obter redução de penas.

Dos 15 bancos investigados, logo uma surpresa! Os mesmos HSBC e DEUTSCHE encabeçam a lista junto ao Banco Standard de Investimentos, o Banco Tokyo-Mitsubishi UFJ, o Barclays, o Citigroup, o Credit Suisse, o J.P. Morgan Chase, o Merrill Lynch, o Morgan Stanley, o Nomura, o Royal Bank of Canada, o Royal Bank of Scotland (RBS), o Standard Chartered e o UBS.

Provando cabalmente que nada há de “suposto” na operação fraudadora multinacional no país, o suíço UBS já assinara em julho passado um “acordo de leniência” assegurando documentalmente ter havido sua participação na patifaria planejada e executada! Mas  há – diz-se no jornal – ainda 30 pessoas físicas suspeitas de participação na roubalheira.

Marx e o sistema de crédito

Para Marx, a consequência decisiva do desenvolvimento capitalista converge para o que denomina de “moderno sistema de crédito”. Ou seja, na medida em que: (i) a concentração (e centralização) de capitais; e, (ii) o moderno sistema de crédito são por ele considerados as principais “alavancas da acumulação capitalista”. Nele localiza os pressupostos sobre o impulso à superacumulação de capital tendo por base a dinâmica permanente do capital financeiro (capital-dinheiro ou capital monetário) e sua direta relação com superacumulação, especulação e crises. Em suas visionárias palavras:

“Se o sistema de crédito é o propulsor principal da superprodução e da especulação excessiva… (…) acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e a formação do mercado mundial… (…) Ao mesmo tempo, o crédito acelera as erupções violentas dessa contradição, as crises… (…) levando a um sistema puro e gigantesco de especulação e jogo”. [7]

NOTAS

[1] Em: “A teoria do desenvolvimento econômico”, J.A. Schumpeter, Abril Cultural, 1983 [1911], p. 86).

[2] Acompanhe esse revelador episódio aqui: https://br.noticias.yahoo.com/mundo-econ%C3%B4mico-pol%C3%ADtico-comemora-demiss%C3%A3o-diretores-deutsche-bank-174848465–sector.html

[3]Ver: http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/presidentes_do_deutsche_bank_renunciam_apos_escandalo_das_taxas_de_juro.html

[4]Ver: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/55138-hsbc-lavou-dinheiro-diz-senado-dos-eua.shtml

[5] Em: “A hidra mundial. O monopólio bancário” http://outraspalavras.net/posts/os-28-bancos-que-controlam-o-dinheiro-do-mundo/

[6] Em: “Bancos negociam acordos com o Cade”, J. Basile, Valor Econômico, 18/11/2015.

[7]  Ver: O Capital, Livro 3, volume 5, p. 510, Civilização Brasileira, s/data.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

ENTREVISTA COM ELIAS JABOUR SOBRE O CONFLITO EM GAZA

* Por Juliana Medeiros


Entrevista com o geógrafo Elias Jabour, Assessor do Senado Federal, Doutor e Mestre em Geografia Humana pela USP, e um dos apoiadores dos atos que vem sendo realizados em prol da causa palestina. A transcrição da entrevista segue abaixo.



Crédito da foto: Fabiane Guimarães/FB


Movimentos Sociais e Entidades que defendem os direitos humanos realizaram na noite desta quarta-feira, em Brasília, uma Vigília Pelas Crianças de Gaza em frente ao Museu da República.

Com bandeiras, velas, e faixas de solidariedade à Palestina, os representantes do movimento também projetaram imagens alusivas à causa Palestina nas paredes do Museu.

Eu converso agora com Elias Jabour, Assessor do Senado Federal, Doutor e Mestre em Geografia Humana pela USP e um dos apoiadores dos atos que vem sendo realizados em prol da causa palestina.

RC – Elias, o governo israelense acusa o movimento islamita Hamas, pelo sequestro de três jovens cujos corpos foram encontrados em 30 de junho, com marcas de tiros. No dia seguinte, em 1º de julho, um adolescente palestino foi sequestrado e morto em Jerusalém Oriental. A perícia apontou que ele foi queimado vivo. Israel acabou prendendo, mais tarde, alguns judeus extremistas que confessaram o assassinato do garoto. Isso acabou gerando uma onda de revolta em Gaza e o Hamas iniciou então os lançamentos de foguetes (de fabricação caseira) contra Tel Aviv que respondeu, e responde ainda, duramente contra Gaza. Bom, esse é o resumo que vem sendo amplamente noticiado sobre o atual conflito na região. Até que ponto, Elias, a gente pode dizer que essa é uma leitura superficial da situação?

Primeiro eu acho muito estranho o Hamas se envolver nesse tipo de crime, sequestrar três jovens judeus e matá-los. Acho que essa é a primeira questão a ser levantada. Será que isso é verdade mesmo? Será que foi o Hamas que fez isso? Por que, historicamente, se você pegar o processo de luta que envolve o Hamas e outras organizações políticas daquela região, esse tipo de atitude não é “a cara” deles. É algo que tenho muitas dúvidas, se foi ele [o Hamas]. E é evidente que algum nível de resposta viria do lado israelense. Então, pegar uma criança e queimar viva e enterrá-la, eu acho que não é algo fora da realidade para quem já vem cometendo certo nível de atrocidades nos últimos 60 anos. A questão da superficialidade que é interessante. As pessoas e os meios que são obrigados a passar informação para o maior número de pessoas, elas não levam informação. Elas passam [somente] um lado da história. Existe um lado sendo atacado, vamos dizer assim, “como resposta a ataques de grupos radicais islâmicos situados na Faixa de Gaza”. Ou seja, para por aí a análise. E é evidente que chega até certo nível de saturação, em que as coisas vão ficando tão escancaradas que a própria “mídia hegemônica” pede para dar um basta naquilo. Porque já está pegando meio mal mesmo, não é? Então existe sim, um alto grau de superficialidade na análise das questões que envolvem o Oriente Médio, principalmente vindo da grande mídia. Ou seja, [você] liga no [canal] Globo News, ou nesses noticiários de massa, liga a TV e você não vê os dois lados da história, do por que as coisas chegaram a esse ponto. E o principal, não se fala a história daquele processo. E dificilmente você vê a imagem de um mapa da Palestina antes e depois de 1948, depois de 1967, depois de 1973, isso não aparece na televisão. E, por fim, o que eu acho mais interessante é: qualquer país do mundo que fizer um décimo do que Israel está fazendo com a Palestina, estará sujeito a graves sanções econômicas. Mas até agora eu não ouvi uma voz dissonante, dentro ou fora da ONU, colocando a possibilidade de Israel vir a sofrer sanções econômicas. Acho que essa é uma questão também a ser respondida.

RC – Como bem mostram correspondentes em imagens televisivas mundo afora, a maioria esmagadora dos foguetes de fabricação caseira que são lançados pelo Hamas não chegam a atingir Israel, quase sempre são interceptados no ar por sistemas antimísseis. Na última terça-feira, Israel registrou sua primeira morte - um homem atingido por um morteiro. Já em Gaza a situação é bem pior, são dezenas de mortos todos os dias. Dentre eles, muitas crianças. A ONU inclusive vem advertindo, desde o início do conflito, que a maioria das vítimas palestinas é civil. Você entende que existe aí certo “silêncio” da comunidade internacional sobre essa situação na região?

Tirando alguns países, vamos dizer assim, do [chamado] “eixo do mal”, como a Venezuela, o silêncio é quase que total e absoluto. Esse é o fato concreto. Imagine você – vamos fazer um exercício aqui –se a Coreia do Norte for atacada pela Coreia do Sul e disparar um míssil e morrerem quinze crianças coreanas do sul. Isso seria um escândalo internacional, não seria? Ou seja, veja se existe essa mesma medida para o caso da Palestina. Interessante que ontem, Israel começou a lançar mísseis contra o litoral de Gaza e matou três ou quatro crianças que estavam se divertindo na praia...

RC – É, foram quatro crianças de uma mesma família e o curioso é que foi há 200 metros de um hotel onde jornalistas de todo o mundo estão hospedados.

Ou seja, qual é a repulsa internacional a esse ato? Existe algum comentarista de assuntos internacionais na grande imprensa capaz de colocar o dedo na ferida dessa questão? O que é Gaza hoje? Gaza é um favelão. Sufocado, não tem água, está sem energia elétrica, o sistema de esgoto entrou em colapso e a ONU tem que pedir permissão a Israel para fazer um cessar-fogo de cinco horas [e entrar] em Gaza. É uma coisa horrível, eu acho muito horrível o que está acontecendo.

RC – A mídia, em geral, vem tentando atribuir todas essas mortes e o acirramento do conflito a algum tipo de “má vontade” dos palestinos em dialogar, como você interpreta isso Elias?

Olha, é o seguinte: você tem uma casa, você tem uma família, aí invadem a sua casa e, amiúde te expulsarem de casa, ainda estupram sua mulher e sua filha na sua frente. Como é [possível] ter algum nível de diálogo em pé de igualdade com quem faz isso? E não é exagero, é o que acontece na Palestina. Os Palestinos são o povo mais oprimido do mundo. Então, ao invés de se falar que os palestinos resistem ao diálogo, tem que se perguntar por que eles resistem ao diálogo, se é que resistem não é? E quais os temas que Israel vai colocar para continuar o diálogo, para sentar-se à mesa de negociação? Por que é muito fácil para Israel “propor” o diálogo, enquanto eles continuam colonizando partes árabes da Palestina.

RC – Houve agora um anúncio de um possível acordo, uma suposta tentativa do Egito de mediar um cessar-fogo. O gabinete de segurança de Israel declarou que havia aceitado esse acordo, mas uma nota distribuída pelo Hamas nega que sequer tenha sido apresentado um acordo ao movimento. O Hamas é uma organização sunita que engloba um partido e também um braço armado. E é também o mais importante movimento islâmico da Palestina atualmente, e que ganhou as eleições parlamentares em janeiro de 2006. E um dado interessante é que Israel costumava alegar problemas em negociar com os palestinos enquanto o Hamas não fosse parte das negociações [sendo ele tão influente na região], mas logo depois que o Hamas foi eleito, Israel passou a dizer que não negocia com o Hamas. Até porque [o Hamas] é considerada uma organização terrorista por vários países. Mas, junto à população Palestina, Elias, qual a legitimidade que o Hamas tem atualmente?

Total legitimidade. Eu posso falar com tranquilidade que tem muita legitimidade. Porque a Palestina não tem um Estado capaz de prover serviços médicos, de saúde, de pronto-socorro, de previdência, de educação, escolas, etc. E quem faz muito isso, é o serviço social bancado pelo Hamas. Esse é um fato objetivo. A Palestina hoje vive de ajuda internacional. Até por que, o que ela poderia exportar, ela não exporta. Por exemplo, óleo de oliva. Tanto é que a campanha internacional que existe na Palestina há muito tempo (eu estive lá em 2011) é: “Give me a choice”. Ou seja, “me dê uma chance”. A Palestina não consegue fazer comércio com ninguém, não tem nem aeroporto. Então como que um Estado desse pode sobreviver e manter serviços públicos básicos para a população dessa forma? Não tem como. Então, a legitimidade do Hamas vem por conta do papel de assistência social que eles fazem ali na região. Todas as forças políticas da região se legitimam através da história do próprio movimento e pela capacidade desse movimento em prover serviços públicos para a população. Ou em amenizar um pouco o sofrimento daquela população. O Hamas é sim legitimado naquele lugar, tanto é que ganhou as eleições. Então quando Israel “não quer negociar com o Hamas”, não é para o Hamas que ele está dizendo isso, [Israel] não quer negociar é com a Palestina.

RC – Os movimentos e entidades de luta pelos direitos humanos estão realizando aqui em Brasília uma serie de atos em prol da Causa Palestina, especialmente [agora] nessa situação conflituosa ali na região. Você tem como informar quais são as próximas agendas desse movimento?

Olha, houve dois atos que eu achei muito interessantes. O primeiro deles foi a entrega de um documento do movimento para o representante da ONU aqui no Brasil. E foi um ato muito amplo, muito aberto, em que o embaixador ouviu nossas opiniões, também falou um pouco em nome da ONU. O ato de ontem à noite teve um caráter mais de mobilização e que mexesse com a emoção. Foi um ato que mostrou imagens de crianças palestinas, em que acendemos velas, em que mostramos uma faixa [com os dizeres]: “Abaixo o apartheid de Israel contra a Palestina”. E a partir desse ato de ontem, toda uma agenda tem sido elaborada. Mas ainda hoje vai haver uma reunião, às 17h30 e vai ser elaborada uma agenda que vai ser passada para vocês com certeza.

RC – Nós conversamos com Elias Jabour que é doutor e mestre em Geografia Humana pela USP, Assessor do Senado Federal e apoiador dos atos que vem sendo realizados em prol da Causa Palestina e pelo cessar-fogo na Faixa de Gaza. Elias, muito obrigada por essas informações que você nos deu.

A agência da ONU para refugiados palestinos alertou que centenas de milhares de palestinos estão sem acesso à água após os ataques que atingem também as redes de abastecimento.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que “não tem escolha” a não ser intensificar a campanha militar contra a Faixa de Gaza. Israel anunciou também a mobilização de milhares de soldados na fronteira com Gaza iniciando o que seria uma ofensiva terrestre que pode piorar ainda mais a situação na região.


* Juliana Medeiros é repórter da Rádio Cultura FM 100,9 de Brasília e editora do programa Cultura Notícias Internacional, que vai ao ar de 2ª a 6ª feira às 17h.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

“Snowden foi um herói de nosso tempo”

Na Revista Piauí

“Snowden foi um herói de nosso tempo”

A pedido de piauí, o historiador Perry Anderson – autor do artigo A pátria americana, publicado nesta edição de outubro – enviou os seguintes comentários a respeito das recentes revelações sobre a espionagem cibernética dos Estados Unidos.


“O fato de nenhum país ocidental ter ousado dar asilo a Snowden diz muito sobre a realidade da Pax Americana”

por PERRY ANDERSON


O artigo A pátria americana está voltado para a política interna dos Estados Unidos, não para a ordem imperial americana no exterior. Mas um feito distintivo do governo Obama tem sido o de apagar a fronteira entre essas duas esferas em um grau inédito. Sob Obama, foi criado um sistema global de vigilância que abarca implacavelmente tanto chefes de Estado estrangeiros – como os presidentes do Brasil e do México descobriram – quanto o mais humilde cidadão americano. Ao expor essa espionagem cibernética universal, Edward Snowden foi um herói de nosso tempo. O fato de que nenhum país ocidental – nem mesmo o Brasil, uma vítima desse sistema – tenha ousado dar asilo a Snowden é mais revelador das realidades da Pax Americana do que o orçamento militar dos Estados Unidos, que é maior do que os orçamentos combinados de todas as outras potências com alguma pretensão de ter um papel internacional.
Numa sequência de A pátria americana que será publicada no fim deste mês na New Left Review, eu discuto a atuação externa do Estado norte-americano desde os anos 1930. A seguir, adianto um trecho sobre o atual governo:
“O que distingue o governo Obama como uma nova etapa do Império Americano? Durante a Guerra Fria, a Presidência dos Estados Unidos acumulou poder discricionário num ritmo crescente. Entre a época de Harry Truman [1945-1953] e a de Ronald Reagan [1981-1989], a equipe da Casa Branca se multiplicou por dez. Hoje, o Conselho de Segurança Nacional – com mais de 200 integrantes – é quase quatro vezes maior do que era sob Richard Nixon, Jimmy Carter ou mesmo Bush pai. A CIA atua como um exército privado à disposição do presidente e, embora o tamanho da agência seja um segredo, ela também cresceu exponencialmente desde que foi criada em 1949. Desde os dias de John Kennedy, seu orçamento aumentou mais de dez vezes, de 4 bilhões de dólares em 1963 para 44 bilhões em 2005, em valores atualizados. As chamadas “declarações de promulgação” – objeções feitas por escrito pelo presidente no ato de assinatura de uma lei – agora permitem invalidar legislação aprovada pelo Congresso e que não é do agrado da Casa Branca. Atos do Executivo ao arrepio da lei são regularmente endossados pelo Escritório de Assessoria Legal do Departamento de Justiça, o mesmo que [no governo George W. Bush] providenciou memorandos defendendo a legalidade da tortura. Mas mesmo esse grau de subserviência foi considerado insuficiente pelo Salão Oval, que criou sua própria assessoria para carimbar incondicionalmente tudo o que a Presidência decidir fazer.
Obama herdou esse sistema arbitrário de poder e violência e, como a maioria de seus antecessores, o ampliou. As operações Odisseia da Aurora e Stunext, o programa Prism e a campanha de assassinatos seletivos são da lavra do atual presidente: uma guerra [contra o líbio Muammar Khadafi em 2011] em que nem hostilidades chegaram a se configurar; um ataque de longa distância com um vírus eletrônico [ao programa nuclear do Irã]; a ampla espionagem de comunicações nacionais e estrangeiras; o assassinato de cidadãos americanos e estrangeiros. O Algoz-em-Chefe relutou até mesmo em abrir mão da prerrogativa de ordenar a morte sem julgamento de cidadãos dos Estados Unidos [acusados de atividades terroristas no exterior].
Ninguém pode acusar este presidente de não ter sentimentos humanos – as lágrimas pelas crianças mortas numa escola da Nova Inglaterra comoveram a nação; os apelos pelo controle do porte de armas foram convincentes para não poucos. Se muitas outras crianças, a maioria sem escolas sequer, morreram por suas mãos em Ghazni, no Afeganistão, ou no Waziristão paquistanês, isso não é motivo para a perda do sono presidencial. Os aviões não tripulados Predators têm a mira mais acurada do que armas automáticas, e o Pentágono sempre pode expressar pedidos de desculpas quando considerar conveniente. A lógica do império, e não a unção do governante, estabelece o padrão moral.”  

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Fórum Social Mundial - Palestina Livre





Chamada para Ação Solidária simultânea, 28 de novembro até 1o de dezembro de 2012

De 28 de novembro a 1o de dezembro, milhares de ativistas, líderes comunitários, jovens, grupos religiosos, sindicatos, músicos, acadêmicos e muito mais irão convergir para Porto Alegre, Brasil para o primeiro Fórum Mundial Social dedicado exclusivamente à Palestina.

Para aqueles que não podem se juntar a nós no Brasil, o Fórum Social Mundial Palestina Livre FSM-PL pede que sejam organizados protestos simultâneos, ações criativas e esforços de mídia em todo o mundo para chamar a atenção para as metas e estratégias que serão discutidas e promovidas durante este Fórum.

O FSM-PL será um encontro mundial de amplas mobilizações populares e da sociedade civil de todo o mundo. 

Os objetivos são:

1. Mostrar a força da solidariedade com o povo palestino e a diversidade de iniciativas e ações destinadas a promover a justiça e a paz na região.

2. Criar ações efetivas para garantir a autodeterminação palestina, a criação de um Estado palestino tendo Jerusalém como sua capital e do cumprimento dos direitos humanos e do direito internacional, com as seguintes ações:

 a) o fim da ocupação israelense e da colonização ilegal de todas as terras árabes e a destruição do Muro; b) Garantir os direitos fundamentais dos cidadãos árabe-palestinos de Israel à fim de gozar igualdade plena, e c) Implementar, proteger e promover os direitos dos refugiados palestinos de regressar às suas casas e propriedades como estipulado na Resolução 194 da ONU.

3. Ser um espaço de discussão, troca de idéias, estratégia e planejamento, a fim de melhorar a estrutura de solidariedade.


Como fazer parte da FSM Palestina Livre Estendido? 

O Fórum Social Mundial Palestina Livre convoca atividades globais simultâneas em solidariedade com o acontecimento histórico no Brasil.

Para ser parte do esforço FSM Palestina Livre, pedimos que:

  • Use o logotipo FSM-FP durante o evento e no material promocional;
  • Informe-nos com antecedência a sua atividade em extended@wsfpalestine.net e prensa@wsfpalestine.net para contribuir na promoção global.
  •  Envie-nos fotos, vídeos de sua atividade para exibi-los em Porto Alegre.

Durante o FSM Palestina Livre, vamos todos usar a hashtag # wsfpalestine Twitter para promover nossas ações e não se esqueça de seguir @ WSFPalestine !

Seja uma parte da FSM Palestina Livre onde quer que esteja:
28 novembro - 1 dezembro 2012!

sábado, 20 de outubro de 2012

Dr Moussa Ibrahim envia comunicado e desmente sua prisão

Desse lado do mundo, muitas pessoas não tem ideia de quem seja Moussa Ibrahim. Ele foi, por anos, o porta-voz do governo líbio de Muammar Qadafi e esteve à frente de tudo até o limiar da guerra que transformou o país em ruínas. 

 Dr Moussa é conhecido por sua educação, inteligência e sensatez. Uma passada pelo Youtube, com suas declarações e entrevistas coletivas, pode dizer muito sobre ele. Infelizmente, creio que não há nada com legendas em português, apenas em inglês (com ele falando em árabe ou inglês). 

 A Líbia hoje, silenciada pela imprensa do mundo inteiro, tem ruas dominadas por milícias e mercenários do CNT (o "Conselho Nacional de Transição" que até hoje não possui um governo de fato, nem consegue proteger sequer a seus dirigentes). Em razão disso, as pessoas são proibidas de se manifestarem livremente, sob pena de prisão, tortura ou morte. Em especial se forem identificadas como apoiadoras da "Líbia Verde" (Green Libya), a Líbia governada pelo ex-líder Muammar Qadafi. Sendo assim, altos funcionários do antigo governo estão exilados em países próximos ou escondidos em seu próprio país. 

Há muito tempo temos notícias do Dr Moussa apenas pela internet, em raros comunicados que surgem para evitar que ele seja localizado. Num dos últimos, Dr Moussa Ibrahim apela aos irmãos muçulmanos para que não colaborem com protestos violentos contra o filme que ridiculariza o profeta Maomé que, de forma inédita na história humana, conseguiu unir seguidores do islamismo em todo o planeta (coisa que aliás, nenhum ideal ou guerra tinha conseguido antes). Em meio à tantas justificativas, ele apelou ao bom senso dizendo que "Allah não aprovaria tortura e mortes em seu nome" e que era preciso "mostrar ao mundo que o Islã também é perdão". Esse é o Dr Moussa Ibrahim. 

Há dois dias temos acompanhado notícias sobre uma possível prisão dele em Tahourna, uma cidade na Libya. Alguns veículos de imprensa reproduziram a notícia dizendo que ele já estava sendo interrogado. No entanto, ele acaba de enviar um video desmentindo o ocorrido e conclamando também à união do povo líbio contra os invasores estrangeiros que destruíram seu país e agora, com apoio dos mercenários da OTAN, bombardeiam diuturnamente a cidade de Bani Walid. Ele afirma que está fora da Libya mas que acompanha o massacre que vem ocorrendo em Bani Walid e que sua suposta prisão tem o objetivo que desviar a atenção do que ocorre por lá.

 

Os protestos em Bani Walid (maior reduto de apoiadores do ex-líder Muammar Qadafi) duram desde o início da ocupação estrangeira no país, mas se intensificaram nos últimos dias. Em toda a Libya começaram a surgir bandeiras negras com letras douradas, avisando que o povo estava se unindo à tribo dos Warfala, origem dos Qadafi, em protesto à tentativa de varrer do mapa todos os moradores de Bani Walid. A cidade vem sendo bombardeada e atacada sem trégua há duas semanas, com o uso inclusive de bombas de urânio, fósforo e gás Sarin.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Fechando a semana - uma homenagem a um dos últimos mestres de nosso tempo

The months in Berlin made me a lifelong communist, or at least a man whose life would lose its nature and its significance without the political project to which he committed himself as a schoolboy, even though that project has demonstrably failed, and, as I now know, was bound to fail. The dream of the October Revolution is still there somewhere inside me, as deleted texts are still waiting to be recovered by experts, somewhere on the hard disks of computers. I have abandoned, nay, rejected it, but it has not been obliterated. To this day I notice myself treating the memory and tradition of the USSR with an indulgence and a tenderness which I do not feel towards communist China, because I belong to the generation for whom the October Revolution represented the hope of the world, as China never did. The Soviet Union's hammer and sickle symbolised it.

Interesting Times, Little Brown, 2002




Eric Hobsbawn em visita ao Brasil, Paraty(RJ), 1995

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Liberalismo “progridam ou acabamos com vocês”

Por John Pilger
Qual o mais poderoso e mais violento ‘-ismo’ do mundo? A resposta automática será “islamismo’, agora que o comunismo saiu do olho do alvo. Mas a resposta certa, escreveu Harold Pinter:
“praticamente nunca foi gravada, senão superficialmente, jamais foi documentada nem reconhecida”, porque é a única ideologia que se apresenta como não ideológica; nem de direita, nem de esquerda; e que se apresenta como a suprema solução, é o liberalismo. 
Em seu ensaio de 1859, On Liberty, ao qual liberais modernos rendem homenagens, John Stuart Mill descreveu o poder do império.
“O despotismo é modo legítimo de governo no trato com bárbaros”, escreveu, “desde que o objetivo seja o progresso deles, seu aprimoramento; e o meio, justificado, porque realmente leva àquele resultado.”
Os “bárbaros” eram vastas porções da humanidade cuja “obediência implícita” se exigia. O liberal francês Alexis de Tocqueville também acreditava firmemente que a conquista sangrenta sobre outros seria “um triunfo da cristandade e da civilização” que estaria “claramente predeterminado na visão da Providência”.
“É mito elegante e conveniente que os liberais sejam pacificadores, e os conservadores, pró guerras”, escreveu o historiador Hywel Williams em 2001, “mas o imperialismo à moda dos liberais pode ser mais perigoso, por sua natureza ilimitada, sem prazo para acabar – a convicção de que representaria uma forma superior de vida [ao mesmo tempo em que nega] o próprio fanatismo arrogante”.
Tinha em mente, naquele momento, um discurso de Tony Blair, proferido imediatamente depois dos ataques do 11/9/2001, no qual Blair prometeu “reordenar esse mundo à nossa volta” segundo seus próprios “valores morais”.
Um milhão de mortos – só no Iraque –, no mínimo, depois daquele discurso, esse perfeito tribuno do liberalismo vive hoje como empregado pago pelo tirano que governa o Cazaquistão, com salário de 13 milhões de dólares[1].
Os crimes de Blair não são raros. Desde 1945, mais de 1/3 dos países-membros da Organização das Nações Unidas, ONU – 69 países – padeceram de uma ou de várias das seguintes desgraças. Foram invadidos; tiveram governos derrubados; movimentos sociais foram reprimidos; as eleições foram subvertidas e a população, bombardeada. O historiador Mark Curtis estima em milhões o número de mortos. Esse foi, principalmente, o projeto desse campeão liberal, os EUA, cujo celebrado presidente “progressista”, John F Kennedy, como pesquisa recente acaba de demonstrar, autorizou o ataque a bombas contra Moscou, na crise dos mísseis em 1962.
“Se temos de usar a força”, disse Madeleine Albright, secretária de Estado dos EUA no governo liberal de Bill Clinton, “é porque somos os EUA. Somos a nação indispensável. Estamos acima. Vemos mais longe, no futuro.”
Difícil encontrar definição mais compacta do mais violento moderno liberalismo.
A Síria é projeto antigo.
Eis um excerto de um telegrama conjunto, da inteligência dos EUA e da Grã-Bretanha, que vazou:
“Para facilitar a ação das forças liberativas [sic] (…) esforço especial deve ser feito para eliminar alguns indivíduos chaves [e] para dar prosseguimento aos distúrbios internos na Síria. A CIA está preparada, e o SIS (MI6) tentará montar ações menores de sabotagem e incidentes de golpes de mão [sic] dentro da Síria, trabalhando mediante contatos com indivíduos (…) um necessário grau de medo e (…) conflitos provocados de fronteiras garantirão  um pretexto para intervenção (…) CIA e SIS devem usar (…) capacidade no campo psicológico, e nas ações de campo, para aumentar a tensão.”
Foi escrito em 1957, embora só tenha vindo à tona em recente relatório do Royal United Services Institute (RUSI), intitulado A Collision Course for Intervention [Uma rota de colisão para intervenção][2], cujo autor diz, fingindo que adivinha: “É altamente provável que algumas forças especiais e fontes de inteligência ocidentais já estejam na Síria há tempo considerável”. E assim vão acenando com uma guerra mundial, a partir da Síria e do Irã…
Israel, a violenta criação e criatura do ocidente liberal, já ocupa parte da Síria. Não é novidade: israelenses fazem piqueniques nas Colinas do Golan e dali assistem à guerra civil dirigida pela inteligência ocidental a partir da Turquia e financiada e armada pelos medievalistas que reinam na Arábia Saudita. Já tendo roubado praticamente toda a Palestina, atacado o Líbano, matado de fome o povo de Gaza e construído vasto arsenal ilegal de armas atômicas, Israel é mantido à parte da atual campanha de desinformação orientada ao objetivo de instalar fregueses fiéis do ocidente em Damasco e Teerã.
Dia 21 de julho, o colunista Jonathan Freedland do Guardian ameaçava que “o ocidente não se manterá isento por muito tempo (…) Ambos, EUA e Israel olham ansiosos as armas nucleares e as armas químicas da Síria, que hoje se diz que estariam destravadas e em movimentação, temendo que Assad decida desencarnar numa nuvem radiativa de glória.” Quem disse? Os ‘especialistas’ e ‘jornalistas’ de sempre.
Como eles, Freedland também deseja “uma revolução sem a total intervenção que se fez necessária na Líbia”. Segundo números do próprio Freedland, a OTAN realizou 9.700 “voos-ataque” contra a Líbia, dos quais mais de um terço contra alvos civis. Usaram-se mísseis com ogivas de urânio. Vestígios podem ser encontrados nas fotos das ruínas de Misurata e Sirte e nas covas coletivas, já  localizadas pela Cruz Vermelha. Ou que se leia o relatório da Unicef sobre crianças mortas, “a maioria das quais com menos de dez anos”. Como a destruição da cidade iraquiana de Fallujah, não se noticiaram esses crimes, porque a imprensa, usada como instrumento para desinformar é arma de ataque já plenamente integrada ao arsenal ocidental.
Dia 14 de julho passado, o Observatório Líbio de Direitos Humanos, que fez oposição ao regime de Gaddafi, relatava:
“A situação dos direitos humanos na Líbia é hoje muito pior que durante o governo de Gaddafi.” Ações de limpeza étnica são regra. Segundo a Anistia, a população da cidade de Tawargha “continua impossibilitada de voltar, porque suas casas foram saqueadas e queimadas”.
Entre os acadêmicos do planeta anglo-norte-americano, teóricos influentes, conhecidos como “realistas liberais”, ensinam há muito tempo que os imperialistas liberais – expressão que jamais empregam – são os pacificadores do mundo, e gerentes especializados em gestão de crises, não a causa da crise. Extraíram do estudo das nações toda e qualquer consideração sobre humanidade, e congelaram seus saberes num jargão que serve bem ao poder de fazer guerras. As nações são analisadas como cadáveres em mesa de dissecção e autópsia. Assim identificaram “estados falidos” (nações difíceis de explorar) e “estados bandidos” (nações que resistem à dominação ocidental). Que o regime seja democrático ou ditatorial, não faz diferença. O mesmo vale para os que são contratados para fazer o serviço sujo.
No Oriente Médio, desde o tempo de Nasser, até a Síria de hoje, sempre houve liberais islamistas colaboracionistas aliados aos liberais ocidentais; agora, o ocidente está aliado a al-Qaeda. E noções de democracia e direitos humanos, já completamente desacreditadas, servem ainda como fantasia retórica para encobrir as ações de conquista “como se exige”. Plus ça change

[1] Tony Blair também arrecada lá seu dinheirinho de empresários paulistas, nobremente a serviço da ‘melhoria de gestão’ do governo do Estado de São Paulo, Brasil, contribuição desinteressada que o governador Alckmin, da social-democracia (só rindo) paulista, aceitou lépido. Há notícia sobre isso, do dia 27/8/2012, no jornal O Estado de S.Paulo, em http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,tony-blair-prestara-consultoria-ao-governo-de-sao-paulo,922288,0.htm.
Aí se lê que “a consultoria será prestada por meio do Movimento Brasil Competitivo (MBC), que implantará um projeto de modernização de gestão que custará R$ 12 milhões ao longo de um ano”. Dinheiro excessivo, que a Vila Vudu jamais pagaria a homem sem qualquer especialização reconhecida e que, há uma década, alardeava que obrava para “reordenar esse mundo à nossa volta”, com o resultado que hoje se constata. Mas, sim, claro, é possível que arrange negocinhos para os empresários paulistas que pagam-lhe o michê [NTs].
Fonte: Vila Vudu via midiacrucis
(detaques em amarelo deste blog)

terça-feira, 19 de junho de 2012

RIO+20 de volta à ECO92 - O que estamos fazendo?

Eu tinha 15 anos quando ocorreu a primeira conferência que ocorre hoje, no Rio de Janeiro. Mas seus líderes, como antes, parecem não estarem dispostos a produzir um documento minimamente comprometido e responsável, que responda às inúmeras demandas que temos pela frente. 


Esse vídeo abaixo é apenas um "viral" ambientalista que vez por outra - como agora - é lembrado como um momento em que uma criança chamou a atenção do mundo para o que realmente importa. 


Posto abaixo por dois motivos: 1 - não parece que avançamos muito desde então em prioridades, em desenvolvimento, em humanidade; e 2 - o discurso de Severn Sukuzi poderia estar sendo feito hoje. Os números e perspectivas para qualquer criança da mesma idade não só não melhoraram como são piores. 


O que estamos fazendo?



terça-feira, 29 de maio de 2012

SOBRE VADIAS E A LOUÇA SUJA

É bom avisar: o texto abaixo é de um homem. Ainda que lendo, um desavisado possa se confundir e achar que uma de "nós" o escreveu, em uma espécie de autodefesa. Mas não, o texto é de Atílio Alencar e, vindo de um homem, além de ser um dos mais bacanas que já li, prova que os homens estão entendendo sim o recado. E ainda bem que ele, o Atílio, não é o único. 

Para um mundo novo, mulheres e homens precisarão se reinventar. A Marcha das Vadias é nada mais que uma ocupação  de mulheres pelo direito a serem donas de si mesmas, mas é também parte de "um mundo novo em gestação", como diria Galeano. Os grifos abaixo, são meus.

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Com a provocação estampada já no modo como se referem à sua mobilização, as mulheres que integraram a Marcha das Vadias em diversas cidades do país nesse fim de semana recente escancararam o peito nu para desafiar um sistema que há séculos teima em fazer recair sobre elas o peso da proibição. Apesar dos sensíveis avanços em relação à condição feminina na sociedade ocidental – se comparada à realidade vigente até a primeira metade do século XX – ainda vivemos num mundo em que se espera da mulher é que ela sirva. Sirva de mãe, esposa, dona de casa, professora, prostituta, faxineira. Ou sirva de modelo da “mulher bem-sucedida”, empreendedora, liberal, independente – aí então valorizada pelo caráter excepcional de sua condição, confirmando assim a regra ainda vigente.


Por força das próprias rebeliões, as mulheres foram conquistando direitos na sociedade atual e garantindo pouco a pouco, ao menos, a igualdade nas condições de exploração. Mas se como profissionais as mulheres encontram hoje maior facilidade para vender sua força de trabalho, como protagonistas de suas próprias vidas ainda esbarram na violência cotidiana de uma sociedade fundamentada nas prioridades do macho. O feminismo, movimento que primeiro colocou o problema da opressão patriarcal na ordem do dia, ocupou-se de atacar esse modelo, durante muito tempo sacrificando vaidades em nome da luta pela igualdade. Já as manifestantes que marcham no Brasil em 2012 não querem sacrificar porra nenhuma: entendem que já sacrificaram demais durante gerações inacabáveis em nome do medo e das convenções.

E é nesse não querer sacrificar nada – nem as pernas de fora, nem a inteligência, nem o direito de parir ou abortar de acordo com suas escolhas e necessidades – é que se funda um feminismo menos carrancudo, mais debochado, saudavelmente provocativo. Um pós-feminismo, dirão alguns. Mas como quer que chamemos o movimento em curso, seja lá qual for o nome pelo qual a História o designará em registros futuros, o fato é que não cabe mais ao orgulho nem à razão do macho estabelecer o que é certo para elas.

Já era. Podemos esquecer.

Depois que uma mulher tem a coragem de sair para as ruas ostentando faixas nas quais celebra alegremente o “ser vadia”, não há mais nada que possa pará-la. O medo de “cair na boca do povo” acabou; o pior dos flagelos morais que assombrava a mulher do passado – ser acusada de puta, amante, lésbica, de gostar de trepar e gozar – está esvaziado, é motivo de riso, inspiração para mostrar os peitos em público e, conforme o gosto da dona de cada corpo, exibir também os pêlos. Nenhum peito caído é feio, nenhuma axila sem depilação é desonrosa. Feio e triste é suportar o fantasma de uma vergonha que não é sua a oprimir o corpo.


E os homens nisso tudo?

Bom, os mais sensíveis, inteligentes e um pouquinho mais corajosos para reconhecer que a tradição do macho alfa é tediosa, cansativa e afetada, estão obviamente comemorando junto com as mulheres. Os mais medrosos e assustados, ou escondem-se atrás de chistes grosseiros, ou apelam para a agressão pura e simples mesmo.

Aqui no Rio Grande do Sul teve até radialista mandando as tais vadias pra cozinha lavarem a louça. Emplacou, com uma forcinha dos colegas de trabalho e do peso corporativo da emissora dos patrões (o programa chama Pretinho Básico, e vai ao ar pela rádio Atlântida FM), um assunto do dia nas redes sociais com suas expressões visionárias. Um gênio, o rapaz. Conseguiu, de uma só vez, cumprir o desserviço de reforçar um preconceito histórico que assola as mulheres e conquistar a antipatia geral por parte de todas e todos que defendem a superação dos velhos tabus.

No auge do seu humor iluminado, o cara nos presenteia com uma pérola que só poderia ter saído da boca de um ermitão. E ao tentar dissimular mais tarde a intenção grotescamente preconceituosa de seus comentários, ainda aproveita a oportunidade para gerar mais burburinho nas redes com a genial hashtag #ChupaVadia – que, graças ao apelo massivo da rádio em que trabalha, atingiu o primeiro lugar nos trending topics do Twitter.

O mais esdrúxulo é que provavelmente estejamos tratando daquele tipo de cidadão que fica chocado com as notícias que reportam crimes de abuso sexual contra mulheres e crianças. Deve se perguntar que tipo de animal é capaz de cometer tais atrocidades. Só nunca deve ter se perguntado o tamanho do estrago que pode causar com suas piadas infames, quando o tema é tão delicado, e o seu público – o público de uma emissora jovem – tão inclinado à confiar na inocência de tudo que soa engraçado.

É contra esse imaginário truculento e auto-indulgente que marcham as vadias. E nós, que também estamos aprendendo que o significado de vadia pode ser reinventado, marchamos com elas. A louça suja fica para os otários que não percebem que os tempos estão mudando.

por Atílio Alencar – Partido Fora do Eixo

domingo, 6 de maio de 2012

Au Revoir Sarkozy

Au Revoir Sarkozy
O que podemos aprender com a experiência francesa.


Por Juliana Medeiros



Acompanho com interesse o processo eleitoral na França desde 2007, quando Sarkozy concorreu com a candidata da esquerda, Ségolène Royal. Esta, por sinal, ex-mulher do socialista François Hollande, eleito hoje presidente. Já naquela época me assustou a vitória do presidente Nicolas Sarkozy falando de “proteção às “origens e tradições” da França, contra uma candidata que falava em “integração, solidariedade e pluralismo”. 

Pode parecer distante, mas acompanhar o debate entre os candidatos na França é uma grande lição para nós brasileiros. Recomendo a quem tiver interesse, buscar os textos dos discursos (alguns disponíveis em português na internet) dos candidatos François Hollande, Jean-Luc Menlechón, Marine Le Pen e do agora derrotado Nicolas Sarkozy. Com todas as demonstrações de intolerância e xenofobia dos dois últimos, a corrida eleitoral francesa é uma aula de democracia, soberania e de autonomia do seu povo.

Não posso afirmar com certeza se isso acontece da mesma forma em outros países da Europa porque não acompanho seus processos eleitorais tão de perto, mas acredito que seja parecido, principalmente se observada a escolaridade média do europeu. Esse indicador social faz com que nenhum candidato na França possa prescindir de uma profunda formação política, do conhecimento detalhado das políticas públicas contidas em suas propostas, do domínio do discurso – não como mera ferramenta de retórica eleitoreira – mas sim de convencimento de um público que conhece sua história e que contextualiza essa história com o mundo em que vive, econômica e socialmente. E isso considerando que os candidatos falam hoje, em grande parte, para uma França também de imigrantes, miscigenados, pobres e desempregados.

Prova-se, acompanhando as eleições francesas, que a disputa se dá entre candidatos que sabem do que é constituído o seu povo: pessoas que passaram por uma escola de formação crítica. E que, independentemente do resultado, jamais poderão deixar de respeitar esse aspecto do eleitorado. E é justamente essa formação crítica que torna o processo eleitoral francês mais rico.

Não é possível, na França, subestimar a audiência. Há que se colocar as cartas na mesa e correr o risco.

Por outro lado, é humilhante perceber que em nosso país ainda são o “pão e circo” e o investimento pífio em educação, os fiéis da balança na disputa eleitoral. Aqui, não vale a profundidade do discurso, o conteúdo das propostas. Vale o “dom da oratória” e uma boa dose de “toma-lá-dá-cá”. Seja nos bastidores da política ou nas trocas simplórias voto a voto. E isso em todos os níveis, já que internamente, os partidos também costuram suas alianças visando seus próprios interesses, sem objetivar os resultados que pretendem alcançar.

O recém-nomeado Ministro do Trabalho, Brizola Neto, por exemplo, sente agora o peso desse jogo. Ainda que apoiado por maioria sindicalista (grupo que fez a diferença na França), precisa lidar com o racha em seu próprio partido, além de ter que se desviar a todo o momento de uma cobertura midiática nefasta, que juntos, talvez o impeçam de aplicar seu programa trabalhista. E o mais triste é que a rotina massacrante imposta à maioria do trabalhador brasileiro, não o deixará sequer perceber que isto está acontecendo. Salvo uma ou outra piada descontextualizada em programas de humor que hoje apenas cumprem um papel alienante – e assim como outros assuntos de suma importância para o cotidiano do trabalhador – um neto de Leonel Brizola no Ministério do Trabalho infelizmente, e provavelmente, passará despercebido.

Na França isso seria impossível, o cenário eleitoral obriga os candidatos a politizarem o discurso. A representante da Frente Nacional, Marine Le Pen, sentiu isso na pele. Passou a campanha tendo de explicar até onde suas propostas se alinhavam ou não às ideias do pai, Jean-Marie Le Pen, que sempre defendeu abertamente posturas radicais de direita, como a pena de morte e a oposição severa à imigração. Se ela tentasse ignorar esse fato, o eleitorado não o faria. Por aqui, filhos de conhecidos políticos, apenas cumprem o papel de perpetuar a dinastia de suas famílias no poder.

A média do eleitorado brasileiro, infelizmente, sequer conseguiria entender os debates entre candidatos franceses, recheados de referências históricas, de conceitos das ciências políticas e de dados estatísticos que são acompanhados diariamente pelos franceses. A transparência e o controle dos gastos públicos – e também dos meios de comunicação – são realidade há anos na França e estão naturalmente contidos no discurso de todos os candidatos, sem distinção. Ao contrário daqui, onde a publicidade e o controle são assuntos constrangedores aos quais estamos resistindo a nos adaptar.

Outra observação é que os candidatos na França, talvez justamente por conhecerem a formação política do  eleitorado, não estão em cima de muros ideológicos. No Brasil, convencionou-se dizer que “não se sabe mais o que é esquerda ou direita” afinal, o “mundo está em crise”. Talvez por isso, os candidatos por aqui costumam se denominar  “de esquerda”, de uma maneira genérica, sem identificar sua raiz ideológica. E os de direita, salvo raras exceções, passaram todos a se autodenominarem “de centro-esquerda” ou “de centro”, ou ainda, “democratas”! Vale tudo para fugir da maldição da “direita”. A mídia, de maioria elitista, tenta disfarçar o peso de sua influência em nosso processo eleitoral com a manipulação desses estereótipos. Por isso, apesar das críticas diárias que recheiam a programação, está na moda ser “de esquerda” no Brasil.

A França que dá adeus à Sarkozy, prova que a prática política em lugares onde o povo não pode ser facilmente enganado, exige que os candidatos se assumam como realmente são: “socialistas”, ou “revolucionários”, ou até de “ultra-direita”. Cada um crava sua bandeira no peito com orgulho e a usa para dar o tom de sua proposta, sempre absolutamente alinhada à sua coloração.

François Hollande não é o candidato dos sonhos dos movimentos de Occupy que vem sacudindo alguns países da Europa e do mundo desde o ano passado. Este seria Mélenchon, da Front de Gauche, que alcançou impressionantes 11% dos votos (uma verdadeira zebra que desequilibrou a disputa polarizada entre os dois principais candidatos). O novo presidente da França tem ainda contra si uma estranha inclinação ao modelo Obama de governar que, mesmo considerado “populista” em seu próprio país, não tem sido muito diferente da política bélico-expansionista dos ex-presidentes Reagan, Clinton e Bush, pai e filho. E com base nessa política, é bom lembrar, os mais de 50 mil civis mortos na Líbia, não poderão comemorar a derrota de Sarkozy.

No entanto, mesmo se levarmos em conta o crescimento vertiginoso dos votos de ultra-direita obtidos por Marine Le Pen no primeiro turno, pode-se dizer também que a maioria, na França, rejeitou o discurso inspirado em certa eugenia, afinado com um tom negacionista, do ex-presidente Sarkozy. A França ainda não sabe por onde ir, mas hoje declarou que sabe bem por onde não quer ir.

Hoje, 06 de maio de 2012, a França declara não querer ser dividida, intolerante, xenófoba. E afirma também que não aceita corroborar a disputa por espaços no mercado de trabalho contra os estrangeiros que buscam abrigo no país da Revolução Francesa. Pedaço da história, aliás, que pode ser descrito por cidadão de qualquer origem que tenha passado pelos bancos escolares na França. E não por acaso também esteve, com leituras diferentes, presente nos discursos. Para os franceses, o conhecimento é prioridade e, mais ainda, é imprescindível dominar o conteúdo histórico mais fortemente inserido na cultura francesa.

Infelizmente, em terras tupiniquins, o conjunto do nosso sistema de educação, os livros didáticos, a formação básica dos professores, o investimento nas escolas (incluindo as privadas, ainda que melhores que as públicas), impedem os brasileiros de fazerem o link dos fatos históricos com acontecimentos cotidianos. Vítimas da imprudência de seus próprios representantes, boa parte dos brasileiros, de qualquer idade, não consegue entender porque as eleições na França podem fazer diferença em suas vidas aqui. E porque num mundo globalizado, será cada vez mais necessário acompanhar as eleições do país que hoje ocupa o 5ª lugar dentre as potências econômicas mundiais, ou até mesmo da longínqua Grécia, que também enfrenta eleições em meio à uma grave crise econômica. Mas não duvidem, não só os franceses, mas quase todos os continentes acompanharam de perto as eleições brasileiras e sabem do peso e significado histórico de termos tido um ex-operário e hoje termos uma ex-guerrilheira como presidentes.

Com a vitória de Hollande dá para ter esperanças em um retorno às origens, à França da Liberté, Igualité e Fraternité. E esperanças, talvez, de que toda essa transformação na Europa, impulsionada por movimentos populares, nos inspire também a lutar por uma formação mais crítica, mais humanista e mais internacionalista.

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* Juliana Medeiros é jornalista e editora de notícias da Rádio Cultura FM em Brasília.

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