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domingo, 6 de maio de 2012

Au Revoir Sarkozy

Au Revoir Sarkozy
O que podemos aprender com a experiência francesa.


Por Juliana Medeiros



Acompanho com interesse o processo eleitoral na França desde 2007, quando Sarkozy concorreu com a candidata da esquerda, Ségolène Royal. Esta, por sinal, ex-mulher do socialista François Hollande, eleito hoje presidente. Já naquela época me assustou a vitória do presidente Nicolas Sarkozy falando de “proteção às “origens e tradições” da França, contra uma candidata que falava em “integração, solidariedade e pluralismo”. 

Pode parecer distante, mas acompanhar o debate entre os candidatos na França é uma grande lição para nós brasileiros. Recomendo a quem tiver interesse, buscar os textos dos discursos (alguns disponíveis em português na internet) dos candidatos François Hollande, Jean-Luc Menlechón, Marine Le Pen e do agora derrotado Nicolas Sarkozy. Com todas as demonstrações de intolerância e xenofobia dos dois últimos, a corrida eleitoral francesa é uma aula de democracia, soberania e de autonomia do seu povo.

Não posso afirmar com certeza se isso acontece da mesma forma em outros países da Europa porque não acompanho seus processos eleitorais tão de perto, mas acredito que seja parecido, principalmente se observada a escolaridade média do europeu. Esse indicador social faz com que nenhum candidato na França possa prescindir de uma profunda formação política, do conhecimento detalhado das políticas públicas contidas em suas propostas, do domínio do discurso – não como mera ferramenta de retórica eleitoreira – mas sim de convencimento de um público que conhece sua história e que contextualiza essa história com o mundo em que vive, econômica e socialmente. E isso considerando que os candidatos falam hoje, em grande parte, para uma França também de imigrantes, miscigenados, pobres e desempregados.

Prova-se, acompanhando as eleições francesas, que a disputa se dá entre candidatos que sabem do que é constituído o seu povo: pessoas que passaram por uma escola de formação crítica. E que, independentemente do resultado, jamais poderão deixar de respeitar esse aspecto do eleitorado. E é justamente essa formação crítica que torna o processo eleitoral francês mais rico.

Não é possível, na França, subestimar a audiência. Há que se colocar as cartas na mesa e correr o risco.

Por outro lado, é humilhante perceber que em nosso país ainda são o “pão e circo” e o investimento pífio em educação, os fiéis da balança na disputa eleitoral. Aqui, não vale a profundidade do discurso, o conteúdo das propostas. Vale o “dom da oratória” e uma boa dose de “toma-lá-dá-cá”. Seja nos bastidores da política ou nas trocas simplórias voto a voto. E isso em todos os níveis, já que internamente, os partidos também costuram suas alianças visando seus próprios interesses, sem objetivar os resultados que pretendem alcançar.

O recém-nomeado Ministro do Trabalho, Brizola Neto, por exemplo, sente agora o peso desse jogo. Ainda que apoiado por maioria sindicalista (grupo que fez a diferença na França), precisa lidar com o racha em seu próprio partido, além de ter que se desviar a todo o momento de uma cobertura midiática nefasta, que juntos, talvez o impeçam de aplicar seu programa trabalhista. E o mais triste é que a rotina massacrante imposta à maioria do trabalhador brasileiro, não o deixará sequer perceber que isto está acontecendo. Salvo uma ou outra piada descontextualizada em programas de humor que hoje apenas cumprem um papel alienante – e assim como outros assuntos de suma importância para o cotidiano do trabalhador – um neto de Leonel Brizola no Ministério do Trabalho infelizmente, e provavelmente, passará despercebido.

Na França isso seria impossível, o cenário eleitoral obriga os candidatos a politizarem o discurso. A representante da Frente Nacional, Marine Le Pen, sentiu isso na pele. Passou a campanha tendo de explicar até onde suas propostas se alinhavam ou não às ideias do pai, Jean-Marie Le Pen, que sempre defendeu abertamente posturas radicais de direita, como a pena de morte e a oposição severa à imigração. Se ela tentasse ignorar esse fato, o eleitorado não o faria. Por aqui, filhos de conhecidos políticos, apenas cumprem o papel de perpetuar a dinastia de suas famílias no poder.

A média do eleitorado brasileiro, infelizmente, sequer conseguiria entender os debates entre candidatos franceses, recheados de referências históricas, de conceitos das ciências políticas e de dados estatísticos que são acompanhados diariamente pelos franceses. A transparência e o controle dos gastos públicos – e também dos meios de comunicação – são realidade há anos na França e estão naturalmente contidos no discurso de todos os candidatos, sem distinção. Ao contrário daqui, onde a publicidade e o controle são assuntos constrangedores aos quais estamos resistindo a nos adaptar.

Outra observação é que os candidatos na França, talvez justamente por conhecerem a formação política do  eleitorado, não estão em cima de muros ideológicos. No Brasil, convencionou-se dizer que “não se sabe mais o que é esquerda ou direita” afinal, o “mundo está em crise”. Talvez por isso, os candidatos por aqui costumam se denominar  “de esquerda”, de uma maneira genérica, sem identificar sua raiz ideológica. E os de direita, salvo raras exceções, passaram todos a se autodenominarem “de centro-esquerda” ou “de centro”, ou ainda, “democratas”! Vale tudo para fugir da maldição da “direita”. A mídia, de maioria elitista, tenta disfarçar o peso de sua influência em nosso processo eleitoral com a manipulação desses estereótipos. Por isso, apesar das críticas diárias que recheiam a programação, está na moda ser “de esquerda” no Brasil.

A França que dá adeus à Sarkozy, prova que a prática política em lugares onde o povo não pode ser facilmente enganado, exige que os candidatos se assumam como realmente são: “socialistas”, ou “revolucionários”, ou até de “ultra-direita”. Cada um crava sua bandeira no peito com orgulho e a usa para dar o tom de sua proposta, sempre absolutamente alinhada à sua coloração.

François Hollande não é o candidato dos sonhos dos movimentos de Occupy que vem sacudindo alguns países da Europa e do mundo desde o ano passado. Este seria Mélenchon, da Front de Gauche, que alcançou impressionantes 11% dos votos (uma verdadeira zebra que desequilibrou a disputa polarizada entre os dois principais candidatos). O novo presidente da França tem ainda contra si uma estranha inclinação ao modelo Obama de governar que, mesmo considerado “populista” em seu próprio país, não tem sido muito diferente da política bélico-expansionista dos ex-presidentes Reagan, Clinton e Bush, pai e filho. E com base nessa política, é bom lembrar, os mais de 50 mil civis mortos na Líbia, não poderão comemorar a derrota de Sarkozy.

No entanto, mesmo se levarmos em conta o crescimento vertiginoso dos votos de ultra-direita obtidos por Marine Le Pen no primeiro turno, pode-se dizer também que a maioria, na França, rejeitou o discurso inspirado em certa eugenia, afinado com um tom negacionista, do ex-presidente Sarkozy. A França ainda não sabe por onde ir, mas hoje declarou que sabe bem por onde não quer ir.

Hoje, 06 de maio de 2012, a França declara não querer ser dividida, intolerante, xenófoba. E afirma também que não aceita corroborar a disputa por espaços no mercado de trabalho contra os estrangeiros que buscam abrigo no país da Revolução Francesa. Pedaço da história, aliás, que pode ser descrito por cidadão de qualquer origem que tenha passado pelos bancos escolares na França. E não por acaso também esteve, com leituras diferentes, presente nos discursos. Para os franceses, o conhecimento é prioridade e, mais ainda, é imprescindível dominar o conteúdo histórico mais fortemente inserido na cultura francesa.

Infelizmente, em terras tupiniquins, o conjunto do nosso sistema de educação, os livros didáticos, a formação básica dos professores, o investimento nas escolas (incluindo as privadas, ainda que melhores que as públicas), impedem os brasileiros de fazerem o link dos fatos históricos com acontecimentos cotidianos. Vítimas da imprudência de seus próprios representantes, boa parte dos brasileiros, de qualquer idade, não consegue entender porque as eleições na França podem fazer diferença em suas vidas aqui. E porque num mundo globalizado, será cada vez mais necessário acompanhar as eleições do país que hoje ocupa o 5ª lugar dentre as potências econômicas mundiais, ou até mesmo da longínqua Grécia, que também enfrenta eleições em meio à uma grave crise econômica. Mas não duvidem, não só os franceses, mas quase todos os continentes acompanharam de perto as eleições brasileiras e sabem do peso e significado histórico de termos tido um ex-operário e hoje termos uma ex-guerrilheira como presidentes.

Com a vitória de Hollande dá para ter esperanças em um retorno às origens, à França da Liberté, Igualité e Fraternité. E esperanças, talvez, de que toda essa transformação na Europa, impulsionada por movimentos populares, nos inspire também a lutar por uma formação mais crítica, mais humanista e mais internacionalista.

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* Juliana Medeiros é jornalista e editora de notícias da Rádio Cultura FM em Brasília.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Jean-Luc Mélenchon, Toulouse-2012

Reproduzo abaixo, um dos maravilhosos discursos do melhor candidato de todos os tempos que a França jamais teve. No entanto, acredito que a derrota do pequeno Napoleão Sarkozy - mesmo que seja para o socialista Hollande - já terá significado emblemático para toda a Europa nos próximos anos. Os grifos são meus.


O discurso foi traduzido e distribuído pelo pessoal da Vila Vudu cujo trabalho tem sido fundamental nos últimos tempos nos ajudando na divulgação de reportagens e textos que normalmente nos são cerceados pela brasileira. Aqui no blog é possível encontrar outros trabalhos do grupo.
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5/4/2012, Discurso da Place du Capitole, Toulouse[1]
http://frontdegauche-aube.blogspot.com.br/
Vídeo 28’22, discurso transcrito e traduzido
[Apresentadora] Nosso encontro hoje em Toulouse é multilocal. A Place du Capitole está lotada, completamente lotada. A Place Wilson, com dois telões, está lotada. As ruas adjacentes estão lotadas. Essa noite, somos 70 mil pessoas, para acolher Jean-Luc Mélenchon, candidato da Frente de Esquerda, à presidência da França.

[Mélenchon] Boa noite, saúdo vocês, todos e todas que vieram, acorrendo ao apelo que lançamos. Saludo también a vosotros de España que han venido. Con respecto también a la gloriosa bandera de la Republica! [em espanhol]. Aí está, a força que se reúne, que se estende, que se afirma. E convoco-os a fazê-la crescer ainda mais, até o encontro na noite das eleições, fim da primeira etapa de nossa insurreição cidadã.

Peço-lhes que continuem a construir adiante, essa grande força, coerente politicamente, educada, disciplinada pelo livre consentimento, de adesão a um programa, não a uma pessoa. Porque é o que propomos ao país. Para superar o desafio que teremos de superar contra todos que se reunirão contra o movimento que o povo francês empreenderá, será preciso que cada um, cada uma, saiba o seu lugar, o seu posto de combate, o trabalho que lhe caberá fazer, para levar pela mão, pelo espírito, pelo coração, o vizinho, a vizinha, todos percorrendo o caminho necessário para fazer o que tem de ser feito.

Meus amigos, estamos no mês Germinal[2]. Os botões já se abrem e já há promessas de frutos. Assim também a nossa palavra, saindo já do inverno gelado da política, volta voando, para dar a cada um, a cada uma, novas razões para viver e ter esperanças. Essa palavra é “partilha”. Partilha, partilha. Partilhar. Partilha da riqueza, do planejamento ecológico, cidadania, fraternidade, amor, interesse pelo que tombou, para que se levante, pelo que nada tem, que seja ajudado.

Essa palavra, partilha, é como a chave que abre as cadeias nas quais está presa a própria razão de viver. Ela não se confunde com as abjetas contabilidades a que somos obrigados todos os dias, para decidir se nos alimentamos, ou se moramos, ou se pagamos a conta de energia elétrica. 


Aqui está, Sr. Sarkozy, nossa resposta. O senhor disse que não compartilha nenhum dos meus entusiasmos ou engajamentos. É verdade. Não somos do mesmo clã. Não somos a mesma França. 

O senhor diz, falando afinal a um Mélenchon que faz cada dia mais pressão, que bastam dois dias, para pôr por terra cinco anos de esforços. Não são cinco anos de esforços. São cinco anos de fracassos, cinco anos de recuo. Cinco anos de grosseria, de vulgaridade. De rebaixamento da pátria. Ao senhor que, todos os dias, vem pedir-nos contas, e que novamente nos pede agora, calculando ‘por alto’ o que “custaria” nosso programa, que quer dar a cada um os meios para viver a vida com dignidade e tranquilidade. 

Agora, sou eu que lhe pede contas: qual é o custo da infelicidade que se dissemina, e o custo da ignorância que o senhor disseminou, cortando empregos de professores? Qual é o custo da saúde perdida, quando os pobres não encontram meios para se tratar? Qual é o custo das 564 pessoas que todos os anos morrem no trabalho? Qual o custo dos 43 mil mutilados para sempre no trabalho? Qual o custo da a primeira infância esquecida? O maior tempo de trabalho, antes da aposentadoria? A prisão de menores. Peço-lhe contas, eu, por essa sociedade absurda. Peço-lhe contas, por ter feito com que a expectativa de vida já diminua, nos países desenvolvidos, depois de anos de aumento constante. 

Peço-lhe contas, eu, por ter posto em risco o primeiro direito, que a gloriosa revolução de 1789 consagrou, acima de todos os outros direitos: o direito à existência. Ah, não! Viver não é passar a vida sobrevivendo.

Não se pode viver feliz num oceano de infelicidade. Não se pode viver feliz, se há um milhão de pobres, um milhão sem moradia digna, na 5ª potência do mundo. Não se pode viver com medo do amanhã, como é o caso de dez milhões de trabalhadores precários. 

Aí está, e confesso: nosso programa não é realista, mesmo, para os seus padrões contábeis, Sr. Sarkozy! Mas é realista, para os nossos padrões. E nosso padrão chama-se O Direito de Viver!

Vejam aí, todos os que nos perguntam, o que é esse fenômeno que enche essa praça e outras praças e as ruas em torno: essa é a nossa revolução cidadã, que começou. [Resistência! Resistência!] 

Convocamos, nós, essa mobilização, aqui, como na Bastilha, e como faremos também em Marselha, em alguns dias. É uma mesma marcha. E vemos aqui, lá, que vocês respondem ao nosso apelo. Sabemos que vocês responderão, porque já terão passado por esse ‘ensaio geral’, aqui. E amanhã, se eu for eleito, e outra vez os convocar, vocês responderão. Mas, seja quem for o eleito, nada e ninguém, nunca mais, conseguirá meter outra vez no velho leito, o rio que já transbordou.

Convocamos esse 2º Rassemblement para refundar nossa República. Vocês sabem, numa nação política como a nossa – que não se define por uma cor de pele, nem uma religião, sequer por uma única língua –, a República é o fundamento da nação, não o contrário. Refundar a República é refundar o próprio povo, repô-lo, lá, como fundamento. É refundar a pátria comum, hoje desfigurada pela desigualdade e os saqueios de todos os tipos. 

Queremos que se convoque uma Assembleia Constituinte, cujo primeiro papel será definir a regra de vida comum. 

Já não se pode aceitar que, para enfrentar o desafio gigantesco da catástrofe capitalista que devasta o mundo inteiro e a catástrofe produtivista que ameaça os seres humanos. E os poderosos, incapazes de pensar em outro mundo e em outra organização, abandonam os movimentos a eles mesmos e não reconhecem outra lei que não seja a do interesse deles. 

Não se pode mais aceitar que a hierarquia das normas, no nosso país ou na Europa, seja dominada pela liberdade de empreender, a concorrência sem regras e a competição de um contra todos. 

Exigimos que, na base da hierarquia das leis de nossa sociedade sejam postas a solidariedade e a cooperação.

Não podemos mais aceitar que a liberdade de empreender e o direito de propriedade sejam tornados equivalentes a direitos fundamentais, e que tudo seja subordinado àquela liberdade. 

Acreditamos, ao contrário, que é hora de estabelecer a cidadania em tudo, não só na cidade, mas também nas empresas. E, portanto, é hora de reconhecer como direito constitucional o direito de preempção, que garantirá que os trabalhadores, desde que o desejem, possam constituir cooperativas operárias e tornem-se proprietários dos meios de produção. 

Queremos que o interesse geral seja mais forte que os interesses particulares e que, desde que a situação o imponha –, porque um interesse fundamental econômico da nação seja afirmado e verificado numa ou outra circunstância –, haja para o governo, quer dizer, para a nação ela própria, um direito de requisição, que impeça que escândalo como o..... nunca mais seja possível, em nosso país.

E que se estabeleça um direito de veto dos assalariados, nas questões relativas ao futuro estratégico de sua empresa empregadora e ao impacto ambiental do que a empresa produza.

Aqui, retomamos o fio que o grande Jaurès teceu para nós, nessa região. A democracia política, nos ensinou ele, expressa-se numa ideia central, ou melhor, numa ideia única: a soberania política do povo.

“Soberania do povo” significa: só obedecer à lei para a qual nós mesmos, cada um, pessoalmente, tenhamos contribuído, pelo nosso voto. Só temos de obedecer a lei, porque ela reconhece e assegura a norma comum, porque ela foi decidida por nós, todos juntos. Eis o que significa “soberania do povo”. Portanto, “soberania popular” é outro nome da liberdade. Vocês não são livres, quando não são soberanos, porque são obrigados a obedecer a leis que lhes são impingidas, porque são decisões decididas longe de vocês e sem vocês.

Relembro aqui o caso de um crime[3] cometido pelo presidente da República [Chirac], que, depois de o povo ter votado “Não” à Constituição [da Europa] em 2005[4], por 55% dos votos, o presidente mesmo assim negociou outra proposta de tratado de aprovação da Constituição Europeia, em tudo idêntica à primeira, que fez aprovar no Congresso de Versailles [vaias, vaias], com a cumplicidade dos que se abstiveram ou votaram a favor, no referendum

Peço-lhes contas, eu, e pergunto: onde está nossa liberdade? 

E ainda mais: qual é o sentido dessa próxima eleição, se vocês escondem dos franceses que, se votarem num dos partidos do Tratado de Lisboa, que se preparem para aprovar o próximo tratado Merkel-Sarkozy, seja votando a favor, seja abstendo-se, como já fizeram, pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade? 

Onde está nossa liberdade, qual o sentido dessa eleição, se nos anunciam que, seja qual for o resultado, aconteça o que acontecer, em todos os casos, seremos obrigados por acordos internacionais a submeter o orçamento da França à aprovação prévia da Comissão Europeia? Se teremos de submeter todos os nossos empréstimos àquela aprovação prévia?

Por isso digo que, se não há mais liberdade, se não há mais soberania do povo, a insurreição cidadã é dever sagrado da República.

Onde está nossa liberdade, nossa soberania, ante a catilinária, sempre a mesma, mas sem que eles jamais digam, em nenhuma assembleia, em nenhum comício, que, votem como votarem, façam o que façam, todos eles preparam, com seus votos cúmplices, uns com os outros, o que eles mesmos chamam de Grande Mercado Transatlântico 2015, porque o candidato deles, seja qual for, nos unirá para sempre, sem barreiras alfandegárias, sem barreiras jurídicas, aos EUA?

Onde está nossa liberdade, se, dessa vez, elejamos quem for, dos candidatos deles, teremos de admitir que continue o que não queremos que continue – mas nem temos como dizer que não queremos – que continue a privatização dos serviços públicos? Que não queremos que continue a demissão de trabalhadores pobres de outros países europeus, que eles põem a trabalhar aqui a preço vil, desgraça à qual se soma também a deslocalização interna.

Onde está nossa liberdade? Está na urna eleitoral, que, dando o poder à Frente de Esquerda, abolirá todas essas medidas, porque a França não mais as subscreverá.

Onde está nossa liberdade, quando nossa soberania confiscada por nossa implicação num comando militar integrado no interior da OTAN, nos amarra a todas as expedições militares dos EUA que detonam um choque de civilização, que não desejamos?

Por isso, trate-se do Tratado Europeu, ou dessa participação da França que os franceses não desejam, na OTAN, declaramos aqui que esses dois ‘engajamentos’ serão submetidos a referendum popular.

Que os franceses se manifestem: a França deve deixar o Comando Integrado e a própria Aliança Atlântica. 

A França, como é de sua tradição e de sua história, deve propor ao mundo uma outra aliança, altermundista, independente dos EUA. 


A França deve engajar-se na renovação de organizações internacionais que sejam legítimas aos nossos olhos, não essas que resultam dos G-8, G-20 e de todas essas sinecuras onde os poderosos ordenam ao resto do mundo o que devem sofrer e padecer. Mas, ao contrário, os organismos da ONU renovados pela ação da própria França. 

Uma França que não mais praticará essa defesa, de geometria variável, dos direitos do homem, utilizada para ingerências mais que duvidosas. 

Uma França que afinal defenderá em todos os cenários e frente a todos, sem jamais ter de baixar os olhos, as causas que nos animam e que fizeram com que nossas revoluções nunca fossem revoluções só para os franceses, mas para a humanidade universal e defenderam os direitos universais do mundo.

Falo aqui, notadamente, da defesa, aqui e na esfera internacional, para que seja reconhecido, na França e em todo o mundo, o direito universal ao aborto, base do direito humano essencial de dispor de si mesmo, para metade da humanidade.

Falo aqui de lutar contra a pena de morte, não só na China, mas também nos EUA.

Lutar ante o mundo inteiro, dizendo, eis aqui os franceses, e propomos o que já propôs o presidente Evo Morales, presidente de esquerda, da Bolívia. A França propõe, como o presidente Morales já propôs, que se crie um Tribunal Internacional que julgue e puna os crimes ecológicos cometidos contra a humanidade.

Não, senhor presidente Sarkozy, diferente do que o senhor declarou ao chegar ao poder, o primeiro perigo não é a confrontação entre o ocidente e o Islã. O primeiro perigo é que a França está convertida em rota de socorro do carro imperial, que é a principal causa de perturbação no mundo.

A França da 6ª República que queremos construir não é uma nação ocidental. Não é, nem pelo seu povo mestiço, nem pelo fato de que a França existe em todos os oceanos do mundo, vive e brilha perto dos cinco continentes: Nova Caledônia, Réunion, Polinésia, Maiote, Caraíbas, a Guiana Francesa, que é a mais longa fronteira francesa, 800km de fronteiras com o Brasil. 

Não, a França não é nação ocidental. A França é nação universalista. Somos e queremos ser, porque a história nos legou o primeiro modelo de nação universalista. E vamos em busca de viver à altura desses princípios. 


Vocês são convocados para essa grande missão, não para esse miserável blá-blá-blá dos politiqueiros da UNP. Mais uma vez, teremos de ser esse estandarte ardente do qual brilhará outra vez a chama das revoluções, que por contágio, se torna causa comum de todos os povos da Europa. 

Já abrimos a brecha. Doravante, não precisamos de conselhos ou autorização de ninguém, porque somos uma força adulta, consciente, disciplinada, educada, politizada. 

Abriremos a brecha pela qual passarão nossos irmãos e irmãs da Grécia, para por fim à abjeta ditadura das finanças que saqueou seu país. 

Abriremos a brecha pela qual, em outubro próximo, passará também o povo alemão.

Abriremos a brecha no muro da resignação que, por toda a parte pegou o povo pela garganta. E eles nos dizem que somos a ruína! Quando eles organizaram a ruína e hoje, aplicam sua política podre, por toda a parte.

Estamos no mês Germinal. Logo virão os frutos, França, bela e rebelde, chegam o tempo das cerejas[5]e os dias felizes. Viva a França! Viva a República! Viva a República Social! 



[1] Em francês, é o segundo vídeo da página, em http://www.dailymotion.com/user/PlaceauPeuple/subscriptions/2012-04-07/2:1?mode=playlist&from=email_subscriptiondigestusersunlogged&utm_source=Email&utm_medium=Email&utm_content=SubscriptionDigestUsersUnlogged&utm_campaign=Alert-SubscriptionDigestUsersUnlogged#video=xpy9av
[2] Germinal é um mês do calendário republicano introduzido durante a Revolução Francesa, primeiro mês da primavera e, por metáfora, do renascimento do mundo. Dá título também a um romance de Émile Zola sobre a revolta operária (Germinal [1885], SP: Companhia das Letras, 2000, 1ª edição, trad. Silvana Salerno) [NTs].


[3] Orig. forfaiture. Antes do Novo Código Penal francês, qualquer crime cometido por funcionário público, no exercício de suas funções. O novo Código Penal suprimiu esse tipo de crime específico de funcionário, agente público ou pessoa investida em missão de serviço público, e a ação correspondente passou a constituir circunstância agravante. Em http://www.larousse.fr/dictionnaires/francais/forfaiture/34601 [NTs].


[4] Em 29/5/2005, no governo de Jacques Chirac, os franceses votaram em referendum, se a França aceitaria a proposta apresentada no Parlamento Europeu, de Constituição da União Europeia. A pergunta proposta no referendum foi: “Você aprova o projeto de lei que autoriza a ratificação do tratado que estabelecerá uma Constituição para a Europa?”. 55% dos votantes franceses rejeitaram a ratificação daquela proposta de Constituição Europeia, o que fez da França o primeiro país a rejeitar a proposta, e pôs a França como alvo das pressões de outros países interessados em rápida aprovação. O Partido Socialista dividiu-se naquele referendum: François Hollande liderou a ‘facção’ favorável ao “sim” e Laurent Fabius (de uma tendência de direita, dentro do PSF), a ‘facção’ favorável ao “não”, minoritária. Ante o “não” do referendum, Chirac apareceu com uma ‘outra versão’ para a mesma Constituição Europeia, em tudo semelhante à primeira, cuja aprovação negociou com deputados e senadores. Esse ‘segunda versão’ foi aprovada por deputados e senadores franceses, com os socialistas votando com Chirac. Mélenchon, em 2005, ainda estava no Partido Socialista, do qual se separou em 2008, para criar a Front Gauche [NTs, com informações de http://en.wikipedia.org/wiki/French_European_Constitution_referendum,_2005].

[5] Le Temps des cerises é canção de 1866, versos de Jean-Baptiste Clément, música composta por Antoine Renard em 1868. Pode ser ouvida, cantada por Yves Montand, emhttp://www.youtube.com/watch?v=aNDDKU1cTWk&feature=related

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