Carta encaminhada à este blog por um morador de Brasília:
Passo a narrar um fato ocorrido no dia 23 de fevereiro de 2006.
Minha sobrinha de 3 anos foi para a comemoração de carnaval na Escola de Ballet Norma Lilia da 108 Sul; uma turma grande, umas 15 meninas (ou mais), todas com 3 ou 4 anos; os pais não podem assistir à aula nessa escola - entrega-se a criança para a "tia" na entrada, antes da catraca, só podendo voltar nos 10 min. finais; no final da aula, minha mãe, junto com outras mães, são autorizadas a entrar para assistir a aula/comemoração.
Minha sobrinha, uma criança negra, corre até a sua avó e diz, agoniada, que está muito apertada para ir ao banheiro e que a "tia" não ouviu seu pedido; ela torce as pernas de tão 'apertada'.
Minha mãe a leva ao banheiro e voltam para o final da aula; nessa hora, minha mãe percebe as dificuldades que a neta está passando: as outras meninas, todas brancas, se recusam a dar a mão à minha sobrinha e, quando ela insiste (pois esse é o comando da professora), chega a acontecer de uma menina ir defender a outra que não quer tocar na minha sobrinha.
Elas a olham com aquele olhar de estranheza, de quem nunca viu uma menina negra, ou, ao menos, nunca foram obrigadas a manter contato, tocar a mão de uma menina negra. As outras mães nada vêem, ou, decerto, acham normal o que está acontecendo. E, enquanto todas as meninas estão de mãos dadas obedecendo ao comando da professora, minha sobrinha está solta, no meio da sala enorme, perdida, sem saber o que fazer.
Quando termina a aula ela está triste, diz que não gostou da aula e, contrariando o seu hábito de criança falante, vai calada para casa.
Não sabemos se ela entendeu o que lhe aconteceu, sabemos que a "tia" não a "enxergou" entre as várias crianças brancas, deixando-a a ponto de fazer suas necessidades nas calças; sabemos que as outras crianças, de 3 e 4 anos, a discriminaram, não porque crianças dessa idade saibam o que estão fazendo (não acredito nisso), mas porque isso ainda é aprendido na sociedade em que vivemos.
Elas não foram educadas para acreditar que são iguais, ou para conviver com as diferenças. Foram educadas aprendendo que são melhores que as crianças negras, geralmente filhos da empregada ou crianças de rua. Eu e minha família não sabemos o que fazer; minha mãe sugere que ela não coloque mais os pés naquela escola, onde só dançam meninas de classe média/alta, não obstante possamos, tal qual elas, pagar pela aula de balé.
O mal-estar que experimentamos agora, eu e toda minha família, certos de que não poderemos defendê-la de fatos como esse que, infelizmente, podem se repetir muitas vezes ao longo de sua vida, faz-nos sentir amargurados por viver em uma sociedade, formalmente pluralista e igualitária, mas onde o preconceito ainda reina, mudo, mas presente em cada momento de nossas vidas.
Peço aos amigos, encarecidamente, que transmitam esse desabafo ao maior número de pessoas, pois acredito que a única maneira de modificarmos essa ignorância secular é transmitindo a dor que sentimos, de modo a sensibilizar as pessoas que ainda não aprenderam a respeitar os seres humanos, independente da cor, religião, opção sexual ou condição física.
Precisamos nos humanizar, e assim humanizar nossos filhos; somos responsáveis pelo futuro e não queremos - me recuso a acreditar no contrário - que a deseducação, que a ignorância e o desrespeito preponderem em nossa sociedade.
Liene Pinto - Brasília-DF
"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X
sexta-feira, 10 de março de 2006
Xenofobia infantil, de quem é a culpa?
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário