"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Violência, de quem é a culpa?

Trecho de matéria do DFTV do último dia 24: "...o secretário de segurança de Goiás, Ernesto Roller, não quis vir a Brasília para pedir a atuação da Força Nacional no Entorno. Mandou um representante com um documento em que culpa o Distrito Federal pela violência do Entorno. "A capital do país atrai milhares de pessoas, mas como viver no DF é muito caro, muita gente vai para o Entorno". O governador José Roberto Arruda logo rebateu a crítica. “Não é hora de achar culpado. É hora de encontrar solução. Então, é preciso juntar o Distrito Federal, o Goiás e o governo federal para trabalhar unidos nesse problema que atinge a todos nós”, disse o governador Arruda. A Força Nacional é formada por policiais militares de vários estados, treinados para agir em momentos de crise. A intervenção já ocorreu no Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. No Entorno, pela primeira vez a tropa combaterá, principalmente, o tráfico de drogas. A ação será feita em pontos estratégicos e com homens fortemente armados... E hoje, o jornalista Amaury Ribeiro Júnior, baleado na Cidade Ocidental na última quarta-feira (19), quando tentava apurar as denúncias sobre o tráfico na região, recebeu alta..."

Existem vários tipos de violência. A que bate na nossa cara e está lá explícita para todo mundo ver e a que nós concordamos em ignorar. Nós placidamente a aceitamos e ela se mistura em nossas vidas, se molda à nossa rotina como uma doença incurável. Até certo ponto, isso é muito útil para nosso dia-a-dia. Seria quase insuportável viver se tívessemos a noção diária do agudo sofrimento à nossa volta. Não queremos olhar para o lado e ver quem não teve a mesma "sorte" e dorme nas filas dos serviços do Estado (ou pior: dorme na rua), quem nasceu do "lado errado". Estes sim, vivem uma violência crônica desde o dia em que nascem. Inimaginável. Aliás, não conseguir imaginá-la é o que nos protege, nos ajuda a viver sem culpa.

Estava esta semana com um amigo num cachorro-quente em Brasília. Um homem se aproximou, pediu comida e meu amigo - ser humano capaz de gestos tão simples para ele mas tão incríveis para outras pessoas - não só mandou que lhe fizessem uns três sanduíches como também o convidou para sentar, perguntou por sua família, quantos filhos, de onde vinha... ele fez isso de forma tão natural que ninguém pôde achar nada, reagir, somente puderam observar. Agiu como se já o conhecesse e pegou a todos de surpresa com sua simpatia, seu sentimento de importância, de não-indiferença. Até o homem. Este, não quis mais nada, não tentou nos agredir, apenas foi embora com os sanduíches para o local onde estava o resto de sua família, "naquele espaço, depois daquela árvore"... Só que acabou sendo impossível não notar nesse breve episódio, a reação das pessoas em volta que ia da incredulidade ao sarcasmo, do concreto nojo à pose do "não-é-comiguismo" nacional e ainda pude ver que, lendo a linguagem corporal, se nota que o medo é parte da língua universal da humanidade. A esquiva (ainda que disfarçada) está presente em situações como essas, acho que em qualquer lugar do mundo. Vê-lo ali sem jeito para ficar sentado em nossa mesa foi suficiente para mim. Eu só pensava: "quem nós pensamos que somos?"

Na verdade, há várias maneiras de evitar que a violência atinja você. Fingir que não vê, pensar "não é comigo", lamentar mas racionalizar que "é assim no mundo todo, sempre foi assim, você sente muito mas não pode fazer nada", votar na esquerda, rezar para melhorar, se convencer de que o Governo vai melhorar as coisas e portanto, os pobres só precisam de paciência. Toda vez que você passa por alguma miséria nacional e "não vê", não nota, nem ao menos suspira, você não quer nem imaginar "como alguém pode viver assim" e segue adiante, o que acontece é que nada acontece. A violência se molda novamente ao espaço e você continua sua vida se recolhendo à sua insignificância, à sua assumida incapacidade de ver.

E de repente vem uma tragédia como a do menino arrastado e dilacerado em um assalto e fica impossível virar a cara. Para esse tipo de violência não há defesa. Nem para nós que corremos apressados sem tempo para se doar. Vcoê não precisa se filiar a um partido, uma causa, uma ong, um movimento, perder seu preciosíssimo tempo em discutir questões complexas com tantas coisas para pensar mais importantes na cabeça... mas se conseguir olhar nos olhos por um segundo apenas, quem sabe até um sorriso, já será uma enorme contribuição. A gente esquece mas de vez em quando alguém vem nos lembrar: All we need is love.


Luís Fernando Veríssimo definiu com perfeição: "A função da violência, quando ela passa de comodamente crônica a aguda, é justamente a de nos acordar do nosso sono de cúmplices"

2 comentários:

Paulo Almeida disse...

Comandante... é assim que chamo o meu pai. Você também?
Uma vez escrevi algo parecido no meu Blog. Paguei um hambúrguer para um cara na rodoviária, e quando ele viu um cadeirante de rua, foi lá e deu para o cara o que eu havia lhe dado. Ele só tinha aquilo, mas compartilhou... Já ajudei outras pessoas, mas algumas vezes sinto-me egoísta. Isso por não ajudar, por pensar que não é necessário... coisas assim. Tenho esperança de que um dia todos façam sua parte, mas é desestimulante fazer o trabalho de milhares.

Paulo Almeida disse...

Pensando bem, é mais desestimulante ainda fazer o trabalho de um governo..

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