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quarta-feira, 18 de março de 2009

Castração Química e a proposta de Marina Magessi

Por Givaldo Siqueira*


Camaradas, a idéia de punir os criminosos com um tipo qualquer de mutilação, nada tem de novo. Desde o Código de Hamurabi ("olho por olho, dente por dente"), pelo menos, que se o faz. A idéia também de que o criminoso o é, por gens, constituição (Lombroso), etc, idem. Do cortar a mão dos ladrões, do Alcorão, à lobotomia, modernamente, e à pena de morte, desde sempre, há muita experiência acumulada da bestialidade penal. A pena como vingança e mutilação, é portanto muito antiga. E sempre teve os mais variados pretextos, inclusive o da impossibilidade de recuperação daqueles definidos como psicopatas. Nos últimos tempos, seus representantes máximos foram os nazistas, e se mantém viva nos setores mais reacionários dos EEUU. E sempre houve também juristas, filósofos, políticos, publicistas e até médicos para justificar. Esse, como tantos outros, não é um campo neutro.

Em oposição a ela esteve sempre uma outra concepção, a da pena não só como punição, mas também como recuperação e reinserção. Mas sobretudo como instrumento de civilização contra a barbárie, de preservação da caminhada humanista, de nossa separação da besta Nessa concepção, a pena não tem a ver apenas com o crime, a questão primeira não é a punição do criminoso, mas como fazê-lo sem ceder à bestialização e, ao contrário, garantindo o caráter humanista da sociedade.

Em relação à aplicação da pena de castração química ou cirúrgica aos pedófilos e estupradores, a discussão, no Brasil, também não é nova. Já em 2002, o Deputado Wigberto Tartuce (PPB-DF) apresentou o Projeto de Lei nº 7.021 de 2002 fixando a pena de castração com recursos químicos para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Ainda o fez, o Senador Gerson Camata (PMDB-ES). De modo que não é original a iniciativa de nossa companheira Marina Magessi. No nosso Código Penal já houve "a capação por esmagamento", usando-se cepos, tal qual se faz ainda hoje na castração de bodes no Nordeste.

A concepção da pena como vingança e mutilação está entranhada em nossa cultura jurídica. É que o sistema penal brasileiro tem origem no modelo da Inquisição, no qual predominavam os castigos corporais e a tortura e era comum a fogueira. Foi assim até muito recentemente no nosso próprio Código Penal (vejam-se as penas admitidas, por exemplo, contra os escravos e subversivos - lembram de Tiradentes?). Essas "penas" foram usadas largamente durante a ditadura, por quase 20 anos. Com exceção da fogueira (mas já não queimaram mendigos?), até hoje, os castigos corporais e a tortura, a pena como vingança, permanecem, não só no aparelho de Estado como inclusive na opinião pública. Eram e continuam a ser corriqueiros e, para muitos, normais e desejáveis, populares. Estão amplamente arraigados até mesmo em nossa cultura. Pretende-se que "os fins justificam os meios".

No caso, por exemplo, da castração química ou cirúrgica, como no da pena de morte, há mesmo um amplo apoio popular. Por ocasião do debate ensejado pela notícia de que o psiquiatra Danilo Baltieri, do Ambulatório de Transtornos de Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC, com o consentimento dos pacientes, aplicava o método da castração química, enquete realizada pelo O Estado de São Paulo resultou em 91% a favor da castração química e em 9% contra. Quer dizer, pode dar voto! É comum a população linchar ou tentar linchar os pedófilos e estupradores, o que ocorre ainda nas prisões.

Mas deve ser esse o nosso caminho? Iremos para que companhia? É fundamental não esquecer que as pessoas de vanguarda somente o são porque não temem opor-se às opiniões muitas vezes predominantes.

Durante aquele debate - e que pode ser recuperado através da Internet -, se houve juristas que afirmaram ser legal a castração química, desde que reversível e consentida expressamente pelo paciente, nenhum a defendeu como pena. Ao contrário. E predominou amplamente a opinião de que a referida pena, imposta ou consetida, era inconstitucional. Veja o que disse, por exemplo, o Dr. José Afonso da Silva – Advogado e professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo, Para ele, além de ofender "o disposto nos incisos III e XLIX do art. 5º da Constituição", "especialmente" agredia "a dignidade da pessoa humana. A Constituição tutela a dignidade como atributo intrínseco da pessoa humana, independentemente da forma como ela se comporta, pelo que nem mesmo uma perversa conduta criminosa priva a pessoa dos direitos fundamentais que lhe são inerentes, ressalvada a incidência de penalidade constitucionalmente autorizada."

Para o professor de Direito Criminal Luiz Flávio Gomes, o controle hormonal era “uma medida nazista, cruel e medieval”. Ressaltava que “Na época de Adolf Hitler isso foi feito e há resquício disso em alguns Estados americanos" . “São penas biológicas ultrapassadíssimas e absolutamente inconstitucionais, por afetarem a dignidade humana".

A castração biológica “é um retrocesso absurdo”, que legalmente não pode ser adotado no Brasil", acreditava Antônio Everton de Souza, integrante do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e das Comissões de Direitos Humanos e de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP). Ele rejeitou o argumento do psiquiatra Danilo Baltieri, que disse aplicar a terapia num ambulatório da Faculdade de Medicina do ABC com o consentimento dos pacientes. “É uma violação, a pessoa não pode cometer algo contra ela mesma".

Mário de Oliveria Filho, Coord. da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, reiterou que a "aplicação da castração química aos condenados por crime contra a liberdade sexual encontra na Constituição Federal seu empecilho legal. A Lei Maior, assim como proíbe as penas de caráter perpétuo, também impede o tratamento degradante, cruel e humilhante. Tal castração atenta contra a dignidade humana. O Estado não pode, sob a escusa de se tratar de crime violento, agir com violência igual ou maior que aquela combatida. Seria a consumação da iatrogenia legal. A barbárie da castração química abriria a porta até para se discutir a aceitação legal e ética da aplicação da tortura em determinados casos, visando à confissão do acusado. Por outro lado, como tratamento médico, o Conselho Regional e Conselho Federal de Medicina devem se manifestar sobre o reconhecimento científico do "tratamento" - tanto o método como a eficácia, as seqüelas físicas e mentais e a ética. A sociedade deve sempre desconfiar de soluções mirabolantes em sua defesa diante da criminalidade. Mais uma vez vem alguém com a peneira para tapar o sol".

Mas a castração química por meio da administração de algum medicamento inibidor de impulsos sexuais, não fere somente a Constituição. É um método, discutível, mesmo do ponto de vista medicamentoso. Não há comprovação científica da sua eficácia. A libido permanece independentemente da produção de tosterona e da ereção peniana e pode levar à prática de crimes, incluindo a pedofilia? Os anais do crime afirmam que sim.

A castração com o Depo-Provera, como proposto pela companheira Marina Magessi, também cria um outro problema: o pedófilo, para manter-se inibido, tem que constantemente tomar as injeções. Se não o fizer, no prazo indicado, a produção de testosterona poderá subir bem acima dos níveis anteriores, Neste caso, sua libido será mais intensa. De outra parte, a aplicação do Depo-Provera pode produzir efeitos colaterais, como a depressão, diabetes, fadiga crônica, alterações na coagulação sanguínea e outros.

Acompanhando o citado Dr.José Afonso da Silva, o que se pode afirmar é que a castração cirúrgica ou química sempre destrói os órgãos reprodutores e afeta seriamente o corpo e a psique. O castrado torna-se mais agressivo e, portanto, mais perigoso. "Em qualquer hipótese, a castração deprime, destrói, aniquila, e, assim, se revela desumana, cruel e degradante e ofensiva à integridade física e moral do castrado, agressiva à dignidade da pessoa humana, com sua conotação medieval de olho por olho e dente por dente." Acrescento que faz ainda muito mais mal à sociedade, no seu conjunto, degradando-a.

Não, esse não é o nosso caminho e devemos estar atentos. Em virtude de muitos fatores, inclusive pela banalização da violência e perda de valores, a pena como vingança e a defesa de métodos punitivos bárbaros, recrudesceram.

Mário de Oliveira Filho chamou a atenção para três fatores. 1) A ação e a teoria do governo Bush em relação à "guerra contra o terrorismo". Guantânamo, as torturas nas prisões iraquianas e o "Patriot Act", são exemplos. Quaisquer atos contra seres humanos eram justificáveis "para impedir que milhares de inocentes morressem". 2) Nesse recrudescimento da pena como vingança e como método para inflingir tortura, mutiliação e dor aos criminosos tem também seu peso a pedofilia, desde 2000, após o escândalo globalizado pela denúncia de religiosos da Cura de Boston. 3) A atuação das redes de pedofilia na Internet.

Por último, uma citação: "sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária". No terreno da sexualidade humana ainda não surgiram teorias mais revolucionárias que as de Freud. Não vamos dar uma de Lula, a do orgulho do não ter estudado ou do não conhecer...



* Givaldo Siqueira é dirigente do PPS.

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