O que faz alguém gostar ou não de política? Conversando hoje sobre o tema com uma nova amiga e colega de profissão (que vem sofrendo diversas pressões inerentes à atividade de assessoramento de imprensa à políticos), pensava em como é difícil fazer as pessoas compreenderem a diferença de se ter um ideal, de fazer política por esse ideal (que, no meu caso, compreende um conjunto enorme de idéias, claro) e o exercício de participar da política com o único propósito de fortalecer um político para depois se beneficiar da estrutura construída por ele. Por outro lado, refleti, esse raciocínio não é muito diferente do perfil de militância que temos hoje em todos os partidos, não importando a cor da bandeira. É uma distorção óbvia do que tínhamos antes, mas é inegável. Só não vê quem não quer.
De um lado, nós que nascemos com essa "sina", nos inspiramos nas lutas de antecessores diversos, desde Zumbi à Tiradentes, Olga Benário, Antonio Conselheiro, Mariguella... uma indescritível energia (muitas vezes utópica, eu sei) nos impulsiona a acreditar que podemos, aos poucos, mudar a ordem das coisas, do capital que torna 30% da população mundial em afortunados (incluindo nós, é, eu e você) e o restante transita entre as faixas da miséria e da pobreza. Discípulos que somos de Sócrates, moldados pelo gosto à política, negamos a velha ordem. É uma convicção indelével e eu acredito piamente que se nasce assim, incapaz de ser indiferente. Até por isso, milito em partido mas nunca fiz propaganda de filiação para as pessoas que me conhecem. Aliás, ainda acho que vamos encontrar uma alternativa democrática mais soberana, justa e participativa (sim, sou fã do Comparato e também tento imaginar como seria uma sociedade sem Estado).
De outro lado, num paradoxo entre o discurso e a prática, há pessoas que se entregam com a mesma paixão à construção de um projeto individualista, em busca de circunstâncias que lhe sejam favoráveis ou a seu grupo. O resultado é o abandono total, por alguns políticos, de todos os ideais que existiam no início de sua história, o abandono das utopias (como bem ilustra Eduardo Galeano) e a lenta e total entrega às seduções do poder, se ocupando inclusive dos espaços públicos de forma personalística. E o melhor, encontram terreno fértil também em função do desânimo generalizado dos eleitores que, cansados da dureza diária na vida moderna, não têm tempo ou ânimo para observar o que fazem seus "representantes".
No entanto, acredito que erradicar a pobreza e a miséria e lutar pela redução das desigualdades, ou seja, sob a bandeira socialista, são tarefas imprescindíveis para a construção de um mundo mais justo. E isto, vide a crise econômica mundial, dispensa ideologias, é hoje uma necessidade para sobrevivência da raça humana. Quem imaginaria ver americanos de classe média dormindo em barracas, espalhados por acampamentos à perder de vista? Sim, é preciso fazer a crítica ao modelo econômico que perdura desde a ditadura, à concentração de renda, ao barateamento da mão-de-obra, à verticalização do processo produtivo (apregoada por Henry Ford), ao desenvolvimentismo que achata camadas da sociedade, incapazes de se encaixar em qualquer fatia do modelo, tornando-se o que Marx descrevia como lupen.
A questão é: qual o limite entre o cinismo e o destempero? Diante dos últimos acontecimentos (farra das passagens e bate-boca no STF), pensei em como é difícil também, encontrar o tom certo para defesa desses mesmos ideais, sem ultrapassar a linha do equilíbrio que precisa haver nas relações humanas. Não importa de qual camada isso venha, o fato é que nossa condição humana, já é precedente para os excessos. Sim, existe o "jogo de cintura" cínico que se utiliza de argumentos estéticos para suplantar a ética. Mas também existe, nas palavras de Frei Betto, o militante que "sonha em construir o mundo novo adotando comportamentos típicos do homem velho: a ira, a inveja, a sede de vingança, o autoritarismo". E, em outras esferas, onde se exige um mínimo de compostura, a ferramenta utilizada com frequência nas disputas por espaços de poder, é a vaidade.
Foi Tomás de Aquino quem disse que "uma revolução é justificável quando fecham-se todas as vias institucionais e manter a tirania é mais insuportável que o risco de a enfrentar por derrubada". Infelizmente (porque talvez essa fosse mesmo a solução), esse não é o momento para isso. Vivemos a era da comunicação (mais que informação) e neste momento, o que mais vale é a própria comunicação, o contato, além de qualquer bem material: o líder hoje deve ser a expressão de uma cultura. Por isso, acho que estamos mesmo carentes de líderes...
O bate-boca, segundo O Estadão, foi o mais grave reflexo da insatisfação que corre solta nos corredores do STF e do CNJ onde integrantes usam adjetivos como "brucutu", "exibido", "grosseiro" para se referir à Gilmar Mendes. Numa casa parlamentarista, um ministro age com postura presidencialista, como "estrela", daí o clima de descontentamento que deixou o tribunal suscetível à críticas de todos os lados. Mais do que isso, tenho uma pessoa bem próxima na família, que já esteve trabalhando em Diamantino onde o referido ministro, de fato, tem capangas (juntamente com seu irmão, pistoleiro famoso na região) e onde, de fato, não existe lei. Mas o ministro Joaquim Barbosa, alçado ao posto de pop star pela mídia (até, pasmem, pelo JN que fez uma edição sem cortes), também perdeu o limite saindo do campo das idéias e partindo para o campo pessoal. Nas relações políticas que estabelecemos todos os dias com as pessoas, até na hora do cafezinho, é importante diferenciar as duas coisas (eu, confesso, bem sei como isso é difícil). Para dois ministros da mais alta Côrte do país, isso é obrigação. O ministro Joaquim já cometeu excessos em outros momentos, como quando chamou o ministro Eros Grau de "velho caquético" e foi alvo da mídia com o boletim de ocorrência de sua ex-mulher que o acusou de agressão física. Sinceramente não acho que, dizer o que disse, da forma que disse, é a melhor maneira de resolver a questão. O tom vaidoso em debates políticos em geral, transforma-se em proselitismo em causa própria, onde um lado sempre quer ser mais puro e destituído de pecados que o outro. Cito apenas, com elogio, a postura de Gabeira que, na farra das passagens, abriu mão do discurso para apenas admitir que errou. Simples, objetivo e ético.
Com os exemplos que temos, não é difícil entender porque a população não quer saber de política. A própria Soninha no quadro "Fala na Cara" do CQC admite, a partir de sua própria experiência como vereadora, que 70% funciona na mesma lógica de favorecimentos. Ou seja, a corrupção já é mesmo institucionalizada e generalizada. Daí, sobram os que fazem parte desse ou daquele grupo e que, com êxito, passam a ocupar espaços de trabalho em cargos que servem não à instituição em que trabalham e, muito menos, ao cidadão, mas sim ao interesse da correlação de forças de que fazem parte. Neste contexto, muitos órgãos públicos funcionam como meras extensões dos escritórios políticos e tornam-se estrutura para a continuidade do projeto eleitoreiro. Dessa forma, ou se odeia a política com todas as forças (e, portanto, torna-se vítima das decisões que vêm dela), ou se faz política para obter benesses e vantagens pessoais. É a lógica dos "tempos modernos". Na outra ponta, os que fazem política por ideal, são os "ultrapassados", os que "não avançaram no tempo". Aliás, sempre que penso nisso, me sinto recém-saída do Jurassic Park...
Acho que gostar de política é gostar de participar, de estar presente, de ser parte da história, como protagonista e não coadjuvante dela. Eu abraço as idéias em que acredito todos os dias, em cada coisa que faço. Posso abrir mão de algumas ao longo do tempo, após reflexão, amadurecimento. Até porque é possível mudar de opinião mantendo um eixo de coerência. E, mais, eu faço questão de ser co-responsável pelo que me acontece, seja bom ou ruim, eu não sou vítima, eu sou parte integrante do processo. Se eu eleger um bandido e só notar isso depois, posso não permitir isso novamente. Enquanto esse for o modelo que tivermos, democrático representativo, é necessário preservar as instituições que garantem que ele continue funcionando porque muitos morreram nesse processo de alcançar o que temos agora. Essa epidêmica alienação nunca fez parte da minha vida, mas sou, infelizmente, atingida por ela. Seja pelos indiferentes, seja pelos oportunistas. Como tais coisas se enraizam em nossa cultura, a resistência é diária e a posição é de desvantagem.
Mas, queria dizer pra essa pessoa que conheço há muito tempo virtualmente, mas só hoje conheci pessoalmente, que me anima muito saber que mesmo alguém que não possui formação alguma em qualquer cânone, é capaz de escolher, voluntariamente o lado mais ético e resistir. E, mesmo trabalhando em uma estrutura em que lida, diariamente, com forças que tentam cooptar sua dignidade em prol de projetos que nada têm a ver com seus princípios, consegue provar que a ética prescinde qualquer valor. Sem saber, ela faz política todos os dias. A boa política, claro.
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Juliana Medeiros é jornalista e atua em comunicação institucional pública.
De um lado, nós que nascemos com essa "sina", nos inspiramos nas lutas de antecessores diversos, desde Zumbi à Tiradentes, Olga Benário, Antonio Conselheiro, Mariguella... uma indescritível energia (muitas vezes utópica, eu sei) nos impulsiona a acreditar que podemos, aos poucos, mudar a ordem das coisas, do capital que torna 30% da população mundial em afortunados (incluindo nós, é, eu e você) e o restante transita entre as faixas da miséria e da pobreza. Discípulos que somos de Sócrates, moldados pelo gosto à política, negamos a velha ordem. É uma convicção indelével e eu acredito piamente que se nasce assim, incapaz de ser indiferente. Até por isso, milito em partido mas nunca fiz propaganda de filiação para as pessoas que me conhecem. Aliás, ainda acho que vamos encontrar uma alternativa democrática mais soberana, justa e participativa (sim, sou fã do Comparato e também tento imaginar como seria uma sociedade sem Estado).
De outro lado, num paradoxo entre o discurso e a prática, há pessoas que se entregam com a mesma paixão à construção de um projeto individualista, em busca de circunstâncias que lhe sejam favoráveis ou a seu grupo. O resultado é o abandono total, por alguns políticos, de todos os ideais que existiam no início de sua história, o abandono das utopias (como bem ilustra Eduardo Galeano) e a lenta e total entrega às seduções do poder, se ocupando inclusive dos espaços públicos de forma personalística. E o melhor, encontram terreno fértil também em função do desânimo generalizado dos eleitores que, cansados da dureza diária na vida moderna, não têm tempo ou ânimo para observar o que fazem seus "representantes".
No entanto, acredito que erradicar a pobreza e a miséria e lutar pela redução das desigualdades, ou seja, sob a bandeira socialista, são tarefas imprescindíveis para a construção de um mundo mais justo. E isto, vide a crise econômica mundial, dispensa ideologias, é hoje uma necessidade para sobrevivência da raça humana. Quem imaginaria ver americanos de classe média dormindo em barracas, espalhados por acampamentos à perder de vista? Sim, é preciso fazer a crítica ao modelo econômico que perdura desde a ditadura, à concentração de renda, ao barateamento da mão-de-obra, à verticalização do processo produtivo (apregoada por Henry Ford), ao desenvolvimentismo que achata camadas da sociedade, incapazes de se encaixar em qualquer fatia do modelo, tornando-se o que Marx descrevia como lupen.
A questão é: qual o limite entre o cinismo e o destempero? Diante dos últimos acontecimentos (farra das passagens e bate-boca no STF), pensei em como é difícil também, encontrar o tom certo para defesa desses mesmos ideais, sem ultrapassar a linha do equilíbrio que precisa haver nas relações humanas. Não importa de qual camada isso venha, o fato é que nossa condição humana, já é precedente para os excessos. Sim, existe o "jogo de cintura" cínico que se utiliza de argumentos estéticos para suplantar a ética. Mas também existe, nas palavras de Frei Betto, o militante que "sonha em construir o mundo novo adotando comportamentos típicos do homem velho: a ira, a inveja, a sede de vingança, o autoritarismo". E, em outras esferas, onde se exige um mínimo de compostura, a ferramenta utilizada com frequência nas disputas por espaços de poder, é a vaidade.
Foi Tomás de Aquino quem disse que "uma revolução é justificável quando fecham-se todas as vias institucionais e manter a tirania é mais insuportável que o risco de a enfrentar por derrubada". Infelizmente (porque talvez essa fosse mesmo a solução), esse não é o momento para isso. Vivemos a era da comunicação (mais que informação) e neste momento, o que mais vale é a própria comunicação, o contato, além de qualquer bem material: o líder hoje deve ser a expressão de uma cultura. Por isso, acho que estamos mesmo carentes de líderes...
O bate-boca, segundo O Estadão, foi o mais grave reflexo da insatisfação que corre solta nos corredores do STF e do CNJ onde integrantes usam adjetivos como "brucutu", "exibido", "grosseiro" para se referir à Gilmar Mendes. Numa casa parlamentarista, um ministro age com postura presidencialista, como "estrela", daí o clima de descontentamento que deixou o tribunal suscetível à críticas de todos os lados. Mais do que isso, tenho uma pessoa bem próxima na família, que já esteve trabalhando em Diamantino onde o referido ministro, de fato, tem capangas (juntamente com seu irmão, pistoleiro famoso na região) e onde, de fato, não existe lei. Mas o ministro Joaquim Barbosa, alçado ao posto de pop star pela mídia (até, pasmem, pelo JN que fez uma edição sem cortes), também perdeu o limite saindo do campo das idéias e partindo para o campo pessoal. Nas relações políticas que estabelecemos todos os dias com as pessoas, até na hora do cafezinho, é importante diferenciar as duas coisas (eu, confesso, bem sei como isso é difícil). Para dois ministros da mais alta Côrte do país, isso é obrigação. O ministro Joaquim já cometeu excessos em outros momentos, como quando chamou o ministro Eros Grau de "velho caquético" e foi alvo da mídia com o boletim de ocorrência de sua ex-mulher que o acusou de agressão física. Sinceramente não acho que, dizer o que disse, da forma que disse, é a melhor maneira de resolver a questão. O tom vaidoso em debates políticos em geral, transforma-se em proselitismo em causa própria, onde um lado sempre quer ser mais puro e destituído de pecados que o outro. Cito apenas, com elogio, a postura de Gabeira que, na farra das passagens, abriu mão do discurso para apenas admitir que errou. Simples, objetivo e ético.
Com os exemplos que temos, não é difícil entender porque a população não quer saber de política. A própria Soninha no quadro "Fala na Cara" do CQC admite, a partir de sua própria experiência como vereadora, que 70% funciona na mesma lógica de favorecimentos. Ou seja, a corrupção já é mesmo institucionalizada e generalizada. Daí, sobram os que fazem parte desse ou daquele grupo e que, com êxito, passam a ocupar espaços de trabalho em cargos que servem não à instituição em que trabalham e, muito menos, ao cidadão, mas sim ao interesse da correlação de forças de que fazem parte. Neste contexto, muitos órgãos públicos funcionam como meras extensões dos escritórios políticos e tornam-se estrutura para a continuidade do projeto eleitoreiro. Dessa forma, ou se odeia a política com todas as forças (e, portanto, torna-se vítima das decisões que vêm dela), ou se faz política para obter benesses e vantagens pessoais. É a lógica dos "tempos modernos". Na outra ponta, os que fazem política por ideal, são os "ultrapassados", os que "não avançaram no tempo". Aliás, sempre que penso nisso, me sinto recém-saída do Jurassic Park...
Acho que gostar de política é gostar de participar, de estar presente, de ser parte da história, como protagonista e não coadjuvante dela. Eu abraço as idéias em que acredito todos os dias, em cada coisa que faço. Posso abrir mão de algumas ao longo do tempo, após reflexão, amadurecimento. Até porque é possível mudar de opinião mantendo um eixo de coerência. E, mais, eu faço questão de ser co-responsável pelo que me acontece, seja bom ou ruim, eu não sou vítima, eu sou parte integrante do processo. Se eu eleger um bandido e só notar isso depois, posso não permitir isso novamente. Enquanto esse for o modelo que tivermos, democrático representativo, é necessário preservar as instituições que garantem que ele continue funcionando porque muitos morreram nesse processo de alcançar o que temos agora. Essa epidêmica alienação nunca fez parte da minha vida, mas sou, infelizmente, atingida por ela. Seja pelos indiferentes, seja pelos oportunistas. Como tais coisas se enraizam em nossa cultura, a resistência é diária e a posição é de desvantagem.
Mas, queria dizer pra essa pessoa que conheço há muito tempo virtualmente, mas só hoje conheci pessoalmente, que me anima muito saber que mesmo alguém que não possui formação alguma em qualquer cânone, é capaz de escolher, voluntariamente o lado mais ético e resistir. E, mesmo trabalhando em uma estrutura em que lida, diariamente, com forças que tentam cooptar sua dignidade em prol de projetos que nada têm a ver com seus princípios, consegue provar que a ética prescinde qualquer valor. Sem saber, ela faz política todos os dias. A boa política, claro.
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Juliana Medeiros é jornalista e atua em comunicação institucional pública.
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