NÃO QUERO..." "Para, tá doendo, tio." "De novo, não, por favor, pai..." Quantos "nãos" sussurrados em meio a lágrimas serão precisos para fazer parar quem abusa de uma criança -que, na maior parte das vezes, é parte da própria família? Faço-me essa pergunta a cada notícia chocante e tenebrosa que leio ou vejo nos jornais. Digo "sussurrados" porque, se a criança gritar, apanha ou tem a boca cruelmente tapada enquanto o abuso acontece. E depois ainda as ameaças... Eu já não consigo mais calar a angústia que isso me causa. Não porque o abuso sexual de crianças e a pedofilia -tão em alta no vocabulário atual- sejam coisas novas, fruto de nosso tempo, mas porque estão entre as formas mais perversas, silenciosas e invisíveis de violência. Estudos apontam que em 90% dos casos o abusador é parente -pai, avô, primo e até mãe- ou amigo próximo da família. E que um terço dos abusos é praticado por quem foi abusado na infância. O efeito é tão devastador na formação da personalidade daquela pessoa que vira uma espécie de padrão que dá prazer quando se repete. Mas e se você percebesse que seu irmão está abusando da sua sobrinha de cinco anos de idade? O que faria? É nesse ponto de invisibilidade que quero tocar. Como salvar uma criança de alguém que é predominantemente amado, admirado e idolatrado e contar que o papai fazer xixi nela (é a descrição inocente que costumam fazer do abuso) não é algo natural? Ou o que fazer quando a criança, já pré-adolescente, vê na TV e compreende que o que seu pai ou tio fazem com ela é um crime horrível? Onde e a quem ela pedirá ajuda? É por isso que urge criarmos redes de apoio para permitir que as crianças não calem mais a dor que sentem e não se sintam culpadas pelo ocorrido, acreditando que são ruins e diferentes das outras crianças. De acordo com o dicionário, "rede" é um entrelaçado de diversos fios feito de material resistente e é usada para aparar corpos em queda. Metáfora muito apropriada para esses dramas. Também no dicionário, por derivação, falamos de redes como o conjunto de pessoas que mantêm contato entre si, organizadas para um objetivo comum. Eu tenho uma boa experiência com questões de invisibilidade. Por muito tempo, os brasileiros com algum tipo de deficiência foram tratados pela sociedade como um "problema" que não lhe dizia respeito. Uma ação de caridade -e não se fala mais disso. Mas somos um grupo grande: 14,5% da população (Censo 2000, IBGE), e estamos conseguindo modificar essa situação de invisibilidade porque criamos redes. Redes de informação, de garantia de direitos, de promoção e fortalecimento da autoestima. A exemplo desse avanço com nosso protagonismo e garantia de direitos, acredito que a melhor forma de combater a violência e o abuso sexual é por meio da ampliação das redes com diversos atores: Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, iniciativa privada, assistentes sociais, psicólogos, educadores, religiosos, amigos, vizinhos... e você. Estamos vivendo um momento crucial, em que a sociedade está mais alerta, e que não pode ser desperdiçado. Dos jornais aos órgãos públicos, estamos falando do problema e, assim, a mobilização para buscar soluções acontece. Quando não é dito, parece que não existe... E eu ainda nem entrei na questão da exploração sexual por redes -estas, formadas por pessoas que agem em conjunto em ações clandestinas- e na rede virtual, cada vez mais poderosa e alcançando mais pessoas. Serão eles mais organizados do que nós? Recuso-me a acreditar nisso. Temos o disque-denúncia 100, válido para todo o Brasil. Um pacto com empresas de transporte criou uma campanha que fez caminhoneiros, que antes abusavam de adolescentes em redes de prostituição, agirem contra esse tipo exploração. Em novembro, o Brasil sediou o 3º Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Uma CPI aconteceu no Senado em 2004 tratando de prostituição infantil. Agora, está em andamento outra CPI no Senado, sobre pedofilia na internet, e na Assembleia e na Câmara de São Paulo, mais outras duas CPIs apuraram casos de pedofilia e abuso sexual. Isso não significa que devamos ficar mais tranquilos. Há muito a ser feito, e o combate é permanente. Como bem afirmou uma jovem em seu depoimento no congresso mundial: "Para haver futuro, é necessário existir o presente. Nos ajudem, então, porque nós somos o presente". Não podemos ignorar seu apelo. CONHEÇA TAMBÉM: o Projeto de Lei 301/2009 de autoria da vereadora Mara Gabrilli que institui uma rede hospitalar de atendimento especial às crianças vítimas de pedofilia e abuso sexual.Clique aqui.
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