"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Um exemplo de superação de vida

Do Diário do Amapá




Alguns já tinham conhecimento, mas até que a tradicional revista “Claudia” deste mês chegasse às bancas, a aguerrida deputada federal Fátima Pelaes (PMDB – AP), hoje no seu quarto mandato parlamentar, jamais havia assumido, de público, o primeiro – e mais marcante– episódio da sua vida.
Inicialmente, por entender que o fato, além de ser uma história pessoal, envolvia outras pessoas. Mas com a sanção da lei 11.942/2009, de sua autoria, que garante atendimento aos filhos das detentas no próprio presídio, e procurada pela mídia nacional, a deputada avaliou que seria a hora de abrir seu coração e tornar pública a sua história.
A mãe de Fátima, Marcionila Pelaes, na época com cinco filhas, cometeu um crime passional ao flagrar o marido na cama com a vizinha. Depois do desatino, jogou querosene sobre o próprio corpo e só não riscou o fósforo e pôs fim à própria vida porque a filha mais velha, então com 14 anos, impediu o gesto tresloucado. Marcionila foi julgada, condenada e presa.
Atrás das grades, foi abusada sexualmente e engravidou de Fátima, que nasceu dentro da penitenciária e lá ficou até três anos de idade, quando a mãe recebeu indulto de Natal. Infância difícil, comida escassa (“pão com café de manhã e mingau de açaí à noite”), Fátima sentiu a navalha na carne e demorou a elaborar. Inicialmente, porque a situação a constrangia e o preconceito a perseguia e, depois, precisou lidar com a raiva por não ter pai. Mas, como ela mesma diz (tomando emprestado verso de Carlos Drummond de Andrade), “a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”. Fátima optou por ser feliz.
 “A vida”, diz Fátima Pelaes, “não é o que acontece com a gente, mas o que a gente faz com o que nos acontece”. E ela começou a fazer. Estudou, formou-se em Sociologia, atuou em movimentos sociais, dirigiu a extinta LBA, casou-se, tem um filho, está no quarto mandato em Brasília e não pretende parar tão cedo.
Mais do que um pungente relato de dor, de falta, de perda e de ausência, a entrevista que se segue é um relato de superação, de sobrevivência e uma inesquecível lição de vida. “A dor nos ensina”, resume a deputada.
 - Por que a senhora demorou tantos anos para tornar pública essa história?
- Não é fácil tirar os fantasmas do armário e exibi-los às visitas. Muitas vezes, é uma dor tão doída que não dá para a gente verbalizar. Ser filha de ex-detenta, ter pai desconhecido, ser fruto de uma relação que não foi propriamente amorosa não é um passado fácil de ser relatado. A gente precisa de tempo, de maturidade, de sabedoria para entender que a vida é repleta de mistérios e surpresas que fogem à nossa compreensão. Mas tudo se dá no tempo do senhor. Lembra a cigarra, que leva tantos anos para se mostrar.
- De cigarras o que todo mundo sabe é que cantam enlouquecedoramente, enquanto as formigas trabalham...
- Verdade. Todos se lembram da fábula de La Fontaine. Mas poucos sabem que a cigarra tem uma gestação de 17 anos, embaixo da terra, para nascer e viver um mês. Trinta dias e já estão mortas... As formiguinhas operárias vivem, em média, sete anos, mas, em compensação, não param um só dia para descansar... E não é fascinante a lagarta, que se transforma na leve e colorida borboleta? A vida de casulo, assim como os 17 anos de gestação das cigarras, não pode ser antecipada. Faz parte do processo.
- A senhora quer dizer que os anos de silêncio sobre esse começo de vida triste foram uma espécie de casulo?
- Sob determinado aspecto, sim. Eu não queria posar de vítima nem tampouco ser acusada de fazer proselitismo sentimental para fins políticos. Talvez, por isso, eu tenha sido cigarra, embaixo da terra tantos anos. Tenha sofrido no casulo e procurei ser formiga, trabalhando dia e noite, sem parar. Eu queria superar, ir além, ser pró-ativa, me engajar em causas sociais, contribuir, transformar.
 - E conseguiu, não foi, deputada?
- Eu consegui provar que de um limão a gente pode fazer uma limonada, adoçar e dividir com o outro. A vida, afinal, é o que a gente faz dela.
- Mas não temos controle sobre tudo o que nos acontece...
- O segredo não é o que acontece com a gente, mas o que a gente faz com o que nos acontece.
- Então, além de bom senso, também é uma questão de sorte?
- A única certeza que eu tenho a respeito da sorte é que ela muda... E que a gente precisa ir em frente, perseverar, não desistir. Sempre há a possibilidade de tropeçar em algo maravilhoso ali na frente. Mas nunca vi ninguém que tivesse tropeçado em algo enquanto estava sentado... Eu não acho que sorte é um presente que cai no colo enquanto você está deitado e inerte. A sorte é uma combinação de trabalho, oportunidade, foco e circunstância.
- Foi essa combinação que a levou à vida pública?
- Eu precisava me engajar em determinadas lutas para  contribuir na superação dos problemas daqueles que, assim como eu, ainda vivem inúmeras dificuldades no seu cotidiano. Aliás, essa história de superação não é minha, é a lição que aprendi com a minha mãe, que a despeito do desatino cometido, pelo qual foi julgada e apenada, teve forças para enfrentar o fortíssimo preconceito e dar uma vida digna às filhas. Eu a amava verdadeiramente. Ela ensinou a todas nós que temos o direito de sonhar e o dever de correr atrás dos nossos sonhos. Minha mãe costumava dizer: “Dois homens olham através das grades da prisão: um vê a lama, o outro vê as estrelas.” Embora fosse analfabeta, minha mãe gostava de repetir Santo Agostinho. Vindo dela, a sentença parecia uma confissão. Mais do que isso: uma filosofia de vida.
- No seu caso, a política foi sorte, sonho ou destino?
- Sinceramente, acho que a política é uma missão, que deve e precisa ser cumprida. Com seriedade e muito amor. Se for presente, é maior do que eu mereço. Mas eu procuro, todos os dias, trabalhar tal uma formiguinha, honrar a confiança das pessoas e os sonhos nos quais acredito. Em 1992, relatei a CPI sobre o extermínio de crianças e adolescentes. Depois dela, obtivemos a garantia legal para que policiais que matassem jovens passassem a ser julgados pela Justiça como qualquer outro réu (e não na Justiça Militar, como era até então). E, o principal: conseguimos tirar das páginas policiais (ou seja, o assassinato de crianças e adolescentes), o que passou a ganhar o espaço das políticas públicas. Em 2001 e 2002, presidi a CPI que investigou a mortalidade materna no país e criei a lei que estendeu a licença-maternidade para a mãe adotiva. Neste ano de 2009 consegui uma grande vitória: em maio virou lei projeto de minha autoria, determinando que os presídios tenham um berçário decente para amamentação e uma creche para que os filhos permaneçam com as mães.  
- Mas essa lei não é polêmica?  É justo confinar crianças em celas?
- Você me pergunta se é justo. Veja bem. Sabe qual é a realidade carcerária do Brasil hoje? Uma vergonha, né? Superlotação, corrupção... Para piorar um quadro, que já é muito ruim, no Brasil não foram construídas penitenciárias femininas. Elas foram adaptadas, e mal adaptadas, para as mulheres. Por outro lado, o Estado permite que detentos recebam visitas íntimas. Qual é a conseqüência natural de intimidade entre casais? Falo de natural no sentido lato da palavra: a gestação é a conseqüência da natureza para o sexo. Ora, em pleno Século XXI, temos crianças “morando” em minúsculas celas e convivendo com várias detentas. O Estado não pode fazer de conta que não vê essas crianças. Então, eu devolvo a pergunta: é justo isso? O que fazer com as mulheres apenadas, hoje com o crescimento de 30%, que não têm com quem deixar seus bebês ou engravidam na prisão? Isso é justo para com os bebês? Não existe nada melhor do que o amor de uma mãe e a possibilidade de viver ao lado dela. O Estado deve garantir vida digna para todos, e para  uma criança pode fazer toda diferença.
- Tudo a ver com a sua história pessoal...
- É verdade. Embora esse pedido tenha sido uma reivindicação do movimento de mulheres do Brasil, Deus me deu a oportunidade de apresentá-lo. Política é uma atividade que a gente só deve conjugar no coletivo e para o coletivo. Mas entendo que a aprovação desse projeto permitiu que eu retribuísse à vida o que a vida fez por mim. Einstein dizia que “existem apenas duas maneiras de ver a vida. Uma é pensar que não existem milagres e a outra é pensar que tudo é um milagre”. Talvez fosse essa parte da engrenagem que faltava para eu abrir o coração e contar tudo o que vivi. A vida é um milagre. E agradeço a Deus por esse milagre.  A felicidade vem da maneira como, depois da adversidade, da tragédia, do fracasso, do preconceito, da vergonha, da catástrofe, damos a volta por cima. Eu, hoje mais do que ontem, tenho certeza de que escolhi ser feliz. Tomara que a confissão da minha dor e a minha história de superação possam servir de estímulo àqueles que sofrem neste momento. Meu recado é: não desistam. FÉ E ESPERANÇA!!!!!!

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