Por José Gil
O jornalista Pepe Escobar escreveu no Asia Times Online uma interessante análise sobre como a al-Qaeda chegou ao poder em Trípoli. Ele identificou o nome do líder dos jihadistas da al-Qaeda na Líbia: Abdelhakim Belhaj.
A história de como um comandante da al-Qaeda acabou por converter-se no principal comandante militar líbio na cidade de Trípoli ainda em guerra, “põe por terra – mais uma vez – a selva de espelhos que se conhece como “guerra ao terror”, além de abalar profundamente toda a propaganda de uma “intervenção humanitária” tão cuidadosamente inventada para encobrir a intervenção militar, pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na Líbia.
A fortaleza de Bab-al-Aziziyah, onde vivia Muammar Gaddafi foi invadida e conquistada, semana passada, quase exclusivamente por homens de Belhaj – que constituíam a linha de frente de uma milícia de berberes das montanhas do sudoeste de Trípoli. Essa milícia é a chamada hoje “Brigada de Trípoli”, que recebeu treinamento secreto, durante dois meses, de Forças Especiais dos EUA. Ao longo de seis meses de guerra civil/tribal, essa seria a milícia mais efetiva dos ‘rebeldes’.
Abdelhakim Belhaj, também conhecido como Abu Abdallah al-Sadek, é jihadista líbio. Nascido em maio de 1966, aperfeiçoou seus saberes com osmujahideen da Jihad antissoviética dos anos 1980s no Afeganistão.
É fundador do Grupo de Combate Islâmico Líbio [ing. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)] do qual é o principal comandante – com Khaled Chrif e Sami Saadi como assessores e representantes. Depois que os Talibã assumiram o poder em Kabul em 1996, o LIFG criaram dois campos de treinamento no Afeganistão; um deles, 30 km ao norte de Kabul – comandado por Abu Yahya – exclusivo para jihadistas ligados à al-Qaeda.
Depois do 11/9, Belhaj mudou-se para o Paquistão e para o Iraque, onde esteve em contato com ninguém menos que o ultra linha-dura Abu Musab al-Zarqawi – tudo isso antes que a al-Qaeda no Iraque se declarasse a serviço de Osama bin Laden e Ayman al-Zawahiri e super ultra turbinasse suas práticas nefandas.
No Iraque, os líbios formavam o maior contingente de jihadistas sunitas estrangeiros, perdendo só para os sauditas. Além disso, os jihadistas líbios sempre foram superstars no mais alto escalão da Al-Qaeda “histórica” – de Abu Faraj al-Libi (comandante militar até ser preso em 2005, e hoje um dos 16 detentos “de mais alto valor” no centro de detenção dos EUA em Guantánamo), a Abu al-Laith al-Libi (outro alto comandante militar, morto no Paquistão no início de 2008).
O Grupo de Combate Islâmico Líbio [ing. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)] está nos radares da Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA desde o 11/9. Em 2003, Belhaj foi afinal preso na Malásia – e transferido pela via das “entregas especiais”, para uma prisão secreta em Bangkok onde foi devidamente torturado (aliás, a tortura é uma praticado governo norte-americano que a Anistia Internacional e o Tribunal de Haia ignoram vergonhosamente).
Em 2004, os norte-americanos decidiram mandá-lo, como presente, para a inteligência da Líbia – até que foi libertado pelo governo Gaddafi, em março de 2010, com outros 211 “terroristas”, em golpe de propaganda divulgado com muito alarde. (...)
Interessa observar que isso durou até 2007, quando o número 2 da al-Qaeda, Zawahiri, anunciou oficialmente a fusão do Grupo de Combate Islâmico Líbio [ing. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)] com a al-Qaeda no Mahgreb Islâmico [ing. Al-Qaeda in the Islamic Mahgreb (AQIM)]. Desde então, para todas as finalidades práticas, LIFG/AQIM passaram a ser um e o mesmo grupo, do qual Belhaj era/é o principal comandante e emir.
Em 2007, o Grupo de Combate Islâmico Líbio [ing. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)] estava convocando uma Jihad contra Gaddafi, mas também contra os EUA e sortido grupo de “infiéis” ocidentais.
Rode a fita adiante, até fevereiro passado. É quando, afinal livre da prisão, Belhaj resolveu voltar ao modo Jihad e alinhar seus soldados com o ‘levante’ de ‘rebeldes’ que começava a ser plantado na Cirenaica.
Todas as agências de inteligência nos EUA, Europa e em todo o mundo árabe sabem de onde brotou Belhaj. Mesmo que não soubessem, o próprio Belhaj já disse na Líbia que o único interesse, seu e de suas milícias, é implantar a lei da sharia.
Não há, nem parecido, nisso tudo, qualquer processo “pró-democracia” – nem que se tente a mais complexa ginástica imaginativa. Mas, ao mesmo tempo, força de tal importância não seria apeado da guerra da OTAN só porque não gosta muito de “infiéis”.
O assassinato no final de julho, do comandante dos ‘rebeldes’ general Abdel Fattah Younis – foi morto pelos próprios ‘rebeldes’ – parece apontar diretamente para Belhaj ou, no mínimo, para gente próxima dele.
É importante saber que Younis – antes de desertar do governo Gaddafi – foi responsável, no governo Líbio, pelo combate feroz que as forças especiais líbias moveram contra o Grupo de Combate Islâmico Líbio [ing. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG) na Cirenaica, de 1990 a 1995.
O Conselho Nacional de Transição, segundo um de seus membros, Ali Tarhouni, teria deixado ‘vazar’ que Younis foi moto por uma nebulosa brigada, de nome Obaida ibn Jarrah (um dos companheiros do Profeta Maomé). Agora, a tal brigada parece ter-se dissolvido no ar.
Cale o bico, ou arranco sua cabeça
Não pode ser acaso, que todos os principais comandantes militares ‘rebeldes’ sejam membros do Grupo de Combate Islâmico Líbio [ing. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG), de Belhaj em Trípoli, a um Ismael as-Salabi em Benghazi e certo Abdelhakim al-Assadi em Derna, para nem mencionar figura importantíssima, Ali Salabi, com assento no núcleo do Conselho Nacional de Transição. Saladi foi quem negociou com Saif al-Islam Gaddafi o “fim” da Jihad do Grupo de Combate Islâmico Líbio contra o regime Gaddafi, com o que garantiu para si futuro brilhantíssimo entre esses ressuscitados “combatentes da liberdade”.
Ninguém precisará de bola de cristal para antever consequências. O grupo unificado LIFG/AQIM – já tendo alcançado poder militar e assentado entre os “vencedores” – nem remotamente desistirá do poder, só para satisfazer os anseios da OTAN.
Simultaneamente, entre a névoa da guerra, ainda não se sabe se Gaddafi planeja atrair a Brigada de Trípoli para um cenário de guerrilha urbana; ou se arrastará atrás de si as milícias ‘rebeldes’, atraindo-as para o coração dos territórios da tribo Warfallah.
A esposa de Gaddafi é da tribo Warfallah, a maior da Líbia, com mais de 1 milhão de almas e 54 subtribos. Diz-se pelos corredores em Bruxelas, que a OTAN prevê que Gaddafi lutará durante meses, se não anos; daí o prêmio (“Procurado vivo ou morto”) à moda texana de George W Bush, pela cabeça de Gaddafi; e a volta desesperada da OTAN ao plano A (o golpe militar para derrubar Gaddafi).
É possível que a Líbia enfrente hoje o duplo espectro de uma Hidra guerrilheira de duas cabeças: forças de Gaddafi contra um governo central fraco do Conselho Nacional de Transição e tropas da OTAN em terra na Líbia; e a nuvem de Jihadistas do conglomerado LIFG/AQIM em Jihad contra a OTAN (se forem afastados do poder). (...)
Desde o primeiro dia, Gaddafi disse e repetiu que o ataque contra a Líbia era operação da al-Qaeda e/ou operação local com financiamento estrangeiro. Esteve certo, portanto, desde o primeiro.
Gaddafi também disse que seria o prelúdio da ocupação estrangeira, cuja meta é privatizar e roubar os recursos naturais da Líbia. Parece que acertou – também nisso.
Os “especialistas” de Cingapura que elogiaram a decisão do regime de Gaddafi de libertar os Jihadistas do Grupo de Combate Islâmico Líbio disseram que seria “estratégia necessária para mitigar a ameaça que pesa contra a Líbia”. Hoje, o que se vê é que o conjunto LIFG/AQIM – quer dizer, a al-Qaeda – conseguiu posicionar-se para exercer suas opções como “força política (líbia) local”.
Dez anos depois do 11/9, não é difícil imaginar que, no fundo do Mar da Arábia, há um crânio decomposto que, esse sim, está rindo por último. E lá ficará. Rindo.”
O interessante no artigo acima é constatar que os militares norte-americanos repetem na Líbia a estratégia que usaram no Afeganistão e no Iraque, a manjada frase “dividir para governar”, mas como a história só se repete como farsa, ao entregar o poder na Líbia para a al-Qaeda os governos dos EUA, França, Inglaterra estão entregando o país à anarquia e ao obscurantismo, ao radicalismo religioso, ao retrocesso social nos direitos das mulheres (que passarão a ser obrigadas a usar burca), como no Afeganistão, e talvez proibidas de dirigir automóveis e trabalhar fora, como no reino da Arábia Saudita.
A guerra por democracia, a derrubada de um “ditador”, não passa de lorotas que a mídia ocidental engole de forma subserviente e irresponsável.
Na Líbia de Gaddafi as mulheres dirigiam, trabalhavam fora, eram empresárias ou associadas, não usavam burca – e muitas nem mesmo o véu. Agora, em nome da “defesa da liberdade e da democracia” assistiremos ao retrocesso dos costumes na Líbia, a opressão das mulheres, dos gays, e das diferentes religiões que até ontem tinham liberdade de atuação na Líbia.
Por trás dessa estratégia aparentemente suicida do governo norte-americano está um plano delineado no Afeganistão e no Iraque: levar morte e destruição, destruir o país para roubar as riquezas naturais, sem risco de enfrentar resistência popular, porque o povo estará dividido e enfraquecido com guerras, revoltas e rebeliões sem fim. Fabricar a guerra entre xiitas e sunitas é o grande sonho dos imperialistas para enfraquecer o país.
Esta é a tática do capitalismo dominado pelo sionismo. Os povos não passam de moedas de troca. Quanto mais mísseis e bombas forem disparadas, maior será o lucro da indústria bélica e dos banqueiros sionistas que financiam as guerras. E maior será a corrupção de políticos que se dizem paladinos da ilusória democracia representativa.
Esta é a tática do capitalismo dominado pelo sionismo. Os povos não passam de moedas de troca. Quanto mais mísseis e bombas forem disparadas, maior será o lucro da indústria bélica e dos banqueiros sionistas que financiam as guerras. E maior será a corrupção de políticos que se dizem paladinos da ilusória democracia representativa.
Porque a população líbia não resistiu?
Embora armada – Gaddafi mandou distribuir armas ao povo – a população líbia não ofereceu a resistência esperada, e o motivo é um só: a população está aterrorizada com os bombardeios diários da Otan. As crianças estão traumatizadas. A maior força militar do planeta atacou por seis meses seguidos uma nação soberana de apenas 6 milhões de habitantes. Foi – é – a covardia das covardias, um massacre inominável que, se um dia houver justiça neste planeta, Obama, Sarkozy, Cameron e Rasmussen serão fuzilados, condenados por genocídio na Líbia.
A população não entregará suas armas e esperará dias melhores para combater os imperialistas norte-americanos, ingleses e franceses, e os jihadistas da al-Qaeda.
No campo de batalha o “leão do deserto”, o beduíno Muamar Gaddafi resiste e se prepara para uma guerra de guerrilha no deserto e no litoral da Líbia. Assim como fez Omar Moukhtar, o primeiro leão do deserto, que combateu até sua última gota de sangue para que um dia a Líbia conquistasse sua independência e soberania. E o povo líbio derrotou os italianos. Em 1968 os líbios venceram o ataque norte-americano. Nos próximos anos eles também vencerão esta guerra covarde da Otan a serviço das potências imperialistas. É uma questão de tempo, e os árabes – mais do que nenhum outro povo da Terra – sabem fazer do tempo um aliado infalível.
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