Texto do Prof. Marco Rossi, no blog Espaço de Cultura Socialista.
"A Greve", de Sergei Eisenstein (1924)
Quando penso na palavra greve, duas coisas me vêm imediatamente à cabeça: o filme de Eisenstein, de 1924, uma das grandes obras-primas do cinema mundial, e o fato de a minha geração (das mais novas, nem se fala...) não ter quase nenhuma familiaridade com esse tipo de acontecimento.
Mudaram muito as configurações do universo do trabalho nos últimos vinte ou trinta anos. A precarização aliada à automação, a qualificação sempre exigida lado a lado com os baixos salários, os poucos empregos disputados por multidões jogaram ao pó os grandes movimentos contestatórios. A individualização cega e a hipercompetição praticamente soterraram a solidariedade de classe e a consciência do humano para além de sua minúscula parcela naufragada e impotente.
Nesse sentido, diante de uma greve, rara e invariavelmente mal interpretada por seus agentes e por quase toda a sociedade, nossas emoções e pouca razão se dividem entre a total indiferença e a indignação por atrapalhar questões pessoais, caminhadas e projetos individuais.
Não obstante o direito de greve estar inscrito na Constituição Federal, de 1988 – um avanço democrático que levou décadas para nos abraçar -, muitas dessas formas coletivas de insatisfação e inquietude podem ser declaradas abusivas, inconstitucionais, por se tratar de “interrupção de serviços essenciais”.
Em verdade, declarar que uma greve é ilegal por paralisar práticas mais substantivas do que outras é admitir que uns são essenciais, outros, superficiais. Mais: que as pessoas atingidas direta ou indiretamente por greves serão unanimemente contrárias às demandas dos trabalhadores que se veem obrigados à suspensão de suas atividades cotidianas.
A greve não é dessas coisas que se fazem por aí porque não há opção ou porque reina a absoluta falta do que fazer. Ela se refere a descontentamentos, a ferimentos que doem na dignidade de quem trabalha e deseja uma vida melhor para si e para seus filhos e netos.
Antes de julgar de modo apressado e, por extensão, equivocado uma ação grevista, procure refletir sobre quantas reivindicações gostaria de ter feito, partilhado; reflita sobre quantas vezes quis gritar e ter um mundo inteiro para ouvir os ecos da indignação, da rebeldia, da vontade de mudar a vida, o curso da história. Se a resposta provável for "muitas, muitas vezes", celebre um gigantesco viva a quem ainda tem coragem de levar suas dores e delícias às últimas consequências.
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