"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X

sábado, 3 de março de 2012

(SP) Ontem


Fonte: CIMI Brasil

Não conheci a Juliana. Mas quando chego à Praça d@ Ciclista, logo uma querida me abraça e chora tanto. Mostra: veja o poema que escreveram. Leio o poema e logo estou eu sem conseguir respirar direito. Aparece um daqueles amigos que te ensinaram tudo e dá um abraço sufocado, difícil.



Reconheço alguns dos rostos - são companheiros das Pedalinas, do Bike Anjo, do Cru, do Pedal Verde, do Vá de Dyke, da Bicicletada da Zona Oeste, do Mão na Roda e tantos outros coletivos, projetos e ações, conhecidos de paradinhas em faróis, de acenos de bom dia, de respostas firmes "se vc vai descer pra Pinheiros, já formou: vamo junto". Aparece uma que não tem bicicleta ainda e aprendeu a dar as primeiras pedaladas com as Pedalinas. Uma outra pedestre, bem alta, traz um imenso girassol, um sol à tira-colo. Saem para buscar flores, chegam flores. Há tantas outras pessoas desconhecidas, mas conhecidas ante o mesmo amor, a mesma pedra

: em fazer das ruas de São Paulo um lugar. Um lugar de escala humana.

Comentários sobre a agonia na demora de sabermos o nome da Juliana. Mulher, com 33 anos, ali naquele horário, são muitas. Alguns telefonaram para a própria Juliana, perguntando se não era ela. Nunca respondeu. A menção ao nome "Julie" rasga em abraços seus mais próximos. O calor denso da noite que se adentra, suor misturado a lágrimas dos homens, aos lamentos das mulheres.

Plantam uma árvore na Praça d@ Ciclista. Juliana era do Pedal Verde. E outra árvore. E aplaudem com estapidos duros, não é uma celebração, é uma memória que se planta.

Muitos fotógrafos e jornalistas. Entrevistam. "Quantas pessoas temos aqui?", não para de gritar uma jornalista para desespero de um dos membros do BikeAnjo. Mais de mil. Na realidade, ali estavam esses mais-de-mil e os que estão sempre no pensamento: seus pais, seus amigos, seus colegas, ciclistas de toda grande São Paulo, ciclistas de todo o país. "É uma fatalidade", diz outra jornalista emocionada, que recebe logo o comentário ríspido de quem está no asfalto sempre: "Fatalidade se fosse imprevisível. Neste caso é muito previsível: a CET não multa quem infringe a norma do Código de manter a distância de 1,5m do ciclista". A rispidez logo se dissolve na fala embargada, complicado manter o discurso aprumado nessa hora. Um jornalista ainda me cochicha sentido, "acho que vou começar a pedalar".

Troveja. E a mãe das tempestades se anuncia à Avenida Paulista. Cai o céu. As cores dos faróis são borradas, as guias desaparecem em corredeiras. Alguns manifestantes procuram abrigo embaixo do Cervantes, na lan house. A força da água não arreda. A chuva não vai passar. Assim, lentamente, sob rajadas de vento forte, os mais-de-mil iniciam a caminhada penosa da Praça d@ Ciclista até o cruzamento da Pamplona. Vão a pé, arrastando a bicicleta, vão montados e pedalando com pesar, vão em duplas pedestres sob os guarda-chuvas que nada seguram. Aos que assistem a manifestação, apinhada nos toldos, entregam flores, panfletos, palavras.

A força da chuva e do vento tira o que vai adentro dos caminhantes: um misto de raiva com grande tristeza. Um frio inacreditável e ali se caminha. "Mais amor, menos motor". Alguém ainda lembrou, no dia em que a Márcia Prado faleceu, também chovia à noite. Tão perto uma da outra: a Márcia e agora a Juliana.

O local. Abraçam-se. Não há uma única peça de roupa, coração ou olhar seco ali no asfalto. Todos deitam na avenida durante incontáveis minutos. A bicicleta branca é trazida. Flores são partilhadas por tantas mãos e aplausos molhados pelas rajadas de vento. Há ainda muitos silêncios. Na entrada da Estação Trianon Masp, entregam-se panfletos aos espectadores. Ouço um, com a roupa completamente seca, comentando: "não sabia que tinha tanta mulher andando de bicicleta". 

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