"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X

domingo, 6 de maio de 2012

Au Revoir Sarkozy

Au Revoir Sarkozy
O que podemos aprender com a experiência francesa.


Por Juliana Medeiros



Acompanho com interesse o processo eleitoral na França desde 2007, quando Sarkozy concorreu com a candidata da esquerda, Ségolène Royal. Esta, por sinal, ex-mulher do socialista François Hollande, eleito hoje presidente. Já naquela época me assustou a vitória do presidente Nicolas Sarkozy falando de “proteção às “origens e tradições” da França, contra uma candidata que falava em “integração, solidariedade e pluralismo”. 

Pode parecer distante, mas acompanhar o debate entre os candidatos na França é uma grande lição para nós brasileiros. Recomendo a quem tiver interesse, buscar os textos dos discursos (alguns disponíveis em português na internet) dos candidatos François Hollande, Jean-Luc Menlechón, Marine Le Pen e do agora derrotado Nicolas Sarkozy. Com todas as demonstrações de intolerância e xenofobia dos dois últimos, a corrida eleitoral francesa é uma aula de democracia, soberania e de autonomia do seu povo.

Não posso afirmar com certeza se isso acontece da mesma forma em outros países da Europa porque não acompanho seus processos eleitorais tão de perto, mas acredito que seja parecido, principalmente se observada a escolaridade média do europeu. Esse indicador social faz com que nenhum candidato na França possa prescindir de uma profunda formação política, do conhecimento detalhado das políticas públicas contidas em suas propostas, do domínio do discurso – não como mera ferramenta de retórica eleitoreira – mas sim de convencimento de um público que conhece sua história e que contextualiza essa história com o mundo em que vive, econômica e socialmente. E isso considerando que os candidatos falam hoje, em grande parte, para uma França também de imigrantes, miscigenados, pobres e desempregados.

Prova-se, acompanhando as eleições francesas, que a disputa se dá entre candidatos que sabem do que é constituído o seu povo: pessoas que passaram por uma escola de formação crítica. E que, independentemente do resultado, jamais poderão deixar de respeitar esse aspecto do eleitorado. E é justamente essa formação crítica que torna o processo eleitoral francês mais rico.

Não é possível, na França, subestimar a audiência. Há que se colocar as cartas na mesa e correr o risco.

Por outro lado, é humilhante perceber que em nosso país ainda são o “pão e circo” e o investimento pífio em educação, os fiéis da balança na disputa eleitoral. Aqui, não vale a profundidade do discurso, o conteúdo das propostas. Vale o “dom da oratória” e uma boa dose de “toma-lá-dá-cá”. Seja nos bastidores da política ou nas trocas simplórias voto a voto. E isso em todos os níveis, já que internamente, os partidos também costuram suas alianças visando seus próprios interesses, sem objetivar os resultados que pretendem alcançar.

O recém-nomeado Ministro do Trabalho, Brizola Neto, por exemplo, sente agora o peso desse jogo. Ainda que apoiado por maioria sindicalista (grupo que fez a diferença na França), precisa lidar com o racha em seu próprio partido, além de ter que se desviar a todo o momento de uma cobertura midiática nefasta, que juntos, talvez o impeçam de aplicar seu programa trabalhista. E o mais triste é que a rotina massacrante imposta à maioria do trabalhador brasileiro, não o deixará sequer perceber que isto está acontecendo. Salvo uma ou outra piada descontextualizada em programas de humor que hoje apenas cumprem um papel alienante – e assim como outros assuntos de suma importância para o cotidiano do trabalhador – um neto de Leonel Brizola no Ministério do Trabalho infelizmente, e provavelmente, passará despercebido.

Na França isso seria impossível, o cenário eleitoral obriga os candidatos a politizarem o discurso. A representante da Frente Nacional, Marine Le Pen, sentiu isso na pele. Passou a campanha tendo de explicar até onde suas propostas se alinhavam ou não às ideias do pai, Jean-Marie Le Pen, que sempre defendeu abertamente posturas radicais de direita, como a pena de morte e a oposição severa à imigração. Se ela tentasse ignorar esse fato, o eleitorado não o faria. Por aqui, filhos de conhecidos políticos, apenas cumprem o papel de perpetuar a dinastia de suas famílias no poder.

A média do eleitorado brasileiro, infelizmente, sequer conseguiria entender os debates entre candidatos franceses, recheados de referências históricas, de conceitos das ciências políticas e de dados estatísticos que são acompanhados diariamente pelos franceses. A transparência e o controle dos gastos públicos – e também dos meios de comunicação – são realidade há anos na França e estão naturalmente contidos no discurso de todos os candidatos, sem distinção. Ao contrário daqui, onde a publicidade e o controle são assuntos constrangedores aos quais estamos resistindo a nos adaptar.

Outra observação é que os candidatos na França, talvez justamente por conhecerem a formação política do  eleitorado, não estão em cima de muros ideológicos. No Brasil, convencionou-se dizer que “não se sabe mais o que é esquerda ou direita” afinal, o “mundo está em crise”. Talvez por isso, os candidatos por aqui costumam se denominar  “de esquerda”, de uma maneira genérica, sem identificar sua raiz ideológica. E os de direita, salvo raras exceções, passaram todos a se autodenominarem “de centro-esquerda” ou “de centro”, ou ainda, “democratas”! Vale tudo para fugir da maldição da “direita”. A mídia, de maioria elitista, tenta disfarçar o peso de sua influência em nosso processo eleitoral com a manipulação desses estereótipos. Por isso, apesar das críticas diárias que recheiam a programação, está na moda ser “de esquerda” no Brasil.

A França que dá adeus à Sarkozy, prova que a prática política em lugares onde o povo não pode ser facilmente enganado, exige que os candidatos se assumam como realmente são: “socialistas”, ou “revolucionários”, ou até de “ultra-direita”. Cada um crava sua bandeira no peito com orgulho e a usa para dar o tom de sua proposta, sempre absolutamente alinhada à sua coloração.

François Hollande não é o candidato dos sonhos dos movimentos de Occupy que vem sacudindo alguns países da Europa e do mundo desde o ano passado. Este seria Mélenchon, da Front de Gauche, que alcançou impressionantes 11% dos votos (uma verdadeira zebra que desequilibrou a disputa polarizada entre os dois principais candidatos). O novo presidente da França tem ainda contra si uma estranha inclinação ao modelo Obama de governar que, mesmo considerado “populista” em seu próprio país, não tem sido muito diferente da política bélico-expansionista dos ex-presidentes Reagan, Clinton e Bush, pai e filho. E com base nessa política, é bom lembrar, os mais de 50 mil civis mortos na Líbia, não poderão comemorar a derrota de Sarkozy.

No entanto, mesmo se levarmos em conta o crescimento vertiginoso dos votos de ultra-direita obtidos por Marine Le Pen no primeiro turno, pode-se dizer também que a maioria, na França, rejeitou o discurso inspirado em certa eugenia, afinado com um tom negacionista, do ex-presidente Sarkozy. A França ainda não sabe por onde ir, mas hoje declarou que sabe bem por onde não quer ir.

Hoje, 06 de maio de 2012, a França declara não querer ser dividida, intolerante, xenófoba. E afirma também que não aceita corroborar a disputa por espaços no mercado de trabalho contra os estrangeiros que buscam abrigo no país da Revolução Francesa. Pedaço da história, aliás, que pode ser descrito por cidadão de qualquer origem que tenha passado pelos bancos escolares na França. E não por acaso também esteve, com leituras diferentes, presente nos discursos. Para os franceses, o conhecimento é prioridade e, mais ainda, é imprescindível dominar o conteúdo histórico mais fortemente inserido na cultura francesa.

Infelizmente, em terras tupiniquins, o conjunto do nosso sistema de educação, os livros didáticos, a formação básica dos professores, o investimento nas escolas (incluindo as privadas, ainda que melhores que as públicas), impedem os brasileiros de fazerem o link dos fatos históricos com acontecimentos cotidianos. Vítimas da imprudência de seus próprios representantes, boa parte dos brasileiros, de qualquer idade, não consegue entender porque as eleições na França podem fazer diferença em suas vidas aqui. E porque num mundo globalizado, será cada vez mais necessário acompanhar as eleições do país que hoje ocupa o 5ª lugar dentre as potências econômicas mundiais, ou até mesmo da longínqua Grécia, que também enfrenta eleições em meio à uma grave crise econômica. Mas não duvidem, não só os franceses, mas quase todos os continentes acompanharam de perto as eleições brasileiras e sabem do peso e significado histórico de termos tido um ex-operário e hoje termos uma ex-guerrilheira como presidentes.

Com a vitória de Hollande dá para ter esperanças em um retorno às origens, à França da Liberté, Igualité e Fraternité. E esperanças, talvez, de que toda essa transformação na Europa, impulsionada por movimentos populares, nos inspire também a lutar por uma formação mais crítica, mais humanista e mais internacionalista.

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* Juliana Medeiros é jornalista e editora de notícias da Rádio Cultura FM em Brasília.

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