Quando li o artigo de Antonio Prata na "Falha de SP", cheguei a comentar no twitter que muita gente não iria compreender a ironia. Para meu espanto, isso de fato ocorreu mas em uma proporção inimaginável. Até o "superdotado" roqueiro Roger chegou a elogiar sinceramente a coragem (ou os "culhões") do autor de Guinada à Direita. Sensacional a quantidade de análises antropológicas e sociológicas que as reações a esse artigo ainda podem gerar, especialmente pela profusão de comentários elogiosos(!?) a tamanha lambada em nosso classe média way of life. Mas para não restar dúvidas, reproduzo o artigo abaixo (cujo autor se viu obrigado a confirmar que é uma ironia!) e em seguida, uma análise não menos brilhante do Kiko Nogueira no DCM sobre a Caixa de Pandora aberta por Antonio Prata e sua falsa guinada à direita. E tenho que dizer, juntando esses fatos à matéria e video da Veja SP que circularam por esses dias nas redes sobre o "Sultão dos Camarotes", ainda resta a dúvida: existirá limite para a boçalidade de nossos periódicos?
“Caralho. Esse tem culhão.”
A reação do roqueiro Roger, no Twitter, ao artigo de Antonio Prata na Folha foi entusiasmada. Prata escreveu uma coluna chamada “Guinada à Direita”. Confessava que, às vésperas de completar 40 anos, havia tomado juízo e arejado as ideias.
“A rubra súcia domina o governo, as universidades, a mídia, a cúpula da CBF e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, na Câmara. O pensamento que se queira libertário não pode ser outra coisa, portanto, senão reacionário”, escreveu.
“Quando terroristas, gays, índios, quilombolas, vândalos, maconheiros e aborteiros tentam levar a nação para o abismo, ou os cidadãos de bem se unem, como na saudosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que nos salvou do comunismo e nos garantiu 20 anos de paz, ou nos preparemos para a barbárie”.
Mais: “O branco encontra-se escanteado”.
“Contra o poder desmesurado dado a negros, índios, gays e mulheres (as feias, inclusive), sem falar nos ex-pobres, que agora possuem dinheiro para avacalhar, com sua ignorância, a cultura reconhecidamente letrada de nossas elites, nós, da direita, temos uma arma: o humor.”
Era uma farsa. Uma boa provocação. Ainda que o autor tivesse deixado de ser, como dizia, meio intelectual, meio de esquerda, aquilo era um evidente exagero apocalíptico.
Mas a reação ao amontoado de clichês direitosos foi espantosa. Prata teve de escrever no Painel do Leitor que estava sendo irônico. “A intenção, ao criar tal persona retrógrada, racista, machista e homofóbica, era apontar tais preconceitos em nossa sociedade. Parece que funcionou, pois a maioria dos e-mails equivocados que recebi me parabenizava pela ‘coragem’ de ‘assumir’ essas deprimentes opiniões”.
Roger (que virou motivo de piada pelo tuíte animadão) não estava sozinho. Centenas de pessoas se sentiram à vontade para disparar obtusidades do mesmo quilate.
Na seção de cartas:
“Realmente é essa gentalha, protegida por um poder totalitário instalado em nossa nação há mais de uma década, que impede o pleno desenvolvimento do país. Parabéns. Aguardo ansioso por novas colunas raivosas.”
No Facebook:
“Ele diz que os índios lá estão, agora, improdutivos e nus, catando piolho e tomando 51. Cade a ironia ai? Por acaso alguém já viu algum índio produzir algo útil e bom para a sociedade nas terras deles?”
“A mídia não fala nada sobre a implantação do comunismo no Brasil que vem sendo desenvolvida a (sic) mais de 30 anos no Foro de São Paulo”.
“O único poder capaz de impedir que o comunismo se instale no Brasil e não nos torne escravos são os militares”.
“Não importa se é ou não um texto irônico, o importante é que tudo isso que foi dito é verdade! O pior cego é aquele que não quer ver!”
E por aí afora. Prata abriu uma caixa de pandora. Eu me lembrei do filme “A Onda”.
Conhece? Se passa numa escola na Alemanha. Os alunos têm de escolher entre duas disciplinas: anarquia e autocracia. O professor Rainer Wenger decide formar um modelo de governo fascista na classe para mostrar, na prática, como ele se organiza. Dá o nome de “A Onda” ao movimento.
A coisa se espalha para a cidade. Eles começam a gostar de ser subjugados e de subjugar os outros. Depois de algumas situações limites, Wenger acha que provou seu ponto e resolve dar sua experiência por encerrada. Claro que aí já é tarde demais.
Prata foi bem ao se explicar. A burrice e a paranóia estão por aí, cheias de amor pra dar, à procura de um motivo. Como naquele aforismo de Charles Colton: “Há fraudes tão bem elaboradas que seria estupidez não ser enganado por elas”.
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