"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

CN INTERNACIONAL - Divulgação: Primeira Semana Árabe Fearab Brasil








A formação da cultura brasileira recebeu forte influência de várias outras culturas que ajudaram, ao longo dos últimos 514 anos, a consolidar nossa tão característica diversidade cultural.

Dentre essas múltiplas influências, a cultura árabe é uma das mais marcantes, com reflexos na gastronomia, no vestuário e nas artes em geral.

Para apresentar os variados aspectos dessa tradição a Federação das Entidades Árabes Americanas iniciou nesta segunda-feira a Primeira Semana Árabe Fearab Brasil.

Com apoio da Fearab América, os eventos serão realizados até o sábado dia 27 de setembro.

Todas as atividades ocorrem na Biblioteca Nacional de Brasília e a programação conta com uma mostra de filmes árabes, debates, oficinas, apresentações de dança e a exposição "Presença Árabe no Brasil em Imagens" com 80 fotografias representativas da influência cultural desta tradição milenar em nossa arquitetura, na gastronomia e até em nosso idioma.

Aziz Jajour, presidente da Fearab Brasil e Fearab América nos conta os objetivos e detalhes do que o público vai poder conferir nesta Primeira Semana Árabe:

AJ - "O objetivo maior da Semana Árabe é dar uma abertura ao povo brasileiro de conhecer a nossa realidade, da nossa tradição, da nossa cultura, nossa origem, como contribuidores para a formação da história da humanidade nesses últimos tempos e [também] mudando um pouquinho, tirando um pouco do rótulo do que vem acontecendo, [sobre] as questões negativas que ocorrem no Oriente Médio. Nós teremos aqui palestras, painéis, apresentações de dança, da culinária e das artes, uma exposição de fotos e uma série de eventos culturais e eventos também de alto nível humanitário, já que a nossa ideia é justamente trazer à tona essa questão [humanitária]"

Há ainda painéis onde o público vai poder conferir temas que estão na ordem do dia, como os conflitos que vem ocorrendo na Síria e os ataques mais recentes à Palestina:

AJ -"Nós gostaríamos de colocar as pessoas a par do que de fato está acontecendo, trazendo pessoas que vivem essa situação, que vivem essa realidade lá e mostrando como é que as coisas tem ocorrido e até buscando dessas pessoas participantes, a maior parte brasileiros, sugestões e contribuições para que nós venhamos de alguma forma ajudar a resolver algumas questões, resolver alguns problemas. Nós somos um povo pacífico e o Brasil é um país muito respeitado, é muito ouvido. Então nós, como Fearab Brasil e hoje [também] presidindo a Fearab América, hoje nós temos uma fonte, um canal de comunicação extremamente amplo e nós gostaríamos de utilizá-lo com a ajuda do nosso povo brasileiro"

A cidade também sedia esta semana o Congresso Extraordinário Pan-Americano Árabe da Fearab América que ocorre de 25 a 27 de setembro no mesmo local. A programação também é aberta ao público:

AJ -"[Ele acontece] na Esplanada dos Ministérios, todos são convidados a estar participando dos fóruns, principalmente dos painéis e contribuindo com a gente. Nós juntos, a quatro mãos, acreditamos poder estar mudando, revolucionando, trazendo uma luz de [novas] ideias para esses líderes que estão, de alguma forma, um pouco perdidos. Nós acreditamos que podemos contribuir. Eu gostaria de convidá-los a participar, bem como todos os ouvintes, é uma honra e um prazer muito grande recebê-los aqui. Nós estamos, como eu disse, aqui na Biblioteca Nacional, sempre na parte da tarde e a nossa ideia é - utilizando a informação e buscando a paz - dar soluções a essas crises que vem ocorrendo pelo mundo. A nossa ideia é de paz. Nós gostaríamos de difundir esse sentimento e trazer ao povo brasileiro, que tem sempre nos acolhido com tanto carinho, essa mensagem"

A comunidade árabe do DF e de outras partes do país, além de representantes de instituições culturais e de investigação sobre temas ligados ao mundo árabe tem presença garantida ao longo de toda esta Primeira Semana Árabe.

Dentre os destaques, a professora Claude Fahd Hajjah, autora do livro Imigração árabe: 100 anos de reflexão participa na quinta-feira de um bate-papo no auditório da Biblioteca Nacional. O público terá acesso gratuito a todas as atividades.

Para participar, os interessados devem retirar suas cortesias no dia de cada evento, a partir do meio dia, na própria Biblioteca Nacional de Brasília, devido à limitação do espaço onde vão ocorrer as atividades.

Professores, grupos de pesquisa e escolas interessados em organizar visitas, podem entrar em contato pelo e-mail secretaria@fearab.net.


A programação e outras informações podem ser conferidas no portal: www.fearab.net ou pelo telefone (61) 3272-0008. 

Reportagem (agenda) veiculada na Rádio Cultura FM:





Primeira Semana Árabe Fearab Brasil - de 22 a 27 de setembro

Biblioteca Nacional de Brasília 

Programação Detalhada:

Segunda-feira 22 de setembro – abertura do evento
• 13h – Exibição de filme: O que resta do tempo (dirigido por Elia Suleiman)
• 15h – Painel sobre a Palestina com o professor Abdel Latif (SP)
• 18h – Coquetel de inauguração da Semana Cultural Árabe
Abertura da Exposição Presença Árabe no Brasil em Imagens – aberta durante toda a semana para visitação das 8h às 19h45 de seg a sex e 8h às 14h sab e dom.

Terça-feira 23 de setembro • 13h – Exibição de filme: O Edifício Yacoubian (dirigido por Marwan Hamed)
• 15h – Painel sobre a questão Síria com participação do Excelentíssimo Embaixador da RepublicaÁrabe da Síria.
• 16h – Apresentação do livro "Música árabe: expressividade e sutileza" pela autora Marcia Dib (Icarabe Brasil/SP)
• 17h – Apresentação de percussão oriental com Messer Di Carlo
• 18h – Reprise de filme: O Edifício Yacoubian

Quarta-feira 24 de setembro
• 13h – Exibição de filme: Welad El Am (dirigido por Sherif Arafa)
• 17h – Oficina de Derbake com Messer Di Carlo
• 18h – Reprise de filme: Welad El Am

Quinta-feira 25 de setembro – Dia da Comunidade Árabe no Distrito Federal
• 13h – Exibição de filme: Sob o céu do Líbano (dirigido por Randa Chahal Sabbag)
• 15h – Painel A Imigração Sírio-Libanesa no Brasil – com Claude Fahd Hajjar (autora do livro ImigraçãoÁrabe 100 anos de Reflexão)
• 16h – Apresentação de dança do ventre
• 17h – Oficina de Dabke com Ousseima Imad
• 18h – Reprise de filme: Sob o céu do Líbano


Sexta-feira 26 de setembro
• 13h – Exibição de filme: El Gusto (dirigido por Safinez Bousbia)
• 16h - Painel A língua árabe e as atividades do Instituto de Cultura Árabe Brasileira Icab Brasília
• 17h – Apresentação do livro "Viagem ao Iraque" pela autora Claudia Falluh Balduino (professora UnB)
• 18h Painel sobre: Dança espetáculo em “Dança Oriental” (Racks el Sharq) seguida de apresentação de performance improvisada dentro da estética Racks el Sharq com Amanda Rosa.
• 19h – Encerramento da Semana Árabe (com apresentação de dança)

Sábado 27 de setembro
• 10h – Fórum aberto ao público Fearab América: A influência da mídia na construção da imagem árabe(com entrega de certificado aos participantes - inscrições por e-mail secretaria@fearab.net)

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Marina Silva, a carranca e o estado laico - por Cynara Menezes

Reblogado de: Socialista Morena


Marina Silva, a carranca e o estado laico

carranca
(A carranca do rio São Francisco no saguão do ministério da Cultura)
Não tenho medo da vitória de Marina Silva. O povo é sábio e soberano. O que ele decidir, será. Irei respeitar e torcer para que dê certo, porque o País é o mesmo. Mas não voto em Marina. Obviamente, como pessoa de esquerda, me preocupa uma possível guinada neoliberal no governo com sua chegada ao poder assessorada por economistas que seguem esta cartilha. Existe, porém, uma razão mais forte que me impede de votar nela. O projeto de Brasil de Marina não é o meu, mas não voto nela principalmente porque não sinto confiança de que governará, sendo evangélica da Assembleia de Deus, a partir da concepção de um estado laico, como promete.
Há uma história que circula no ministério da Cultura desde a época de Gilberto Gil que para mim é emblemática. Gil ganhara uma carranca de madeira, daquelas que ficam na proa dos barcos no rio São Francisco, e chamou Marina, sua colega de prédio e ministra do Meio Ambiente, para “inaugurar” a obra, no hall de entrada comum a ambos ministérios. As carrancas são utilizadas pelos pescadores do rio como adorno e com a crença de que espantam maus espíritos. Marina teria se recusado a participar da cerimônia dizendo que a obra representava o “diabo”. Teria inclusive pedido para que fosse retirada do saguão. Se foi assim que ocorreu, o episódio não abalou sua proximidade com Gil, porque ele vai votar na ex-colega para presidente.
Em outra versão da história, contada em reportagem da revista Época de maio de 2008, a própria Marina teria sido presenteada pelos prefeitos da região do rio São Francisco com a carranca e teria se negado a receber o regalo, que ficou coberto até o final da cerimônia. Na mesma reportagem, uma bióloga do ministério do Meio Ambiente conta que, com Marina Silva à frente da pasta, reuniões técnicas chegavam a ser interrompidas para a realização de cultos evangélicos. Seu assessor Pedro Ivo, um dos coordenadores da campanha de Marina atualmente, negou os cultos durante o expediente, mas admitiu que, na hora do almoço, “funcionários se juntavam para rezar nas salas de reunião” (leia aqui).
Marina não me assusta. Fundamentalistas, sim. Estamos assistindo atônitos, nos últimos anos, à forte investida deles contra as bandeiras progressistas: a descriminalização do aborto como questão de saúde pública, a defesa dos direitos dos cidadãos LGBTs, a descriminalização das drogas. No segundo turno da última eleição, em 2010, os fundamentalistas jogaram as trevas sobre nós ao acusar Dilma Rousseff de ser “abortista”, levando a campanha ao mais baixo nível da história.
Eleita Dilma, não lhe deram trégua: à base de ameaças e chantagens, conseguiram barrar um kit educativo anti-homofobia por eles batizado como “kit gay”. Depois, no Congresso, os fundamentalistas lançaram sobre a Nação a praga de projetos medievais como o da “cura gay” e o Estatuto do Nascituro, apelidado de “bolsa-estupro” por seus críticos, porque prevê o pagamento de uma pensão à mulher que, vítima de estupro, decidir não abortar.
Por que falo em “fundamentalistas” e não “evangélicos”? Porque existem evangélicos progressistas. Gente cristã de verdade, que segue na vida o preceito de amar ao próximo como a si mesmo, e não odiar, como pregam alguns destes pastores insanos. É preciso separar o joio do trigo, distinguir os fiéis destes falsos “servos do Senhor”, interessados apenas em poder e dinheiro. Tenho certeza que muitos evangélicos não os suportam e conseguem enxergar com clareza a falta de cristianismo em suas palavras.
Marina é evangélica, mas honestamente não acredito que seja fundamentalista. De qualquer maneira, a história da carranca me deixou com o pé atrás. Também me chama a atenção o fato de nunca ter visto Marina em uma só foto que seja junto a representantes das religiões de matriz africana, alvos frequentes da intolerância dos fundamentalistas, embora tenha participado de uma campanha presidencial inteira em 2010. Eduardo Campos, sim. Inclusive sancionou em 2012, quando governador, um projeto que tombou terreiros de candomblé em Pernambuco.
Nos últimos dias, tivemos a notícia de que a campanha de Marina Silva voltou atrás e apagou do seu programa de governo o trecho que defendia o casamento gay e justamente após um dos fundamentalistas mais fanáticos e repulsivos, o pastor Silas Malafaia, tê-la criticado no Twitter. Malafaia, aliás, declarou voto na candidata. Marina também ganhou a declaração de voto no segundo turno de outro pastor fundamentalista, o deputado federal Marco Feliciano, já defendido por ela como “vítima” de hostilidades por ser evangélico e não por ser o autor de frases de cunho homofóbico e racista.
Se, ameaçada por esta gente, a presidente Dilma Rousseff foi capaz de recuos em projetos importantes para a comunidade LGBT, como acreditar que, tendo eles a seu lado e professando do mesmo credo, Marina Silva não fará igual? Ou pior?
O fundamentalismo religioso e sua perseguição aos homossexuais, à esquerda e aos progressistas de maneira geral são a minha maior preocupação no Brasil hoje. Tenho falado constantemente sobre a importância de o PT aproveitar este momento histórico para se livrar deles, definitivamente até porque preferem Marina. E conquistar a simpatia dos evangélicos que pensam de maneira diferente, mais condizente com o mundo moderno do que com preceitos ultrapassados ou mal interpretados propositalmente por pastores manipuladores.
Se Marina ganhar, espero de todo coração que eu esteja errada e que ela saiba de fato diferenciar Estado de religião. Que consiga domar os fundamentalistas a seu redor. Que lute pela tolerância com os gays e os adeptos de religiões de matriz africana com tanto fervor quanto prega por tolerância em relação aos evangélicos. E que cumpra sua promessa de fazer o governo laico que eu, infelizmente, não acredito que seja capaz de fazer.
Publicado em 5 de setembro de 2014

Em BLOG

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Por que voto em Dilma - por João Brant

Compartilho aqui no blog, uma excelente análise do João Brant (publicada no Facebook) e que vai de encontro aos mesmos argumentos que tenho para votar em Dilma Roussef novamente. Obrigada João, por nos ajudar a organizar as ideias! ;)

PS: grifos meus.

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Por que voto em Dilma (post longo, advirto)

Eu teria muitos motivos para não votar em Dilma: seu governo é mais conservador do que eu gostaria, houve poucas tentativas articuladas para mudar a cultura política do país e sua interlocução com a sociedade é muito limitadaNo meu tema histórico de atuação, a comunicação, permaneceu tudo como dantes, sem nenhum esforço real para incidir sobre um sistema de mídia concentrado e conservador. Na cultura, houve retrocessos notáveis em relação ao governo Lula.

Mas a realidade é mais complexa. É preciso lembrar onde estávamos em 2002 e o que significou o ciclo inaugurado em 2003. O Brasil abandonou a rota neoliberal e reorganizou seu rumo na economia e no campo social para buscar diminuir a miséria e a pobreza no país. Fez isso, é verdade, sem romper com o capital financeiro e sem aprofundar processos de mudanças estruturais necessários para avançar mais. Mas não há dúvidas de que PT e PSDB fizeram opções muito distintas, que colocaram o Brasil em rumos opostos nos governos Lula e FHC.

O governo Dilma manteve as bases do governo Lula. No essencial, naquilo que tem capacidade de influir em escala na vida dos trabalhadores, houve poucas mudanças significativas. A conjuntura internacional mudou, e o governo teve méritos e deméritos no processo de adaptação. Conseguiu retardar e mitigar os efeitos da crise de 2008, mas seguiu apostando numa política de exportação de commodities que, aliada à falta de uma política industrial, tem efeitos negativos para o país em médio e longo prazo. De toda forma, diminuímos a desigualdade, mantivemos o desemprego em níveis bem baixos e 36 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema.

Explico porque, pra mim, Marina Silva e Luciana Genro não são opções. Em relação à Marina, vejo três problemas centrais. O primeiro é que ela opta por um programa econômico claramente liberal, vinculado à agenda do setor financeiro, que aponta na direção contrária do caminho de enfrentamento às desigualdades que tortuosamente estamos seguindo. Essa opção é estrutural, e com ela vêm todo um pacote cujos efeitos são sentidos diretamente pelos trabalhadores. Não que o programa de Dilma não assuma parte da agenda liberal, mas é só ver a resistência do setor financeiro à sua candidatura para ver que ela contraria interesses poderosos. Além disso, essa opção de Marina tende a neutralizar a oportunidade real de avanços que dependem de outra estrutura econômica. Seu programa tem vários pontos progressistas, alguns mais do que os do programa de Dilma, mas o papel aceita qualquer combinação. No mundo real, não vejo condições de a maior parte da agenda progressista ser mantida com essas bases.

O segundo problema é que a maneira como ela monta o discurso de mudanças na política é ilusória e, a meu ver, despolitizante. Ao dizer que vai governar com os melhores do PSDB e os melhores do PT, ela propõe ao Brasil ignorar que estes são dois projetos opostos para o Brasil, inconciliáveis se mantidas suas características essenciais. Ao mesmo tempo, ao se fixar no bordão da ‘nova política’, Marina transforma as necessárias mudanças na cultura política em um ato de vontade, que pula toda a parte de dar respostas concretas a problemas duros e reais. Não gosto da lógica de governabilidade assumida pelo PT e não acho que ela seja a única maneira de se governar, mas acho que sua superação só pode acontecer em um processo complexo de enfrentamento a essa lógica, que depende de uma articulação social potente. Que nova política é essa a que só teremos acesso depois das eleições? Por que ela depende de se estar no governo para ser praticada? Como acreditar em uma nova política que é mais personalista (baseia-se em quadros) e individualista e menos coletiva? No que Heraclito Fortes, Bornhausen e Roberto Freire se diferenciam de Renan, Maluf e Crivella?

O terceiro problema é o mais explorado nas redes, e tem a ver com um conservadorismo comportamental da candidata. Confesso que esse ponto nem é pra mim o principal, não porque não o considere importante, mas porque não me parece que Dilma e seu governo tenham feito (ou farão) avançar essa agenda de qualquer forma. São necessários casos emblemáticos e comoções gerais com muita luta social para que haja qualquer chance de mudança.

Mas frente a esse cenário por que não votar no PSOL? A opção feita pelo PSOL nos seus 10 anos de existência foi se fixar como um partido que não busca dialogar com um número significativo de brasileiros. Faz um discurso voltado para o eleitorado de extrema esquerda, que não alcança 2% da população, e não se propõe a construir um discurso e um programa que o aproxime das massas. Enquanto parte do petismo exagera na interpretação sobre a correlação de forças, o PSOL parece ignorar esta avaliação.

É preciso compreender como pensa o país. Mesmo sendo considerado um moderado por alguns amigos, eu estou provavelmente nos 2% mais à esquerda do Brasil. Não por ser extremamente radical, mas porque o povo, mesmo com valores de esquerda, é moderado. Essa opção de enclausuramento do partido é aceitável na atuação parlamentar, onde em geral o partido vai bem e cumpre um papel fundamental (vide Ivan Valente e Jean Wyllis), mas é insustentável no âmbito da disputa pelo Poder Executivo.

Ajuda a explicar a situação o fato de parte significativa do PSOL entender que o principal adversário a ser combatido é o PT. Psicanaliticamente dá pra aceitar, politicamente não. 

Frente a esse quadro, acho que a opção por Dilma significa uma opção viável pelos mais pobres. Significa também ir por um caminho em que algumas mudanças estruturais podem vir a ser disputadas (embora o governo tenha se fixado em bases nas quais há pouco espaço para elas). E significa deixar longe do governo o PSDB, que representa a agenda orgânica do setor financeiro. Parecem-me motivos suficientes.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Um relato sobre a Segurança Pública no DF

Demorei a me decidir por escrever sobre isso. Estamos em período eleitoral e muitas confusões pra cima de moi podem ocorrer por causa de uma simples "blogada". Mas a questão é que acredito que não podemos fugir desse debate.

Meu filho foi assaltado hoje. Está tudo bem com ele. Foi um grande susto apenas. Mas não é sobre isso, exatamente, que quero falar. É sobre o inegável desamparo que paira sobre a juventude de Brasília.

Apenas para contextualizar, explico que ele se desloca diariamente por um quadrilátero que compreende a escola e as aulas de vôlei e de inglês, todos localizados em pontos muito próximos um do outro e próximos também do meu local de trabalho.

Um homem o abordou hoje perto da quadra poliesportiva das 106/107 sul. Levou o celular e algum dinheiro (trocados que ele tinha no bolso e na carteira). Logo depois, meu filho se dirigiu ao comércio local, pediu ajuda a uma moça na lavanderia (em que costumo ir) e me ligou (aos prantos, lógico).

Assim que recebi a ligação, liguei para o 190 avisando que ele tinha acabado de ser assaltado, se não poderiam enviar uma viatura, verificar se o cara estava por perto. Me disseram que "estariam providenciando" naquele momento. Cheguei lá e nada, ele estava sozinho. Uma dupla de policiais - os chamados "Cosme&Damião" - passava um pouco mais à frente. Corremos para alcançá-los e começamos a relatar o fato, comentei que havia feito o registro pelo 190. Eles iam anotando as características do sujeito, pareciam enviar os dados para algum whatsapp da polícia (isso não ficou muito claro) e encerraram com um "fica tranquila, vamos resolver isso". Pensei que iniciariam alguma busca, mas eles saíram calmamente batendo papo, continuando a ronda que interrompemos. Decidi ligar novamente para o 190 e ver se a viatura estava a caminho. Para minha surpresa, sequer havia registro da minha chamada anterior. Depois de passar todos os dados novamente (nome, telefone, local etc) o atendente simplesmente me disse que não havia "nada no sistema". Pedi a ele o número do celular 24h que o Batalhão Escolar divulga para recebimento de ocorrências e ele disse que não tinha(!). Agradeci e, antes de desligar, pedi que registrasse meu descontentamento com o serviço, no que ele prontamente respondeu: "para isso, a senhora liga na ouvidoria". Liguei em seguida para uma colega que, por coincidência, há poucas semanas fez uma matéria sobre o altíssimo índice de violência que vem ocorrendo com estudantes nas imediações das escolas do DF e ela me passou o número. Avisei ao atendente que estaria na porta da escola, onde já tinha comunicado à direção sobre o assalto. Esta, por sinal, me relatou que pede TODOS OS DIAS pelo reforço do Batalhão Escolar, ao menos no horário de pico (nas saídas), mas que eles alegam que não há efetivo para isso.

Levou apenas 5 minutos para a viatura do Batalhão Escolar chegar. Esta foi a boa surpresa. A ruim é que eles nos disseram que há somente uma única viatura para toda a região - sim, TODO O PLANO PILOTO - e que, portanto, aquela dupla e aquele carro eram os responsáveis por toda a área (Asas Sul e Norte, Lagos Sul e Norte, etc). Nesse momento, me veio à cabeça que nas outras regiões administrativas (mais periféricas e afastadas do "centro") a situação deve ser bem pior. Senti um aperto no coração pelas crianças e adolescentes que vivem e estudam nessas regiões.

Comentei com eles que fiquei confusa sobre a comunicação entre as polícias já que além do 190 não ter registrado minha chamada, o fato não tinha sido passado nem à dupla que fazia ronda naquela região nem à eles, do Batalhão Escolar. A resposta do policial, em detalhes sórdidos, não poderei escrever aqui. Tanto ele quanto o parceiro, me pareceram (e foram os únicos até ali) realmente interessados na ocorrência e para esse tipo de informação (saber QUEM ele é) sei que a "inteligência" do Estado (falo de todos) funciona muito bem. Sendo assim, não quero prejudicá-lo em um momento de "desabafo" mas, em resumo, eles não tem quaisquer condições (físicas, materiais e outras) de atender às crianças e adolescentes em situações de violência por vários motivos. Mas eles não precisariam me dizer, os fatos gritavam o óbvio.

Primeiramente, me pareceu que não existe uma "comunicação integrada" de fato no sistema de segurança pública de Brasília. Sou leiga nesse assunto, então posso estar falando uma grande bobagem, mas me parece lógico que, ligando para o 190 e informando um assalto naquela área, uma viatura talvez nem fosse necessária, já que uma dupla 'Cosme&Damião' estava a menos de 100 metros de onde meu filho estava. Ou seja, a escala das rondas não deveria ser de conhecimento dos que são responsáveis por mobilizar e deslocar efetivos pela cidade? Houvesse uma forma de comunicação mais efetiva, a dupla teria chegado até ele na metade do tempo que levei para chegar (em meio ao hush do almoço). Talvez até, com sorte e alguma disposição, teriam a chance de encontrar o sujeito. Sinceramente, não sei qual o índice que se usa para determinar até onde se deve ir ou não nestes casos, em termos de alocação de recursos públicos para uma ocorrência, mas o atendimento do 190 me pareceu quase dizer: "ah, foi só um celular e ele está bem? ok, nada a fazer, próximo!". Então, se essa não é uma atribuição deles, pelo crime em si que foi "pequeno" diante de tantas atrocidades que ocorrem por aí, que demandassem ao Batalhão Escolar para que fizessem ao menos um relatório sobre o fato, para estatísticas e estudos que levam a.... estratégias de segurança. Ou não?

Para deixar o caso ainda mais bizarro, o assalto ocorreu há 50 metros de um "Centro Integrado de Proteção à Criança e ao Adolescente". Vejam aí no Google, entrequadras sul 106/107. Há uma quadra poliesportiva (onde pessoas jogam bola, caminham, mas claro, ninguém percebeu o assalto ou não quiseram se envolver) e do outro lado da rua, um posto de gasolina. Colado nele, esse centro, que eu pensei - e os PM´s do Batalhão também pensaram! - ser uma delegacia da mulher (PS: eles não souberam me indicar a delegacia mais próxima para fazer a ocorrência, acreditem se quiser). Passando de carro para que meu filho mostrasse o local exato do ocorrido, o nome no letreiro me chamou a atenção e parei para verificar. Os cones na frente já indicam que o local está desativado. Encontrei um funcionário que me disse ser agente do antigo Caje e que me informou que o local estava em reformas e, à pedido da comunidade, ele estava ali para evitar que o prédio público (quase abandonado) fosse ocupado por usuários de crack. Segundo ele, não há previsão para que o local passe a funcionar, afinal, estamos em "período eleitoral". Pensei, se ainda não há estrutura alguma ali, funcionários, equipamentos, viaturas, nada, se não há atendimento, para quê exatamente há uma placa imensa dizendo que ali se realiza esta atividade? Não seria mais lógico, colocar uma placa informando sobre um serviço público somente quando este de fato estivesse sendo ofertado?

Volto a dizer que estou narrando fatos e o meu olhar como mãe e cidadã sobre esses acontecimentos. Como jornalista, não apurei ainda se o que vi e ouvi dos vários agentes de segurança com quem falei (por telefone e pessoalmente) refletem a realidade para além do que eu estava constatando. Até por que pautas sobre a nossa nada mole vida doméstica são sempre complicadas. Mas alguns questionamentos me vieram à mente. Primeiro, me pareceu haver um grau de vulnerabilidade sobre as crianças e adolescentes do DF bem maior do que supomos. Se eu fosse a vítima? Se eu fosse uma adolescente? Se minha família, por algum motivo, não pudesse se deslocar rapidamente até onde eu estava? Se eu tivesse acabado de sofrer um abuso, o atendimento teria sido diferente? Registre-se aqui que meu filho sequer cogitou ligar para o 190, mas talvez instintivamente eles saibam que isso não vai ajudar.

Tenho os pés no chão. Sou carioca e meu marido é paulistano, temos completa clareza do quanto nossas cidades de origem são infinitamente mais violentas do que Brasília. Em São Paulo e no Rio, assaltos cinematográficos à mão armada são (triste) rotina para a população. No DF, sabemos que a situação de violência urbana caminha para esse quadro mesmo ainda não sendo a mesma. E isso é percebido no dia-a-dia, nos vários relatos de assaltos em ônibus, roubos a mão armada, sequestros relâmpagos. São muitas as razões para que uma metrópole chegue a esse quadro, inclusive o próprio crescimento das cidades em torno dela. E nem quero me aprofundar em análises sobre o alarmante relatório do CNJ sobre a população carcerária no BrasilA Segurança Pública é um tema espinhoso mesmo, com muitas variáveis, começando naquela recorrente (e certeira) tecla em todos os discursos, a tal da educação.

O fato é que hoje eu tive uma estranha sensação, a de que os agentes de segurança podem estar - voluntariamente ou não - nos enviando alguns recados que sim, pressupõem muitas abordagens, até mesmo em razão do momento político que estamos vivendo. Mas exponho aqui esse relato, na tentativa de que a gente possa, como sociedade, pensar sobre essas muitas possibilidades e sobre a parte que nos cabe nesse latifúndio.


PS: vale a pena ouvir a reportagem citada, com outros relatos e dicas de segurança para os estudantes.

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Juliana Medeiros é jornalista.

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