Trabalho no INSS e acabo de atender a viúva e uma irmã de um passageiro do vôo da Gol 1907.
Todos os dias, aqui, tenho contato com inúmeros casos de acidentes, doenças, abandono, maus-tratos, violência e também golpes e tentativas de burlar a previdência. Quanto à estes últimos, não é nossa tarefa (enquanto atendentes), analisar cada caso mas, em geral, passa por nós a triagem deles (no agendamento de perícias médicas principalmente) e é nossa tarefa barrar quando há qualquer indício de qualquer fraude. E elas surgem aos montes: documentos adulterados, procuradores (despachantes) por profissão que vivem de tirar dinheiro de velhinhos aposentados, falsas doenças. Mas, no saldo geral, os chamados "clientes" do INSS formam uma massa de pessoas que dependem todas, independente de classe social, de um sistema que alguns dizem estar falindo mas que em muitos momentos é a tábua de salvação de famílias inteiras.
Estas duas que atendi, não fazem parte do grupo que ocupa a base da pirâmide social. São pessoas de classe média alta, mas que nesse momento estão na mesma linha que os muitos miseráveis que atendo, na fila da Previdência, pleiteando um benefício que no caso da viúva, durará por toda sua vida e servirá de sustento à sua família, agora marcada pela tragédia.
Lembro que meu avô passou muitos anos até sua morte insistindo para que eu fizesse o recolhimento à previdência. Ele, servidor público já aposentado, possuía a aposentadoria de servidor e a do INSS. Dizia sempre que nunca se sabe o dia de amanhã e que contribuindo, pelo menos eu teria um conforto caso a vida não me fosse de muita sorte na velhice. Eu, claro, como todos os jovens, não liguei muito para o que ele dizia. Ironicamente vim trabalhar aqui e vejo de perto o que significa cada palavra, cada tentativa dele de me abrir os olhos.
Muitos idosos, já muito além dos 65 anos exigidos para se aposentar, vêem atrás de "se encostar" ou do "aposento" e descobrem aqui que não têm esse direito por não terem contribuído tempo suficiente. Muitos - a maioria - de história de vida difícil, mas também surgem os que foram jornalistas, advogados ou profissionais liberais que tiveram momentos bem-sucedidos em sua vida mas que agora não têm mais trabalho, amigos, família e precisam por uma questão de sobrevivência do tão sonhado benefício. Eu, seguindo unicamente a legislação, sou obrigada a explicar que a Previdência não é um órgão de assistência social e que apenas contempla aqueles que contribuíram. Com isso, passo pelo terrível constrangimento de ver algumas vezes pessoas idosas que trabalharam muito em suas vidas, chorarem na minha frente sem que eu possa fazer nada. Nessas horas, vêm à minha cabeça cada palavra que meu avô dizia.
Ainda assim, tenho aprendido muito e a cada dia que passa gosto mais de trabalhar aqui. A Previdência Social é um direito de todos os brasileiros que deveriam ser ensinados desde pequenos a contribuir para poder contar com ela durante as várias fases da vida (maternidade, doenças, morte). Porque, no final, todos nós, pobres, ricos, abastados ou não, podemos precisar dela.
Além disso, tenho a oportunidade de conhecer pessoas incríveis, como os vários pioneiros de Brasília que já atendi que contam com orgulho terem trabalho literalmente ao lado de JK na construção da cidade. Ou o velho radialista que já passado do tempo de se aposentar ainda apresenta seu programa diário num canal AM. Casais que chegam ao momento de aposentarem juntos e vão pegar as informações e iniciar o processo emocionados por terem dado sua contribuição à previdência e ao seu país.
Sempre fico com aquela sensação de que gostaria de ajudar mais, de solucionar os inúmeros casos de carência e desespero. São tantas pessoas, tantas doenças, tantas histórias tristes que no início saía do trabalho totalmente deprimida, consternada ou mesmo indignada com algumas injustiças. Mas procuro fazer minha parte. Atendo da melhor forma possível, dou as informações, tento ajudar, resolver o que posso. Agora também sou servidora pública e provavelmente como meu avô, terei uma aposentadoria complementar do INSS, já que tenho direito à aposentadoria de servidora pública. Mas trabalhando aqui, me sinto fazendo uma "catarse". Se não pude enquanto meu avô era vivo, entender o quão importante era o que ele dizia, agora ao menos posso retribuir sua preocupação tentando orientar os idosos e pessoas doentes que atendo, sendo para eles o que meu avô tentou ser para mim.
"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X
segunda-feira, 16 de outubro de 2006
Quem precisa da Previdência Social?
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