"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Pérolas da mídia

Tem um ícone para o Amálgama aqui no blog, mas acho que não é o suficiente. Tem coisas que merecem ser reproduzidas na íntegra. O texto abaixo, de Lelê Teles, é um dos melhores que já li ultimamente sobre a força da mídia sobre a sociedade e a opinião pública. A reflexão que ele faz, dentre outras, sobre o tal "papelzinho"  nos episódios de violência policial nas favelas de SP, é um bom exemplo da apuração jornalística que a Globo faz e passa batido pela maioria dos espectadores. E sobre como mentiras viram verdades a partir do extraordinário poder da imagem televisiva.

Deus, os amputados e a violência policial no Bom Dia Brasil

Hoje pela manhã assistia a um programa evangélico na TV, eu gosto da oratória de alguns desses caras. O bispo Silas Malafaia, por exemplo, é uma maravilha. Tem um pastor morenão, que enxuga o suor e distribui a toalha suada para os fiéis – parece que o suor do cabra é milagroso, veja você –, desse eu também gosto muito, além de tudo tem senso de humor. Entre um culto e outro aparecem umas imagens de pessoas recebendo a graça: cadeirantes se levantavam e corriam lépidos, cegos voltavam a enxergar e já olhavam para a bunda da fiel que passava, muletados jogavam as muletas para o alto…
Fiquei tomado por aquelas imagens, embora já as tivesse visto várias vezes. Eu pensava, poxa, o cara ficou 20 anos em uma cadeira de rodas e ao se levantar já caminhava sem dificuldades, como se as articulações estivessem intactas e tal… E no meio do pensamento me veio uma outra curiosidade: por que será que Deus não cura amputados? Cristo, eu me lembrava, curou cegos, entrevados, coxos.. mas não há um único registro em que Djízus restitui um membro a um amputado; não precisava ser uma perna inteira, ou um braço, podia ser apenas uma mão, um dedo mindinho que fosse. Enquanto eu divagava, minha esposa trocou de canal, ao perceber que eu olhava a TV mas não via. Aí ela me sacode e diz, amor, vão falar dos revoltosos de São Paulo.

Entra a matéria: “Em nove meses, nove manifestações violentas aconteceram em favelas de São Paulo. Em todos os casos, carros e ônibus foram incendiados. Ruas e avenidas ficaram interditadas. A polícia vê ligação entre estes protestos”. Era o Bom Dia Brasil. Claro que a polícia do Serra não ia ser colocada em xeque. O enólogo Machado segue um lógico raciocínio: “Além dos atos de vandalismo, as áreas têm em comum as ações que deram origem aos protestos. Na semana passada, no Jaçanã, foi a morte de um rapaz que, segundo a polícia, resistiu à abordagem e atirou contra os policiais, o que provocou a fúria dos manifestantes. Em Heliópolis, foi a morte de uma estudante, durante uma perseguição da Guarda Civil de São Caetano do Sul a ladrões de carros…” Mas aí, filisteu, Renato Machado arremata: “Foram dois dias de protesto. O mais violento foi convocado por bilhetes que prometiam até uma cesta básica a quem participasse”.

Ah, os traficantes, sempre os traficantes. O diabo é que um bilhete vulgar – escrito a mão, ninguém sabe por quem, nem quando, nem por que – vira assunto em meio a uma onda de protestos e violência. Um capitão da PM é convocado a defender a corporação e diz: “Estão sendo feitas investigações para verificar a origem desse papel”. Ora, com os diabos, a origem desse papel, como de qualquer outro, é uma árvore. E o que tá escrito nele não tem a menor importância: alguém viu a distribuição das cestas básicas? Houve fila para recebê-las? Foram distribuídas antes dos protestos ou seriam distribuídas depois? Algum mercadinho da região vendeu centenas de cestas básicas nestes dias? Nada de nada, aquele papel ordinário era somente para encobrir o papelão da polícia do Serra — aliás, da polícia do PSDB; no Sul, como se sabe, sem-terras também foram alvejados covardemente pela polícia tucana. Mas a Globo tinha que arrumar um argumento para desqualificar os revoltados, desconsiderar seu juízo crítico, apontá-los como vagabundos esfomeados, vândalos.

Mas há uma questão semântica aqui, e é muito interessante. Chamam os revoltosos de vândalos querendo dizer que são pessoas que cometem violência gratuitamente, ou porque recebem um prato de comida por isso, ou porque são ameaçados por traficantes e coagidos a arriscarem a vida se expondo de peito aberto e pedras na mão contra uma polícia sabidamente assassina. Os Vândalos, como sabemos, foram os povos bárbaros que provocaram a queda do Império Romano.

Diabos, por que será que Deus não cura amputados?


por Lelê Teles do Amálgama

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