Por Beto Almeida
Na próxima terça-feira, o Presidente Hugo Chávez, da Venezuela, chega a Brasília para encontrar-se com a Presidenta Dilma Roussef, dando continuidade às reuniões regulares e periódicas que manteve durante anos com o ex-presidente Lula. Neste período, as relações bilaterais cresceram enormemente, saltando da escala dos milhões, para alcançar já a escala dos 5 bilhões de dólares/ano, para desespero e irritação dos que sempre apostaram e agiram para o fracasso da política de integração sul-americana, em cujo marco se inscreve a relação entre Brasil e a nação bolivariana.
Muito provavelmente, veremos os meios de comunicação comerciais lançando reincidentes desinformações sobre o processo em curso na Venezuela e, também, insistindo, ad nauseun, na tese jamais confirmada pelos fatos, de que o presidente venezuelano é um ditador, que cerceia a liberdade de expressão etc. Basta recordar: em 12 anos que está à frente do governo, Chávez realizou 15 eleições, plebiscitos ou referendos pelo voto popular livre e direto. Venceu 14 destes pleitos e respeitou democraticamente o único em que não teve o resultado que esperava.
A uma conhecida que foi a Caracas e que tinha muitas dúvidas sobre o caráter democrático da relação de Chávez com a mídia, recomendei que fosse a uma banca de jornal qualquer e pedisse um jornal de oposição ao chavismo. Ela fez a experiência. Pediu um jornal anti-Chávez. O jornaleiro, meio atônito, lhe respondeu:” Todos são contrários a Chávez. Qual queres?” A liberdade de expressão e de imprensa na Venezuela é utilizada, esquizofrenicamente pela oposição, para berrar livremente pelos meios de comunicação que não existe liberdade de imprensa.
Uma nova Venezuela para mostrar
Porém, o que importa agora é registrar que o presidente Chávez que desembarca em Brasília desta vez traz consigo uma outra Venezuela para mostrar, com determinadas condições que não existiam quando chegou ao poder pelo voto direto. A Venezuela pré-Chávez era conhecida por ser um dos paises de maior consumo de champanhe e caviar, perdendo apenas para a burguesia francesa. Seu enorme manancial petroleiro servia apenas para atender aos interesses norte-americanos, inclusive para asfaltar as avenidas de Washington, enquanto na Venezuela mal havia estradas e urbanização. Com a nacionalização soberana e verdadeira da empresa estatal de petróleo, a PDVSA, a renda petroleira passou a ser de fato utilizada para pagar a gigantesca dívida contraída contra o povo venezuelano durante décadas.
Os efeitos dessa guinada não tardaram a se fazer sentir. A Venezuela de hoje é, como Cuba, “Território Livre do Analfabetismo”, conforme reconhecimento oficial da UNESCO, conquista que teve a participação solidária de educadores cubanos e de um método simples e revolucionário de alfabetização, “Sim, eu posso”, que alcança seu objetivo com poucas semanas. O senador Cristovam Buarque, apaixonado pelo educacionaismo, me contou que saiu pelas ruas de Caracas, sozinho, sem se identificar, com um papelzinho nas mãos onde havia escrito um endereço. Pedia a qualquer um, camelô, jovem ou adulto, vendedores de frutas, transeuntes a esmo , que lhe indicassem o endereço. E todos, segundo a pesquisa prática do ex-governador do DF, souberam ler o endereço e lhe dar a orientação exata. Ninguém disse ao senador, “Desculpe,não sei ler”. Para isso - para socializar educação e cultura - foi aplicada a renda petroleira que antes ia para o exterior. Por isso tentaram derrubar Chávez tantas vezes e o odeiam tanto no Pentágono e na Casa Branca. E na Avenida Paulista também..
Metas do milênio
Recentemente, a ONU, avaliando o cumprimento de um de seus mais importantes programas, reconheceu que é a Venezuela o país que melhor cumpre, na América Latina, AS METAS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO, com registros importantíssimos na redução da mortalidade infantil, na oferta de água potável à população, que já supera os 90 por cento do país e também na redução das desigualdades sociais. Certamente, nada disso será dito pela mídia que alfinetará suas caracterizações preconceituosas de sempre contra o mandatário bolivariano.
As relações entre Brasil e Venezuela cresceram de tal forma e em tão pouco tempo que é a nação andino-caribenha um dos principais destinos de produtos e serviços brasileiros. Grandes obras de infra-estrutura, hidrelétricas, pontes, metrô, estradas, contam com a participação de construtoras brasileiras. Mas também é preciso registrar a presença da estatal Embrapa em solo venezuelano, colaborando para que o país alcance a meta estabelecida pelo governo de conquistar a soberania alimentar. Antes de Chávez, até mesmo o alface vinha de avião dos EUA, evidentemente para uma pequena camada da população. Hoje, ,muitos produtos alimentícios, o arroz e o leite, já são produzidos, em boa medida, em território nacional, e aquela meta vai ficando mais próxima de ser alcançada. Também é possível caminhar pelas ruas de Caracas aleatoriamente e conversar com donas-de-casa, que, ao seu modo, demonstram compreensão objetiva e inteligente sobre o desenvolvimento das relações bilaterais. “Agora temos frango brasileño que Lula nos envia. Bueno e barato.”, disseram-me certa vez, ao serem indagadas sobre aquelas relações.
O Banco do Sul e a crise do dólar
O Chávez que chega ao Brasil agora já conta com uma conjuntura latino-americana marcada por substanciais mudanças, para o que também contribuiu decisivamente a política externa implementada durante os dois governos Lula. Especialmente, vale citar o enterro da ALCA, que ameaçava tragar as economias do nosso continente, e o surgimento da UNASUR, que aponta exatamente na direção oposta, visando uma coordenação solidária para atuar de modo soberano no sombrio cenário internacional caracterizado pela persistência da crise do capitalismo, a inconfiabilidade do dólar e , ao lado disso, o crescente intervencionismo militar do imperialismo em diferentes regiões do planeta, como agora na Líbia. Intervenção esta que vem sendo criticada pelos dois mandatários, Dilma e Chávez. Provavelmente, ante este cenário internacional tão complexo, a pauta que inclui a Refinaria Abreu e Lima e temas energéticos e agrícolas, também poderá sinalizar para a necessidade da Unasur agilizar, priorizar mesmo, a entrada em funcionamento do Banco do Sul. A crise capitalista indica ser esta uma necessidade premente, para assegurar uma alternativa conjunta dos países do sul, que pode incluir o Irã e outros, entre eles os do BRIC, na necessária articulação e organização para o enfrentamento dos desdobramentos desta crise que se avoluma e ameaça.
O Chávez que agora chega ao Brasil é bem distinto daquele que aqui chegava no início da década passada, quando veio buscar ajuda da Petrobrás para enfrentar a crise de desabastecimento causada pela sabotagem montada contra a PDVSA. O presidente não alterou suas convicções, seus sonhos, seus compromissos, mas agora a empresa estatal teve finalmente sua soberania plenamente recuperada e hoje sustenta um processo de industrialização venezuelano, além de obras sociais inadiáveis, como a construção de 2 milhões de moradias, um setor muito afetado, não apenas pela herança maldita de décadas de afavelamento criminoso, mas também em razão de drástica destruição causada pelas chuvas no ano que passou, ampliando o déficit habitacional e lançando desafios novos ao governo, que os enfrenta com o apoio da PDVSA.
A ciência da tática
A Venezuela de hoje é um país com satélite próprio, com curso de instalação de fábricas de tratores, caminhões, motocicletas e bicicletas - para o quê foi importante a realização de acordos com o Irã, entre outros - que está conectando-se com outros países caribenhos por cabos submarinos e também com fibra ótica com o Brasil. Sendo o primeiro mandatário sul-americano a visitar a presidenta Dilma, Hugo Chávez traz não apenas uma realidade de conquistas transformadoras a apresentar. Traz também um importante logro político marcado pela normalização crescente das relações com a problemática e ameaçadora Colômbia, neutralizando, por meio de uma tática que é indispensável para os prazos e ritmos históricos da Revolução Bolivariana, os ímpetos agressivos que Uribe representava em nome do imperialismo. Alem disso, é também importante a tática utilizada com a Colômbia para eliminar os processos contra Manuel Zelaya, permitindo não apenas sua volta a Honduras, mas também concorrendo para um curso de recuperação do estado democrático neste país centro-americano, possivelmente com a rápida convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, um dos itens defendidas pela Resistência Democrática e contidos na consulta popular que Zelaya organizou quando foi deposto.
Assim, além de uma linha política que reitera a coincidência de visões com a política externa brasileira, tanto para o caso da Colômbia, como também de Honduras, a nova visita de Chávez ao Brasil tem a simbologia de uma cooperação muito mais ampliada, mais aprofundada, e que poderá ser ainda muito mais fortemente dinamizada a partir do esperado ingresso da nação bolivariana no Mercosur.
Beto Almeida é jornalista.
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