"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

QUE DEUS NOS PROTEJA

O texto abaixo é de GAUDÊNCIO TORQUATO*


Edir Macedo orou, orou, até conseguir entronizar a Igreja Universal no altar-mor do Palá­cio do Planalto. Basta o presi­dente da República pegar o Ae­rolula, no dia 13, em mais um tour Internacional, para seu correligionário, o vice-presiden­te José de Alencar, assumir as rédeas do poder, agora sob o te­to de um tal de PMR (Partido Municipalista Renovador), cuja formação foi facilitada pelo tra­balho de obreiros evangélicos que colheram nas igrejas 438 mil assinaturas para a criação da sigla do multifacetado sistema partidário brasileiro. E bastará ao neocrente Alencar pegar o Sucatão para uma volti­nha pelo continente, para o co­munismo entronizar o símbolo da foice e do martelo na mesa pre­sidencial. Eis que Aldo Rebelo, do PCdoB, é o segundo homem na linha sucessória.

Até onde se sabe, a distância que une os dois sucessores de Lula é tão estreita quanto a que une o Pólo Norte ao Pólo Sul. O primeiro teria um lastro de 6 milhões de fiéis, no Brasil e em 46 países, mais de 2 mil tem­plos, uma bancada de 30 parlamentares e o respaldo de uma multinacional religiosa que fa­tura cerca de US$ 1 bilhão por ano. O se­gundo se funda na história de 60 anos de clandestinidade e conta com uma base ainda pe­quena, formada por 60 mil mili­tantes e bancada de 9 parla­mentares, que defendem o cen­tralismo democrático da utopia socialista. As luzes que os ilumi­nam, convenhamos, irradiam um cromatismo contrastante. Os evangélicos pregam: "Quan­do você dá seu dízimo, Deus abre as janelas do céu e derra­ma bênçãos." Os comunistas do PCdoB cantam: "O futuro grandioso dos povos está liga­do à substituição do capitalis­mo pelo socialismo científico que abolirá o sistema de pro­priedade privada e estabelece­rá a propriedade social dos meios de produção."

Pois bem, se a cara de um não se assemelha ao focinho do outro, mesmo que estejam pró­ximos ao assento presidencial, é porque o Brasil é isso mesmo que o leitor está pensando, ou, se quiser, abriga uma democra­cia muito frouxa. A separação entre Igreja e Estado não leva­da a sério. Mas, no Brasil, há lu­gar para tudo. Na nossa demo­cracia tudo é permitido, inclusi­ve o que é proibido.

Veja-se a argamassa da cri­se. Disparates misturam-se a ti­radas engraçadas e a arreme­dos trágicos, tudo sob o pano de fundo da provisoriedade. E quem põe lenha na fogueira é o próprio presidente da República. Não é ele que se queixa do denuncismo, tapando a vista para parlamentares envolvidos no esquema de corrupção, para as dezenas de pessoas afasta­das da administração e mais de 70 empresas privadas e órgãos públicos relacionados nas inves­tigações? Está cego para tudo isso, mas tem o olho aceso na reeleição. Por isso quer romper os diques da crise. É tudo culpa da urucubaca!!!

Qual é a estratégia? Desar­mar o circo das CPI´s. Três ações táticas foram concebidas. A primeira é a dos três ma­caquinhos, que têm os ouvidos tapados a boca fechada e o os olhos vendados. Trata-se da tá­tica de descaracterizar o ilícito e criar contrapontos e versões para os fatos. Por exemplo, di­zer que as oposições e a mídia mentem ou exageram. Lula co­manda a tática pela vanguarda. Usa a arma do verbo para ata­car a falta de provas nas comis­sões de investigação. O ministro do dinheiro, Palocci, fica no meio, atirando com a arma das verbas. Os parlamentares ameaçados, a partir dos petis­tas, guerreiam na retaguarda, promovendo distensões entre Corregedoria e Conselho de Éti­ca, ciscando para os lados e pro­telando decisões. Dirceu vai até ao Supremo.

A segunda tática é a da mu­dança de gênero. Governo e pe­tismo, mães da crise, se trans­formam em pais do Brasil de economia exuberante. Lula con­tinua na vanguarda, assessora­do por Palocci, Meirelles e Fur­lan. Na arena externa, o PT resgata a velha linguagem de ves­tal. Seu presidente,
Tarso Gen­ro, na TV, conclama as bases a votarem, hoje, no segundo tur­no das eleições. A retórica é emoldurada pelo slogan "PT ­Responsabilidade para com o Brasil". É muita cara-de-pau.

A terceira tática é manobra­da no Congresso com a ajuda de dois comandantes do teatro de guerra: Renan Calheiros e Al­do Rebelo. O presidente do Se­nado luta para as CPI's acaba­rem logo e o presidente da Câ­mara quer garantir uma agen­da positiva para aliviar tensões. A confusão se amplia. Defenden­do a seara dos partidos peque­nos, onde está o seu PCdoB, Re­belo sugere a votação da reforma política, o bode na sala para aliviar a cláusula de desempe­nho a vigorar nas próximas elei­ções. Discute-se como matar o princípio da anualidade e, se for o caso, estuprar a Constituição. O casuísmo entra na pauta. En­quanto isso, a proibição do co­mércio de armas vai a referen­do, no próximo dia 23, sem passar por um debate amplo e sob a suspeita de uma campanha en­viesada na TV. Os R$ 600 milhões a serem gastos nesse even­to poderiam ser economizados, caso o referendo fosse incluído no pacote eleitoral de 2006.

Fechando as cores da aqua­rela, emerge nas margens do São Francisco o perfil do bispo Luís Flávio Cappio, em greve de fome por 11 dias contra a transposição das águas do rio, que já foi da "unidade nacional" e hoje é símbolo de desunião. Multidões se solidarizaram com ele, rezando para que o Di­vino Espírito Santo iluminasse a consciência de Lula. Que prometeu adiar a obra, maneira de evitar o sacrifício do bispo. Só que há uma montanha de R$ 20 bilhões para atrapalhar a ajuda do Espírito Santo. Quanta im­provização! Afinal, a transposi­ção irá ou não irá alterar o qua­dro de seca na região? O que diz a intelligentzia nacional?

E Ia nave và, aos trancos e barrancos, sob a oração evangélica do bispo Macedo, a reza ca­tólica do bispo Cappio, a nova fé de José Alencar e a ascensão do comunista Aldo Rebelo. Que Deus ecumênico nos proteja!

*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político.

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