"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X

quarta-feira, 12 de março de 2008

Sim, camaradas! Neruda já sabia.

Sabe aqueles dias em que você tem certeza de que vai se lembrar dele, de cada detalhe, para sempre, por toda sua vida? Quando eu tiver, sei lá, 109 anos, ainda vou me lembrar do cheiro, dos sons, do que vi e ouvi hoje. Por vários motivos. Hoje foi um dia atípico. Claro, rotina normal, trabalho, o de sempre. Mas algumas coisas inusitadas aconteceram dentro desta rotina aparentemente normal e algumas "certezas" que tive hoje foram determinantes para eu ter certeza de que absolutamente nada acontece por acaso. Nada. O propósito das coisas? Não sei. Quem sabe? Por favor, se alguém souber, me diga.

Se eu fosse rica seria capaz de oferecer agora uma recompensa milionária por esta resposta. Já até imagino o cartaz: "pago integralmente todo o prêmio que ganhei na loteria para quem me der uma resposta lógica e convincente para os acasos, casualidades, causalidades, sincronicidades e coincidências que acontecem em nossas vida". Como provavelmente jamais terei essa resposta, me contento em observar atentamente cada detalhe dos dias em que vejo que as coisas se encaixam, com a ordem no caos que só a física quântica explica!

Como bem disse minha amiga Paulinha, só em estar vivo para observar tudo isso, só em ser parte dos que observam, só isso já vale a pena.... Eu fecho os olhos agora e desejo que mais pessoas tenham algumas das experiências que já tive na minha vida porque elas não podem ser explicadas em palavras mas, algumas, são tão incríveis, que queria muito mesmo que mais pessoas sentissem o mesmo que estou sentindo agora.

Ainda assim, vi muitas cenas tristes hoje. Acabo de assistir o novo filme do Michael Moore com minha amiga e companheira de ideais revolucionários. E olha que íamos ver uma comédia! De repente resolvemos ver o documentário que só começaria uma hora e meia depois. Valeu a espera. Cada segundo. Sou cinéfila e, principalmente, apaixonada por documentários. Pra quem me conhece, o motivo é o óbvio ululante. O fato é que já me emocionei muito em muitos filmes mas nunca um deles teve o signifcado que esse teve pra mim hoje.

Na verdade, acho que esse sentimento será o mesmo para muitos que o virem (espero) por motivos diversos, mas em especial porque acho que o Michael Moore não imaginava que, quando seu filme fosse lançado, estaríamos vivendo o momento que estamos vivendo (mais um motivo pra eu acreditar num "arranjo qualquer do universo"). A América Latina, com toda sua carga de significados históricos, ideológicos, a crise que ocorre agora na fronteira entre Colômbia e Equador até a capa escrota (desculpem, não tem outra palavra) da Veja após a saída de Fidel do comando da ilha cubana....

Sicko, o filme que conta como funciona o sistema de saúde americano (que, diga-se, consegue ser inacreditavelmente muito pior que o nosso, como Moore prova com suas câmeras ultra-indiscretas) é muito mais do que isso. O filme é muito mais do que uma sequência de casos inverossímeis, é muito mais do que nós mesmos aqui no Brasil estamos acostumados a ver no noticiário, é mais do que cenas de desespero em portas de hospital, o filme é o retrato da retórica estúpida do "American Way of Life".

É o retrato do mundo vil, capitalista, globalizado que vivemos hoje. É o retrato da Indústria do Holocausto, dos Batismos de Sangue, das Veias abertas da América Latina, da Era dos Extremos. É o resultado de tudo pelo qual muitos lutaram e muito sangue foi derramado. Tudo para chegarmos onde estamos agora. Muitas revoluções e guerras depois, muitas chagas abertas em meio à países arrasados, muitos e muitos sonhos depois.

A humanidade caminhou para isso e o filme de Michel Moore não é sequer 1% do que realmente acontece no mundo hoje. Isso que o torna ainda mais triste. A indiferença, a bossalidade, a arrogância, a futilidade, o desprezo pelo qual a raça humana se olha e vira as costas. É tão inacreditável e ao mesmo tempo tão real, palpável mesmo. O alento é que Moore, de forma honesta e franca, mostra de uma maneira impensável para um típico americano (se bem que ele não é tão típico assim) que a esperança pode vir de onde menos se espera. E, pior, de onde poderia-se até esperar retaliações, rancores... não vou contar o filme, vai por mim, você tem que ver!

Vivo no mito da caverna de Platão e quando eu saio e vejo o que há lá fora é tão... triste... e no entanto eu me considero hoje, agora, nesse momento, a pessoa mais feliz do mundo. Porque tenho a ilusão de que posso ver além da caverna. Sou possuída pela certeza de que percebo um pouco mais do que os que ficaram lá dentro e tenho que sinceramente agradecer ao universo por isso. O que eu sei é que fiz um acordo com a Paulinha e vamos virar distribuidoras desautorizadas de cópias piratas desse filme. De graça.

Então, reproduzindo o modelo de distribuição de santinhos católicos, quem quiser ver esse que considero o melhor que o Michael já produziu, quase um "recado do universo pra nossa vida moderna", basta entrar em contato enviando um envelope com selo que envio uma cópia do DVD. Vou andar com elas embaixo do braço, no carro. E pra começar minha missão em espalhar good vibrations (e um pouco de lucidez!) pelo mundo, homenageando Neruda e todos os poetas loucos, libertários e sonhadores, fiz o poema abaixo, em nome da minha vontade de continuar acreditando em tudo que acredito.


Vermelha utopia

Tenho um amor secreto
Sim, camaradas!
Um amor que ultrapassa bandeiras
Que tem cheiro de flor e sangue
Que queima como brasa

Como a brasa que fez mártires arderem
Cruza o céu como uma estrela cadente
Corta como navalha
Se veste de solidão
Mistério
Coragem
E esperança

Que é semente de um sentido
Que é música no tempo
Imprevisível
Como uma borboleta vermelha
Como um pulsante coração
Como a terra
Ele sangra

E enche de calor o peito
E enche de vazio a alma
Porque é feito de certezas vãs
A de que vale a pena sonhar
De que sempre haverá um motivo
Apesar do gosto amargo
Apesar dos pesares
E das pedras no caminho

Ele se renova
Como a saudade
Como as paixões
Vermelha utopia

Segredo que veio de longe
Que tem a força da memória
De um rio profundo, escuro
Onde heróis de guerrilha
Com asas de anjo
Testemunharam assassinatos
E partiram com o peito aberto em chagas
Deixando seus povoados, despidos dos ideais
E arrancados de suas ruínas
Entregaram seus devaneios
Às tempestades

Mas seus olhos ainda estão abertos
E eles ainda ouvem o chamado
E tentam esvaziar suas veias
Pra se sentirem mais leves
E quem sabe encontrarem um pouco de paz
Na eternidade de um abraço
Na essencial delicadeza
Em lágrimas de alívio
E reconhecimento mútuo

Esse amor não pode se esconder
Ele rompe revoluções
E povoado por fantasmas
E canções de protesto
Flores do deserto
Que perdem seu tempo esperando uma segunda chance
Uma mudança que poria um fim em tudo
Às batalhas que o tempo entregou com amarras
À ferruginosa (in) justiça
Às inesperadas diferenças
Ao inexorável destino

Esse amor, camaradas
Se alimenta de antigas histórias
Quer descobrir o mundo
Contempla a imensidão do entardecer
E a cruel e clara realidade
E se entrega ao poder
Da vida
Das escolhas
E ao desejo
Ele sorri
E se orgulha de ser único
De ainda sonhar
De querer aprender
E de ter as mãos limpas

Nada o contém
E sem saber onde está
Sem respostas
Abre os braços
E segue por caminhos já singrados
Vai em direção ao sol
Vai encontrar seus amigos
E a liberdade
E ficará impresso nas cinzas do tempo

Um comentário:

Flavio Costa disse...

Agora fiquei curioso com o filme. Terei que ver, claro!

Só ainda não entendi onde está a relação com o acaso que você mencionou.

Um beijão!

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