* Por Juliana Medeiros
Entrevista com o geógrafo Elias Jabour, Assessor do Senado Federal, Doutor e Mestre em Geografia Humana pela USP, e um dos apoiadores dos atos que vem sendo realizados em prol da causa palestina. A transcrição da entrevista segue abaixo.
CN INTERNACIONAL - (JULIANA) ENTREVISTA ELIAS JABOUR CONFLITO EM GAZA 17 - 07 by Culturafm Brasília 100,9 on Mixcloud
Crédito da foto: Fabiane Guimarães/FB
Movimentos Sociais e Entidades que defendem os direitos humanos realizaram na noite desta quarta-feira, em Brasília, uma Vigília Pelas Crianças de Gaza em frente ao Museu da República.
Com bandeiras, velas, e faixas de solidariedade à Palestina, os representantes do movimento também projetaram imagens alusivas à causa Palestina nas paredes do Museu.
Eu converso agora com Elias Jabour, Assessor do Senado Federal, Doutor e Mestre em Geografia Humana pela USP e um dos apoiadores dos atos que vem sendo realizados em prol da causa palestina.
RC – Elias, o governo israelense acusa o movimento islamita Hamas, pelo sequestro de três jovens cujos corpos foram encontrados em 30 de junho, com marcas de tiros. No dia seguinte, em 1º de julho, um adolescente palestino foi sequestrado e morto em Jerusalém Oriental. A perícia apontou que ele foi queimado vivo. Israel acabou prendendo, mais tarde, alguns judeus extremistas que confessaram o assassinato do garoto. Isso acabou gerando uma onda de revolta em Gaza e o Hamas iniciou então os lançamentos de foguetes (de fabricação caseira) contra Tel Aviv que respondeu, e responde ainda, duramente contra Gaza. Bom, esse é o resumo que vem sendo amplamente noticiado sobre o atual conflito na região. Até que ponto, Elias, a gente pode dizer que essa é uma leitura superficial da situação?
Primeiro eu acho muito estranho o Hamas se envolver nesse tipo de crime, sequestrar três jovens judeus e matá-los. Acho que essa é a primeira questão a ser levantada. Será que isso é verdade mesmo? Será que foi o Hamas que fez isso? Por que, historicamente, se você pegar o processo de luta que envolve o Hamas e outras organizações políticas daquela região, esse tipo de atitude não é “a cara” deles. É algo que tenho muitas dúvidas, se foi ele [o Hamas]. E é evidente que algum nível de resposta viria do lado israelense. Então, pegar uma criança e queimar viva e enterrá-la, eu acho que não é algo fora da realidade para quem já vem cometendo certo nível de atrocidades nos últimos 60 anos. A questão da superficialidade que é interessante. As pessoas e os meios que são obrigados a passar informação para o maior número de pessoas, elas não levam informação. Elas passam [somente] um lado da história. Existe um lado sendo atacado, vamos dizer assim, “como resposta a ataques de grupos radicais islâmicos situados na Faixa de Gaza”. Ou seja, para por aí a análise. E é evidente que chega até certo nível de saturação, em que as coisas vão ficando tão escancaradas que a própria “mídia hegemônica” pede para dar um basta naquilo. Porque já está pegando meio mal mesmo, não é? Então existe sim, um alto grau de superficialidade na análise das questões que envolvem o Oriente Médio, principalmente vindo da grande mídia. Ou seja, [você] liga no [canal] Globo News, ou nesses noticiários de massa, liga a TV e você não vê os dois lados da história, do por que as coisas chegaram a esse ponto. E o principal, não se fala a história daquele processo. E dificilmente você vê a imagem de um mapa da Palestina antes e depois de 1948, depois de 1967, depois de 1973, isso não aparece na televisão. E, por fim, o que eu acho mais interessante é: qualquer país do mundo que fizer um décimo do que Israel está fazendo com a Palestina, estará sujeito a graves sanções econômicas. Mas até agora eu não ouvi uma voz dissonante, dentro ou fora da ONU, colocando a possibilidade de Israel vir a sofrer sanções econômicas. Acho que essa é uma questão também a ser respondida.
RC – Como bem mostram correspondentes em imagens televisivas mundo afora, a maioria esmagadora dos foguetes de fabricação caseira que são lançados pelo Hamas não chegam a atingir Israel, quase sempre são interceptados no ar por sistemas antimísseis. Na última terça-feira, Israel registrou sua primeira morte - um homem atingido por um morteiro. Já em Gaza a situação é bem pior, são dezenas de mortos todos os dias. Dentre eles, muitas crianças. A ONU inclusive vem advertindo, desde o início do conflito, que a maioria das vítimas palestinas é civil. Você entende que existe aí certo “silêncio” da comunidade internacional sobre essa situação na região?
Tirando alguns países, vamos dizer assim, do [chamado] “eixo do mal”, como a Venezuela, o silêncio é quase que total e absoluto. Esse é o fato concreto. Imagine você – vamos fazer um exercício aqui –se a Coreia do Norte for atacada pela Coreia do Sul e disparar um míssil e morrerem quinze crianças coreanas do sul. Isso seria um escândalo internacional, não seria? Ou seja, veja se existe essa mesma medida para o caso da Palestina. Interessante que ontem, Israel começou a lançar mísseis contra o litoral de Gaza e matou três ou quatro crianças que estavam se divertindo na praia...
RC – É, foram quatro crianças de uma mesma família e o curioso é que foi há 200 metros de um hotel onde jornalistas de todo o mundo estão hospedados.
Ou seja, qual é a repulsa internacional a esse ato? Existe algum comentarista de assuntos internacionais na grande imprensa capaz de colocar o dedo na ferida dessa questão? O que é Gaza hoje? Gaza é um favelão. Sufocado, não tem água, está sem energia elétrica, o sistema de esgoto entrou em colapso e a ONU tem que pedir permissão a Israel para fazer um cessar-fogo de cinco horas [e entrar] em Gaza. É uma coisa horrível, eu acho muito horrível o que está acontecendo.
RC – A mídia, em geral, vem tentando atribuir todas essas mortes e o acirramento do conflito a algum tipo de “má vontade” dos palestinos em dialogar, como você interpreta isso Elias?
Olha, é o seguinte: você tem uma casa, você tem uma família, aí invadem a sua casa e, amiúde te expulsarem de casa, ainda estupram sua mulher e sua filha na sua frente. Como é [possível] ter algum nível de diálogo em pé de igualdade com quem faz isso? E não é exagero, é o que acontece na Palestina. Os Palestinos são o povo mais oprimido do mundo. Então, ao invés de se falar que os palestinos resistem ao diálogo, tem que se perguntar por que eles resistem ao diálogo, se é que resistem não é? E quais os temas que Israel vai colocar para continuar o diálogo, para sentar-se à mesa de negociação? Por que é muito fácil para Israel “propor” o diálogo, enquanto eles continuam colonizando partes árabes da Palestina.
RC – Houve agora um anúncio de um possível acordo, uma suposta tentativa do Egito de mediar um cessar-fogo. O gabinete de segurança de Israel declarou que havia aceitado esse acordo, mas uma nota distribuída pelo Hamas nega que sequer tenha sido apresentado um acordo ao movimento. O Hamas é uma organização sunita que engloba um partido e também um braço armado. E é também o mais importante movimento islâmico da Palestina atualmente, e que ganhou as eleições parlamentares em janeiro de 2006. E um dado interessante é que Israel costumava alegar problemas em negociar com os palestinos enquanto o Hamas não fosse parte das negociações [sendo ele tão influente na região], mas logo depois que o Hamas foi eleito, Israel passou a dizer que não negocia com o Hamas. Até porque [o Hamas] é considerada uma organização terrorista por vários países. Mas, junto à população Palestina, Elias, qual a legitimidade que o Hamas tem atualmente?
Total legitimidade. Eu posso falar com tranquilidade que tem muita legitimidade. Porque a Palestina não tem um Estado capaz de prover serviços médicos, de saúde, de pronto-socorro, de previdência, de educação, escolas, etc. E quem faz muito isso, é o serviço social bancado pelo Hamas. Esse é um fato objetivo. A Palestina hoje vive de ajuda internacional. Até por que, o que ela poderia exportar, ela não exporta. Por exemplo, óleo de oliva. Tanto é que a campanha internacional que existe na Palestina há muito tempo (eu estive lá em 2011) é: “Give me a choice”. Ou seja, “me dê uma chance”. A Palestina não consegue fazer comércio com ninguém, não tem nem aeroporto. Então como que um Estado desse pode sobreviver e manter serviços públicos básicos para a população dessa forma? Não tem como. Então, a legitimidade do Hamas vem por conta do papel de assistência social que eles fazem ali na região. Todas as forças políticas da região se legitimam através da história do próprio movimento e pela capacidade desse movimento em prover serviços públicos para a população. Ou em amenizar um pouco o sofrimento daquela população. O Hamas é sim legitimado naquele lugar, tanto é que ganhou as eleições. Então quando Israel “não quer negociar com o Hamas”, não é para o Hamas que ele está dizendo isso, [Israel] não quer negociar é com a Palestina.
RC – Os movimentos e entidades de luta pelos direitos humanos estão realizando aqui em Brasília uma serie de atos em prol da Causa Palestina, especialmente [agora] nessa situação conflituosa ali na região. Você tem como informar quais são as próximas agendas desse movimento?
Olha, houve dois atos que eu achei muito interessantes. O primeiro deles foi a entrega de um documento do movimento para o representante da ONU aqui no Brasil. E foi um ato muito amplo, muito aberto, em que o embaixador ouviu nossas opiniões, também falou um pouco em nome da ONU. O ato de ontem à noite teve um caráter mais de mobilização e que mexesse com a emoção. Foi um ato que mostrou imagens de crianças palestinas, em que acendemos velas, em que mostramos uma faixa [com os dizeres]: “Abaixo o apartheid de Israel contra a Palestina”. E a partir desse ato de ontem, toda uma agenda tem sido elaborada. Mas ainda hoje vai haver uma reunião, às 17h30 e vai ser elaborada uma agenda que vai ser passada para vocês com certeza.
RC – Nós conversamos com Elias Jabour que é doutor e mestre em Geografia Humana pela USP, Assessor do Senado Federal e apoiador dos atos que vem sendo realizados em prol da Causa Palestina e pelo cessar-fogo na Faixa de Gaza. Elias, muito obrigada por essas informações que você nos deu.
A agência da ONU para refugiados palestinos alertou que centenas de milhares de palestinos estão sem acesso à água após os ataques que atingem também as redes de abastecimento.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que “não tem escolha” a não ser intensificar a campanha militar contra a Faixa de Gaza. Israel anunciou também a mobilização de milhares de soldados na fronteira com Gaza iniciando o que seria uma ofensiva terrestre que pode piorar ainda mais a situação na região.
* Juliana Medeiros é repórter da Rádio Cultura FM 100,9 de Brasília e editora do programa Cultura Notícias Internacional, que vai ao ar de 2ª a 6ª feira às 17h.
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