Novamente, a reproduçao de um artigo. Nesse caso, a relevância é extrema, para esclarecimento dos meandros que envolvem a questão do Oriente Médio, tão pouco entendida por aqui em terras tupiniquins. O excelente texto de Yasmin Anukit*, do Instituto de Cultura Árabe, versa sobre a real influência americana sobre o Iraque (atenção, vale a pena ser lido):
Por que o Iraque rejeita a Constituição imposta pelos americanos? Se desejamos compreender sua recusa em aceitar a "Carta" criada pelos EUA, precisamos lembrar algumas questões básicas.
Nas décadas que precederam a Primeira Guerra do Golfo, graças à nacionalização do petróleo em 1972, quando Saddam Hussein ainda era vice-presidente, o país pôde capitalizar recursos que o converteram no maior investidor em tecnologia de ponta do Oriente Médio. Isso possibilitou ao povo atingir um dos mais elevados padrões sociais da região, enquanto as mulheres iraquianas obtinham acesso à educação e ao trabalho numa escala sem precedentes. Entretanto, quatro grandes fatores solaparam estas conquistas: o intervencionismo militar dos falcões; os interesses hegemônicos do capital neoliberal; a rapinagem às maiores reservas petrolíferas mundiais e, last, but not least, a política de segurança da extrema-direita israelense.
A agressão violenta ao Iraque visou a aniquilar a soberania do país, considerado o último bastião do nacionalismo árabe e, cujas altas reivindicações por independência política-econômica ameaçavam as prerrogativas neocolonialistas internacionais. Desencadeada uma inédita sangria que uniu embargo e bombardeios durante mais de uma década, o resultado foram dois milhões de mortos civis e militares.
Interessados apenas "em dividir para reinar", os EUA articulam ofensivas simultâneas para enfraquecer a resistência nacional iraquiana, que, ao contrário de seus opressores, busca, por todos os meios, unir o povo numa mesma frente ideológica. Reduzem a escolha da nação a duas opções midiáticas: "submeter-se à ocupação" ou "guerra civil". Os iraquianos sabem que podem rejeitar ambas.
Assim, as diferenças étnicas (curdas e árabes) e religiosas (xiitas e sunitas) têm sido propagadas pelos poderes hegemônicos imperiais, a fim de fracionar o Iraque da mesma forma ocorrida na Iugoslávia e no Líbano, maquinando a criação duma guerra civil. Terroristas como Al-Zarqawi da Al-Qaeda, e outros, foram, na verdade, ali infiltrados a serviço das forças de ocupação para atacar a população indefesa, disseminando o caos e fomentando conflitos religiosos. A resistência legítima tem como alvo exclusivo os invasores e seus colaboracionistas.
Contudo, o povo iraquiano está perfeitamente alerta contra as malogradas tentativas de mergulhar sua terra num campo de batalha interno.
Um dos principais veículos ideados para balcanizar o país foi a redação de uma Constituição de cunho federalista. Para refutá-la, de norte a sul, milhares de cidadãos saíram às ruas, em manifestações pacíficas por todas as cidades iraquianas, empunhando retratos de Saddam Hussein e dos clérigos Al-Sadr e Al-Khalisi. Quando esta grande mobilização nacional atingiu seu pleno sucesso, vimos mais um atentado, em Bagdá, onde morreram cerca de mil xiitas, com o fito de produzir uma rixa inter-confessional. O federalismo pretende transformar o país num Estado sectário, compartimentado em três zonas autônomas, duas baseadas em divisões religiosas (xiita ao sul e sunita, ao centro) e uma racista (curda ao norte).
A Constituição, portanto, se baseia no retorno ao sectarismo, pretendendo, com isso, descaracterizar a identidade árabe ali tão bem sedimentada, fundamento de suas antiqüíssimas conquistas históricas.
Deste modo, compreende-se porque milhares de manifestantes foram às ruas do Iraque nas últimas semanas, empunhando cartazes onde se lia: "Não ao federalismo, não ao racismo e não ao sectarismo!" "Irmãos xiitas e sunitas, nossa pátria não está à venda!" O líder xiita de Amara, Al Khalisi, numa entrevista à TV AlJazeera, esclareceu: "Não existem xiitas querendo uma Constituição que os sunitas rejeitam! Essa é mais uma estratégia das forças dominantes para conspirar contra a nação. O que há são os seguidores da ocupação de um lado, (que querem impor a Constituição) e de outro, sunitas e xiitas nacionalistas que a repudiam".
Assim, enquanto a maioria do povo iraquiano reivindica um conceito secular integrador, os falcões traçam referentes políticos regressivos - a própria antítese da democracia -para facilitar a tutela neocolonial de Washington, através de guetos tribais, confessionais e étnicos. Em contrapartida, os iraquianos desejam uma nova Constituição que salvaguarde seus direitos civis, iguais perante a lei e livres da ocupação estrangeira.
* Yasmin Anukit, professora de Estudos Orientais e autora do livro "Da Mesopotâmia ao terceiro milênio: Iraque, a ressurreição de um povo"
"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X
sexta-feira, 14 de outubro de 2005
O Iraque e o Federalismo
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