Ainda assim, o evento foi importante para se fazer algumas análises. Primeiramente, ficou claro para a Secretária que sua situação não é nada cômoda. Todos, sem exceção, têm críticas duras ao projeto que está sendo elaborado pelo GDF e o Ministério Público é o seu maior opositor. Além disso, é perceptível que a insistência do Governo em elaborar um novo projeto quando poderia apenas revisar e concluir a implantação do anterior, evidencia que o mesmo servirá de bandeira de campanha em 2006. Por outro lado, os "resistentes" têm um longo trabalho pela frente visto que pelo número reduzido de pessoas na platéia, é perceptível que a sociedade não se sente estimulada em participar de debates como esse. Em parte, o próprio resultado do "debate que não houve", é um indício de que o movimento ambientalista precisa ainda desenvolver uma maior capacidade de mobilização.
Francisco Leitão - Professor de Urbanismo do Curso de Arquitetura do UniCEUB - abriu o debate com um breve relato sobre conceitos técnicos urbanísticos e suas aplicações em regiões antropizadas como fator de melhoria da qualidade de vida dos moradores. Passou então a palavra à Diana Meirelles - Secretária de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação/SEDURH-GDF, que levou inacreditáveis 1 hora e 20 minutos na sua fala e, por mais que a mesa a avisasse que seu tempo havia acabado, a mesma ignorou totalmente o fato. A Secretária iniciou sua exposição com conceitos de urbanização e como foram aplicados no Brasil (!) e seguiu mostrando um painel em que misturou aula de geografia, geologia e urbanismo, enfatizando sempre o próprio currículum, como "especialista na área", deixando totalmente estupefatos os presentes que pressionavam a mesa para que interrompessem-na, sem sucesso. Diana Meirelles reservou para os últimos cinco minutos, o assunto principal do evento, ou seja, o PDOT, acelerando rapidamente os mapas no painel e falando de forma superficial e confusa sobre como o GDF pretende modificar as "manchas" das zonas urbana e rural. Declarou ainda, enfática, que "os conceitos de urbano e rural precisam ser alterados urgentemente no Brasil porque na Europa (!) eles já não são entendidos da mesma forma" e que "sobrevoando a Suíça (!), percebe-se que não é possível identificar mais o que é urbano e o que é rural". Além disso, informou que o GDF precisa concluir o projeto do PDOT com base na previsão (estatística) de que em quinze anos a população do DF irá dobrar de tamanho e que por isso seria necessário alocar espaço para os novos moradores.
Quando finalmente concluiu sua explanação, a palavra foi passada ao Professor da UnB, Gustavo Souto Maior - Consultor Legislativo da área de Meio Ambiente da Câmara Legislativa e Assessor do Deputado Augusto Carvalho (atual Presidente da Comissão de Meio Ambiente da CL/DF) que falou sobre o papel da Câmara na revisão do PDOT e do papel da sociedade como agente de mudança. Citou o exemplo de deputados com notório envolvimento em crimes de grilagem e pedofilia que têm, alguns, até quatro mandatos, conseguidos com a anuência da população. Em contrapartida, lembrou também casos como o da Estrutural e dos motoristas de transporte coletivo, que se organizaram para, no momento em que os seus projetos chegaram à Câmara para votação e, em detrimento de serem ou não projetos viáveis para o DF, conseguirem sua aprovação. Para Gustavo, isto acontece porque os parlamentares cedem ao apelo da população, provando que só com uma mobilização maciça e consciente é possível realizar as mudanças que a sociedade deseja.
O próximo a falar foi Sérgio Artur Paganini da Silva - Presidente do Conselho Comunitário da Asa Norte – CCAN, ex-membro do Conselho Gestor da Área Tombada, relatando inicialmente que foi alijado do Conselho por tentar defender o tombamento da cidade contra os que querem degradá-la. Lembrando que Brasília é Patrimônio Cultural da Humanidade, concordou com o Gustavo Souto Maior, afirmando que a incompetência dos ocupantes dos cargos na CL/DF é de nossa responsabilidade. Seguindo ainda o raciocínio do Gustavo, disse que hoje cerca de 10000 ônibus não têm licença para circular, não os diferenciando portanto das vans ditas "irregulares". Sérgio falou ainda do "latrourbanicida" que destrói o patrimônio público e, muitas vezes, o faz se utilizando da própria máquina pública. Em sua fala, Sérgio criticou duramente a Secretária e outros detentores de cargos estratégicos, enfatizando que muitos "não têm a capacidade técnica ou a sensibilidade necessária" para assumir o cargo e acabam causando efeitos, às vezes, permanentes no meio ambiente.
Quando Mônica Veríssimo - Representante do Fórum das ONGs Ambientalistas do DF e Entorno, começou a falar, eram quase 22 horas e boa parte das pessoas no auditório já tinham se retirado. Ela iniciou, lembrando a todos que nenhum Deputado compareceu ao debate anterior na Câmara, ocorrido justamente para confrontar a sociedade civil com os parlamentares sobre as questões ambientais no PDOT. Mônica citou Roberto Campos, dizendo que "não temos que falar com a arrogância dos ignorantes" ao se referir à postura dos secretários de estado e parlamentares que ignoram os estudos técnicos ao tratar dos temas relativos ao meio-ambiente. E que, como disse na Conferência a Ministra Marina Silva, é preciso "crucificar os egos" para conseguir realizar um trabalho que seja realmente benéfico para a sociedade. Falou ainda sobre a invasão do Parque Nacional e seus efeitos ironizando que, "se continuar como está, o lobo-guará terá que andar com um "crachá" para poder atravessar a estrada sem ser atropelado". Pontuou a vocação de Brasília como Capital da República e Patrimônio Cultural da Humanidade e a vocação do DF como Unidade de Conservação. Disse que o Cerrado é um dos 34 biomas mundiais mas que vem sofrendo o efeito "hot spot" correndo o risco de secar em algumas décadas. Se dirigindo à Secretária, Mônica lembrou que "Desenvolvimento urbano é diferente de crescimento urbano", conforme ensina o especialista Cláudio Queiroz. Além disso, lembrou à Secretária que "qualquer projeto precisa respeitar as escalas urbanísticas do tombamento de Brasília". Mônica disse ainda que O tema "Ecologia Urbana", importantíssimo em vários países, é raro no Brasil mas que ainda assim, Brasília é um modelo para os outros países. Informou por fim a todos que haverá nos dias 7 e 8 de dezembro uma reunião na Comparques sobre o projeto do "Anel Viário" proposto pelo GDF.
Anthony Brandão - Analista Processual da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente do MPDFT, o último a falar, iniciou contando da dificuldade em se trabalhar com Direito Ambiental, principalmente pela variedade de códigos, leis, emendas e resoluções que se misturam sobre os mesmos assuntos sendo às vezes, contraditórios. Citou como exemplo, o SNUC, o Código Florestal, o Direito Agrário, o Civil, o Penal e o Direito Urbanístico. Disse ainda que o direito à participação democrática é público e que cabem representações contra o Estado sempre que isso não se verificar. Lembrando a fala da Secretária, disse que apesar de terem havido 200 audiências do PDOT, estas não foram divulgadas e quem conseguiu participar teve que garimpar bastante as informações sobre hora e local das audiências. Além disso, os PDL´s, como há oito anos atrás, não foram concluídos. Anthony disse que o Plano Diretor atual é um "Plano Emendador" e que vem consolidar o fracasso do plano anterior. Chamando-o de "Plano Band-Aid", o promotor disse ainda que o Anel Viário é ilegal e que o tráfego próximo à Barragem do Descoberto pode ser um risco à saúde de toda a população de Brasília caso haja algum acidente com material tóxico na área.
No final do evento, apenas três pessoas da platéia conseguiram falar. O primeiro lembrou que o planejamento de uma cidade como Brasília deve ser de no mínimo 20 anos, um dos presentes lembrou a Agenda 21 e o último perguntou à Secretária se seria possível o adiamento do PDOT mas esta não respondeu à pergunta e aproveitou a confusão no final do evento (quando o funcionário do CEUB desligou os microfones) para se retirar.
Lamentavelmente, perdeu-se uma boa oportunidade para se realizar um debate real sobre o tema, coisa que por sinal também não ocorreu nas audiências públicas. No dia 17 de dezembro haverá a última e maior audiência pública do ano porque reunirá todas as cidades do DF. As comunidades que desejarem sugerir modificações à proposta, só terão esta última chance de participar porque depois ele será concluído e enviado à Câmara para votação. É sabido que ocorrerão então duas coisas, os parlamentares modificarão boa parte dos projetos e votarão de acordo com os grupos mais afinados com suas aspirações eleitorais. Neste sentido, grupos ambientalistas já se movimentam para que o PDOT não seja revisto este ano. Se ele não for para a CL/DF até junho de 2006, terá de ser adiado e repassado ao próximo governo.
Por Juliana de Souza
COMDEMA-Paranoá