"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X

quarta-feira, 29 de abril de 2009

RESENHA CRÍTICA - A ordem do discurso

A aula inaugural de Foucalt ao assumir a cátedra no Collège de France, segundo seu posfácio, pode ser considerada como um texto de ligação entre três de suas obras anteriores: A História da loucura; As palavras e as coisas e A arqueologia do saber, todas focadas em analisar as possibilidades das ciências humanas e suas condições.

Um dos principais desafios de Foucalt, é provar que a verdade e o poder estão mutuamente interligados, através de práticas específicas e contextualizadas à produção do discurso, que por sua vez é regulado, selecionado, organizado e redistribuído, reunindo poderes e perigos em qualquer sociedade, existindo relações de classes que implicam em determinadas posições políticas que determinam o que pode e o que deve ser dito - principalmente no âmbito da política e da sexualidade – campos sociais onde o discurso é naturalmente mais controlado.

Uma coisa interessante é observar que, ao longo de sua análise, Foucalt demonstra que qualquer contato humano já contém uma relação de poder intrínseca pré-estabelecida. A partir do momento em que se é apresentado a alguém, por exemplo, imediatamente e mesmo antes de ser dito qualquer coisa entre essas duas pessoas, estabelece-se uma relação de poder entre elas, de forma subjetiva, que entra em variação, como pratos de uma balança, à medida que coisas diversas vão sendo ditas. Cada um reconhece no outro, um tipo de poder temporário ou não, em que o olhar, as palavras e até o que se está vestindo, tornam-se elementos nesta relação de poder relativo.

Em seu texto, Foucalt apresenta a hipótese de que a produção de um discurso pode ser controlada pelo número de procedimentos que dominam um acontecimento aleatório e apresenta para isso, três procedimentos de controle/exclusão que se notam na sociedade moderna: a interdição (os tabus, como a sexualidade), a separação (encontrada na relação razão x loucura, pois o discurso do "louco" não pode circular livremente, porque ou ele é nulo ou possui estranhos poderes) e a oposição verdadeiro/falso (o controle institucionalizado do discurso).

Em sua análise, ele lembra que durante o princípio da civilização ocidental, verdadeiro era o discurso que era proferido pelo "indivíduo habilitado", ou seja, a verdade era de quem tinha autoridade para proferí-la. A partir de Aristóteles, a verdade passa a ser aquela que pode ser comprovada por metodologias e raciocínios criados pelo próprio Aristóteles (a lógica e as regras de silogismo e argumentação), num debate dialético em forma de "investigação".

Ainda assim, aponta ele, ainda hoje existe por parte de diversas instituições a intenção de controlar a verdade. Para tanto, é interessante observar que a partir de uma visão fenomenológica dos fatos, apenas, a própria verdade torna-se uma construção de um discurso científico, ou seja, somente os pesquisadores passam a ser autorizados a "criar" a verdade independente do campo da ciência ou do objeto de pesquisa. Ou seja, apesar do fato em si, o controle sobre as teorias, meios de divulgação e a hegemonia da informação (somados à velocidade de hoje), nos impõem algumas "verdades". Nesse ponto, a mídia passa a ser responsável direta por isso (a manipulação da verdade do fato).

Indivíduos considerados loucos pela sociedade – justamente por não dizerem o esperado – expõem seu discurso, mas a palavra do louco não é ouvida, ainda que, quando escutada, possa ser tida como uma palavra de verdade. O louco, noção recente na história da humanidade, é aquele sujeito cujo discurso é impedido de circular como o dos outros. Como ele mesmo frisa, “não se tem o direito de dizer tudo, não se pode falar tudo em qualquer circunstância, qualquer um não pode falar de qualquer coisa . Por mais que o discurso aparente seja pouca coisa, as interdições que o atingem, revelam logo sua ligação com o desejo e o poder. Para tanto, surgem, mesmo à despeito da falta de definição, instituições que pretendem "controlar a loucura". Da mesma forma, as insituições passam a controlar a sexualidade e outras formas de manifestação humanas e para isso Foucalt dedica anos de sua vida, vindo a publicar os volumes de História da Sexualidade.

Foucault chama a atenção para "aspectos da verdade usados como forma de controlar e regular a sociedade". Ao conceituar poder e saber, ele foge das definições convencionais, onde o poder pode funcionar negativamente, distorcendo a verdade e com isso desafiando a dominação do poder opressor. Essa forma de “ameaça” se dá através do saber, que pode ser encarado como um contra-ataque aos males provocados por ele.

Por outro lado, é interessante observar como o mesmo saber tem sido instrumento de dominação, humilhação e distorções diversas das relações humanas. Ganha destaque, nesse contexto, o poder da educação, que ao mesmo tempo em que propicia, restringe o acesso ao discurso, pois ela nada mais é que uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação do mesmo e, consequentemente, dos seus saberes e poderes. Percebe-se que a veneração do discurso paradoxalmente o anula, em parte devido ao temor que ele suscita.

Foucault defende o questionamento da vontade de verdade, a restituição do caráter de acontecimento ao discurso e a suspensão da soberania do significante (mesmo que em uma filosofia da experiência originária). Deve-se encarar o discurso como prática descontínua, como uma violência que fazemos às coisas e, o que é pior, uma violência institucionalizada. O que tradicionalmente é considerado como fonte do discurso, deve ser encarado como um jogo negativo de rarefação dele. Para tanto, Foucault aponta dois estudos a serem realizados: o conjunto crítico, responsável por analisar os processos de rarefação, reagrupamento e unificação dos discursos; e o conjunto genealógico, que analisa a formação de séries de discursos a partir da sua interação com os sistemas de coerção (os que induzem, pressionam ou compelem alguém a fazer algo pela força), existentes nas mais variadas relações entre indivíduos e instituições.


FOUCALT, Michel. A ordem do discurso, Loyola, 15ª ed, Paris, 2007.

terça-feira, 28 de abril de 2009

sexta-feira, 24 de abril de 2009

A ética prescinde qualquer valor

O que faz alguém gostar ou não de política? Conversando hoje sobre o tema com uma nova amiga e colega de profissão (que vem sofrendo diversas pressões inerentes à atividade de assessoramento de imprensa à políticos), pensava em como é difícil fazer as pessoas compreenderem a diferença de se ter um ideal, de fazer política por esse ideal (que, no meu caso, compreende um conjunto enorme de idéias, claro) e o exercício de participar da política com o único propósito de fortalecer um político para depois se beneficiar da estrutura construída por ele. Por outro lado, refleti, esse raciocínio não é muito diferente do perfil de militância que temos hoje em todos os partidos, não importando a cor da bandeira. É uma distorção óbvia do que tínhamos antes, mas é inegável. Só não vê quem não quer.

De um lado, nós que nascemos com essa "sina", nos inspiramos nas lutas de antecessores diversos, desde Zumbi à Tiradentes, Olga Benário, Antonio Conselheiro, Mariguella... uma indescritível energia (muitas vezes utópica, eu sei) nos impulsiona a acreditar que podemos, aos poucos, mudar a ordem das coisas, do capital que torna 30% da população mundial em afortunados (incluindo nós, é, eu e você) e o restante transita entre as faixas da miséria e da pobreza. Discípulos que somos de Sócrates, moldados pelo gosto à política, negamos a velha ordem. É uma convicção indelével e eu acredito piamente que se nasce assim, incapaz de ser indiferente. Até por isso, milito em partido mas nunca fiz propaganda de filiação para as pessoas que me conhecem. Aliás, ainda acho que vamos encontrar uma alternativa democrática mais soberana, justa e participativa (sim, sou fã do Comparato e também tento imaginar como seria uma sociedade sem Estado).

De outro lado, num paradoxo entre o discurso e a prática, há pessoas que se entregam com a mesma paixão à construção de um projeto individualista, em busca de circunstâncias que lhe sejam favoráveis ou a seu grupo. O resultado é o abandono total, por alguns políticos, de todos os ideais que existiam no início de sua história, o abandono das utopias (como bem ilustra Eduardo Galeano) e a lenta e total entrega às seduções do poder, se ocupando inclusive dos espaços públicos de forma personalística. E o melhor, encontram terreno fértil também em função do desânimo generalizado dos eleitores que, cansados da dureza diária na vida moderna, não têm tempo ou ânimo para observar o que fazem seus "representantes".

No entanto, acredito que erradicar a pobreza e a miséria e lutar pela redução das desigualdades, ou seja, sob a bandeira socialista, são tarefas imprescindíveis para a construção de um mundo mais justo. E isto, vide a crise econômica mundial, dispensa ideologias, é hoje uma necessidade para sobrevivência da raça humana. Quem imaginaria ver americanos de classe média dormindo em barracas, espalhados por acampamentos à perder de vista? Sim, é preciso fazer a crítica ao modelo econômico que perdura desde a ditadura, à concentração de renda, ao barateamento da mão-de-obra, à verticalização do processo produtivo (apregoada por Henry Ford), ao desenvolvimentismo que achata camadas da sociedade, incapazes de se encaixar em qualquer fatia do modelo, tornando-se o que Marx descrevia como lupen.

A questão é: qual o limite entre o cinismo e o destempero? Diante dos últimos acontecimentos (farra das passagens e bate-boca no STF), pensei em como é difícil também, encontrar o tom certo para defesa desses mesmos ideais, sem ultrapassar a linha do equilíbrio que precisa haver nas relações humanas. Não importa de qual camada isso venha, o fato é que nossa condição humana, já é precedente para os excessos. Sim, existe o "jogo de cintura" cínico que se utiliza de argumentos estéticos para suplantar a ética. Mas também existe, nas palavras de Frei Betto, o militante que "sonha em construir o mundo novo adotando comportamentos típicos do homem velho: a ira, a inveja, a sede de vingança, o autoritarismo". E, em outras esferas, onde se exige um mínimo de compostura, a ferramenta utilizada com frequência nas disputas por espaços de poder, é a vaidade.

Foi Tomás de Aquino quem disse que "uma revolução é justificável quando fecham-se todas as vias institucionais e manter a tirania é mais insuportável que o risco de a enfrentar por derrubada". Infelizmente (porque talvez essa fosse mesmo a solução), esse não é o momento para isso. Vivemos a era da comunicação (mais que informação) e neste momento, o que mais vale é a própria comunicação, o contato, além de qualquer bem material: o líder hoje deve ser a expressão de uma cultura. Por isso, acho que estamos mesmo carentes de líderes...

O bate-boca, segundo O Estadão, foi o mais grave reflexo da insatisfação que corre solta nos corredores do STF e do CNJ onde integrantes usam adjetivos como "brucutu", "exibido", "grosseiro" para se referir à Gilmar Mendes. Numa casa parlamentarista, um ministro age com postura presidencialista, como "estrela", daí o clima de descontentamento que deixou o tribunal suscetível à críticas de todos os lados. Mais do que isso, tenho uma pessoa bem próxima na família, que já esteve trabalhando em Diamantino onde o referido ministro, de fato, tem capangas (juntamente com seu irmão, pistoleiro famoso na região) e onde, de fato, não existe lei. Mas o ministro Joaquim Barbosa, alçado ao posto de pop star pela mídia (até, pasmem, pelo JN que fez uma edição sem cortes), também perdeu o limite saindo do campo das idéias e partindo para o campo pessoal. Nas relações políticas que estabelecemos todos os dias com as pessoas, até na hora do cafezinho, é importante diferenciar as duas coisas (eu, confesso, bem sei como isso é difícil). Para dois ministros da mais alta Côrte do país, isso é obrigação. O ministro Joaquim já cometeu excessos em outros momentos, como quando chamou o ministro Eros Grau de "velho caquético" e foi alvo da mídia com o boletim de ocorrência de sua ex-mulher que o acusou de agressão física. Sinceramente não acho que, dizer o que disse, da forma que disse, é a melhor maneira de resolver a questão. O tom vaidoso em debates políticos em geral, transforma-se em proselitismo em causa própria, onde um lado sempre quer ser mais puro e destituído de pecados que o outro. Cito apenas, com elogio, a postura de Gabeira que, na farra das passagens, abriu mão do discurso para apenas admitir que errou. Simples, objetivo e ético.

Com os exemplos que temos, não é difícil entender porque a população não quer saber de política. A própria Soninha no quadro "Fala na Cara" do CQC admite, a partir de sua própria experiência como vereadora, que 70% funciona na mesma lógica de favorecimentos. Ou seja, a corrupção já é mesmo institucionalizada e generalizada. Daí, sobram os que fazem parte desse ou daquele grupo e que, com êxito, passam a ocupar espaços de trabalho em cargos que servem não à instituição em que trabalham e, muito menos, ao cidadão, mas sim ao interesse da correlação de forças de que fazem parte. Neste contexto, muitos órgãos públicos funcionam como meras extensões dos escritórios políticos e tornam-se estrutura para a continuidade do projeto eleitoreiro. Dessa forma, ou se odeia a política com todas as forças (e, portanto, torna-se vítima das decisões que vêm dela), ou se faz política para obter benesses e vantagens pessoais. É a lógica dos "tempos modernos". Na outra ponta, os que fazem política por ideal, são os "ultrapassados", os que "não avançaram no tempo". Aliás, sempre que penso nisso, me sinto recém-saída do Jurassic Park...

Acho que gostar de política é gostar de participar, de estar presente, de ser parte da história, como protagonista e não coadjuvante dela. Eu abraço as idéias em que acredito todos os dias, em cada coisa que faço. Posso abrir mão de algumas ao longo do tempo, após reflexão, amadurecimento. Até porque é possível mudar de opinião mantendo um eixo de coerência. E, mais, eu faço questão de ser co-responsável pelo que me acontece, seja bom ou ruim, eu não sou vítima, eu sou parte integrante do processo. Se eu eleger um bandido e só notar isso depois, posso não permitir isso novamente. Enquanto esse for o modelo que tivermos, democrático representativo, é necessário preservar as instituições que garantem que ele continue funcionando porque muitos morreram nesse processo de alcançar o que temos agora. Essa epidêmica alienação nunca fez parte da minha vida, mas sou, infelizmente, atingida por ela. Seja pelos indiferentes, seja pelos oportunistas. Como tais coisas se enraizam em nossa cultura, a resistência é diária e a posição é de desvantagem.

Mas, queria dizer pra essa pessoa que conheço há muito tempo virtualmente, mas só hoje conheci pessoalmente, que me anima muito saber que mesmo alguém que não possui formação alguma em qualquer cânone, é capaz de escolher, voluntariamente o lado mais ético e resistir. E, mesmo trabalhando em uma estrutura em que lida, diariamente, com forças que tentam cooptar sua dignidade em prol de projetos que nada têm a ver com seus princípios, consegue provar que a ética prescinde qualquer valor. Sem saber, ela faz política todos os dias. A boa política, claro.

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Juliana Medeiros é jornalista e atua em comunicação institucional pública.

HOPE

sábado, 18 de abril de 2009

Com a palavra, Leonardo Boff

Em entrevista ao Diário de Pernambuco, teólogo defende a renúncia do papa Bento XVI e questiona a ação dos padres carismáticos.

Jailson da Paz


O teólogo Leonardo Boff, 70 anos, é um pensador de posicionamentos firmes. Condenado pelo Vaticano a dois


Foto: Hélder Tavares/DP/D. A Press
anos de silêncio por suas teses ligadas à Teologia da Libertação, nos anos 80, ele acredita que agora o melhor para Igreja Católica seria a renúncia de Bento XVI. Boff não esconde as razões de seu entendimento. Para ele, o papa é sectário e leva a Igreja a fechar-se. Ao risco de ser uma instituição mariana, valorizando-se Maria mais do que Jesus.

Boff não deixa perguntas sem respostas. O ex-frade franciscano, que deixou a vida religiosa nos anos 90 porque estava sob a ameaça de uma nova condenação pelo Vaticano, defende o programa Bolsa Família. Questiona as ações dos carismáticos, a exemplo de Marcelo Rossi, que valorizam a "aeróbica" em detrimento do social. Condena o capitalismo e seus excessos, aos qual atribui as causas da atual crise.

O teólogo concedeu a entrevista ao Diário ao participar do lançamento do livro Leituras críticas sobre LeonardoBoff, no Recife, na última quinta-feira.


Dom José

Fica ridículo excomungar hoje. Ao anunciar a excomunhão dos médicos, responsáveis pelo aborto legal, e da mãe da garota abusada sexualmente e grávida, dom José Cardoso agiu na direção oposta à atitude básica de Jesus: acolher os pobres e oprimidos. Se o arcebispo fosse pastor, ia ver a garota e a mãe da garota. Mas ele preferiu a lei. Preferiu ser um juiz severo e sem piedade, falando de excomunhão. Assim, ficou a um milímetro do Direito Canônico e a quilômetros de Jesus.


Teologia da Libertação

Não mudaria nada do que escrevi. Ao contrário, radicalizaria. Seria mais radical do que fui. A pobreza aumentou. A cada quatro segundos morre uma pessoa de fome no mundo. Um mundo, segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), em que os 20% mais ricos possuem 82,4% da riqueza e os 20% mais pobres, apenas 1,6%. A situação do mundo piorou. Há mais famintos e injustiçados do que quando escrevi os livros da Teologia da Libertação.


Carismáticos

Quando quero ter raiva, ligo a televisão nos programas religiosos. São de mau gosto e medíocres. Não estão à altura da mensagem cristã. São mais próximos de Xuxa do que do Evangelho. Falta experiência para lidar com a mídia e a Igreja não se preparou para isso. O que fazem é manipular sentimentos. Nunca vi padre Marcelo Rossi dizer que tem 1,1 milhão de desempregados em São Paulo ou pedir para Deus guiar os governantes no caminho da justiça e da ética. Mas já o vi dançar aeróbica.


Lula e Obama

O mundo se ressente de líderes inspiradores. Líderes com carisma, capazes de levar as pessoas a crerem em mudanças e que forneçam foco e senso de direção. Lula e Barack Obama representam isso. Remetem à esperança. Captam os anseios profundos do momento. O resto, quase todos, com raras exceções, como Fernando Lugo (presidente do Paraguai) e Evo Morales (presidente da Bolívia), são meros técnicos, burocratas.


Economia

A crise econômica atual é só um aspecto da uma crise de civilização que atravessamos. De um modelo que pode nos leva à uma tragédia, com os efeitos do aquecimento global. Paul Krugman, Nobel de economia de 2008, deve ser ouvido. Para ele, estamos vendo a "vingança do excesso". E que o excesso nos atolou nesse caos.


Bolsa Família

Chego no interior do Piauí e vejo que uma senhora pobre abrir o armário onde há arroz, feijão, açúcar. São coisas que não víamos antes e está sendo possível graças ao Bolsa Família. Para mim, isso é libertação. Garantir o mínimo a que as famílias têm direito. Mas é preciso dar e cobrar. Não se pode agir somente com paternalismo. O governo precisa, cada vez mais, exigir contrapartidas. Cobrar a matrícula e a presença das crianças das famílias beneficiadas nas escolas, criar alternativas de sobrevivência e determinar prazos para que se autonomizem.


Bento XVI

O papa está mais próximo do tradicionalismo de Marcel Lefebrev (bispo católico francês) do que ao Concílio Vaticano II. Éramos muitos próximos. Fui amigo dele, discípulo dele. Ratzinger ajudou a publicar a minha tese. Mas regrediu. Resgatou valores medievais, como celebrações em latim. Se eu fosse convidado para celebrar em latim, eu também faria a homilia em latim e faria perguntas em latim para os fiéis. Quem sabe latim hoje? Outro aspecto é que Bento XVI não tem habilidade, tendo criado atritos com muçulmanos e judeus. Tendo 82 anos, o papa deveria reconhecer que está cansado. Ele faria um bem renunciando.


Fundamentalismo

O atual pontífice rebaixou as outras igrejas negando-lhes o título de igrejas. Afirma que só existe um caminho para a salvação: a Igreja Católica. Para Bento XVI, como disse-me durante meu processo de julgamento pelo Vaticano, a Igreja Católica é a única casa. As outras roubaram uma porta, uma janela. E terão que devolver. É uma visão fundamentalista, na qual a minha concepção é a verdadeira e as demais erradas. E o erro é condenado. Basta dizer, as religiões estão por trás dos grandes conflitos.


Hierarquia

A Igreja não é só a hierarquia. Não vou deixá-la por causa do papa ou da Cúria Romana. A Igreja é dom Pedro Casaldáliga (bispo emérito de São Félix do Araguaia, Mato Grosso), dom Erwin Kräutler (presidente do Conselho Indigenista Missionário - Cimi), conhecidos por suas defesas firmes dos pobres. É irmã Dorothy Stang, assassinada por lutar pelo direito à terra, irmã Dulce, dom Helder Camara, São Francisco de Assis. A Igreja é maior do que a hierarquia. É o povo de Deus.


Escritor

Sou um trabalhador da palavra. Passo de 12 a 14 horas no meu ofício. Com as palavras tento reconstruir o mundo. É um trabalho penoso, pois quem escreve está sempre atrasado. Aproveito o sábado e o domingo para recuperar o tempo.

Seminário "Parlamento hoje: democracia, representação e participação"

O INESC, esta provendo nos dias 05 e 06 de maio em Brasília seminário "Parlamento hoje: democracia, representação e participação" com o objetivo de discutir o papel do parlamento, como se constrói a representação (principalmente as ausências na representação) e as diferentes estratégias das sociedade civil em relação ao Parlamento. Este seminário se insere na Plataforma dos movimentos sociais pela reforma do sistema politico, eixo III que trata do aperfeiçoamento da democracia representativa.

Para mais detalhes acesse a página do INESC.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O PAPEL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, SUA COMPETÊNCIA, ATRIBUIÇÕES, IMPORTÂNCIA E FINALIDADE

I – Introdução:
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi criado e instituído pela Emenda Constitucional n° 45/2004, sendo composto por 15 Conselheiros e presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Foi formalmente instalado no dia 14 de junho de 2005.
Trata-se de Órgão Administrativo auxiliar do Poder Judiciário encontrando-se na mesma linha de hierarquia do Supremo Tribunal Federal. Ao CNJ “compete o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário além de fiscalizar o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura” (§ 4° do art. 103B da Constituição Federal).
Os Conselheiros serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. A nomeação do Presidente prescindirá das seguintes
indicações: o STF indica três Conselheiros: um ministro do próprio tribunal, um desembargador de Tribunal de Justiça e um juiz estadual; o STJ indica três Conselheiros: um ministro do próprio Tribunal que oficiará como Corregedor Nacional, um juiz do Tribunal Regional Federal e um juiz
federal; o TST indica três Conselheiros: um ministro do próprio Tribunal; um juiz do Tribunal Regional do Trabalho; e um juiz do trabalho; ao Procurador-Geral cabe a indicação de dois Conselheiros: um do Ministério Público da União e outro do Ministério Público estadual; o Conselho Federal da OAB indica dois Conselheiros dos quadros da advocacia; e por fim mais dois cidadãos de notório saber jurídico e de conduta ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. Os Conselheiros deverão ter mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco, para exercerem um mandato de dois anos, sendo admitida somente uma recondução.
Com essa distribuição temos nove membros do Poder Judiciário, dois membros do Ministério Público, dois membros da classe dos advogados e dois cidadãos de notório saber jurídico e conduta ilibada.
Essa composição heterogênea propicia ao Conselho opiniões importantes de todos os seguimentos do meio jurídico o que, a meu ver, possibilita uma compreensão significativa do papel do Conselho na atuação de todas as instâncias e Estados da Federação.

II – O Papel do CNJ
O Conselho é órgão administrativo e não jurisdicional, essa informação é essencial para analisar a sua atividade e atuação perante os demais órgãos do Poder Judiciário.
O desenvolvimento de um mapeamento estatístico com a finalidade de conhecer bem os números para apontar soluções viáveis, deve ser prioridade para qualquer organização. Com esta finalidade o CNJ desenvolveu o projeto “Justiça Aberta” com o objetivo de colher informações de todos os tribunais estaduais e federais do país visando gerar um banco de dados capaz de apontar os buracos existentes em cada tribunal.
Ainda em fase de elaboração, esse projeto visa a melhoria nos serviços notoriais e judiciais de todo o país, bem como uma proposta de independência financeira do Judiciário que hoje depende do repasse do Executivo.

III – As atribuições do CNJ
Dentre outras atribuições do Conselho podemos citar algumas como: zelar pela autonomia do Poder Judiciário; definir o planejamento estratégico, os planos de metas e os programas
de avaliação institucional do Poder Judiciário; elaborar e publicar semestralmente relatório estatístico sobre movimentação processual e outros indicadores pertinentes à
atividade jurisdicional em todo o país.
A exigência imposta pelo CNJ aos Tribunais referente aos relatórios de estatística sobre a movimentação dos processos, implica na obrigação indireta da melhoria da tramitação processual, nas cobranças de produtividade e na análise que indicam as falhas e demora injustificáveis, que refletem na insegurança jurídica.
A Corregedoria Nacional de Justiça é o órgão responsável pelo recebimento e apuração das reclamações disciplinares, podendo determinar instauração de sindicâncias, correições
ou inspeções em qualquer Tribunal, por iniciativa própria ou requerimento do Plenário. Compete, ainda, à Corregedoria do CNJ avocar processos disciplinares que se encontram em
tramite em qualquer Corregedoria-Geral dos Tribunais do país, expedir instruções e provimentos.

IV - Conclusão
O Conselho Nacional de Justiça surgiu em virtude das pressões dos Poderes Executivo e Legislativo, bem como da sociedade civil, que entenderam ser necessária uma fiscalização das atividades administrativa e financeira do Poder Judiciário.
Uma frase do nosso Presidente Lula marcou época na imprensa e na mente daqueles que se preocupam com o Judiciário do nosso País, a de que “seria necessário abrir a caixa-preta
do Judiciário” quando defendeu também o controle externo para juízes.
Nosso Presidente quase intuiu, cinco anos antes, quando declarou sobre a “caixa-preta” do Judiciário, em discurso proferido no Estado do Espírito Santo. No final do ano de 2008 o Tribunal de Justiça capixaba sofreu uma séria investida da Polícia Federal, com prisões de diversas pessoas, dentre elas o Presidente do Tribunal por suspeita de venda de sentenças.
O ano de 2008 foi muito conturbado para o Poder Judiciário Nacional, pois antes da divulgação das investigações e prisões no Espírito Santo, vimos também um juiz federal de primeira instância, no Estado de São Paulo, desafiar o Presidente do Supremo Tribunal Federal.
Infelizmente, outro fato marcante, um desembargador do Tribunal de Justiça do meu Estado (SP) escreveu um artigo declarando que os juízes não deveriam atender advogados.
Neste contexto o CNJ vem tomando decisões importantes para tranquilizar a sociedade e os advogados de nosso país. No caso do desembargador acima referido, O CNJ reagiu, quase
pela totalidade dos seus membros, determinando que é dever do magistrado atender o advogado em seu gabinete, ceifando a odiosa conduta.
Muitos advogados encontram dificuldades na atuação profissional, seja por responsabilidade do magistrado, ou por responsabilidade do serventuário que presta serviço defeituoso, cabendo reclamar, se for o caso, diretamente ao CNJ em Brasília.
A advocacia, principalmente a paulista, com a liderança do Dr. Luiz Flávio Borges D’Urso vem demonstrando a firmeza e a competência dos advogados que sempre fizeram, e devem continuar fazendo, a diferença na sociedade brasileira em prol do desenvolvimento pleno da nação de das Instituições Públicas.
O Judiciário precisa melhorar, em termos quantitativos e qualitativos, neste momento o papel do CNJ está sendo de fundamental importância para essa melhoria.
São Paulo, 10 de fevereiro de 2009.
Felipe Boni de Castro.
Advogado militante, Vice-Presidente da Comissão de Direito
Administrativo da OAB/SP, Pós-graduando em Direito Militar.

Decreto que chama a Conferência é finalmente publicado

Foi publicado hoje no Diário Oficial da União o Decreto do Presidente da República que convoca a 1ª Conferência Nacional de Comunicação.


Aqui o link do D.O.U. para consulta.


Mantenha-se informado sobre as atividades da Comissão Pró-Conferência DF aqui.

Brasília Patrimônio Cultural da Humanidade

Brasília é um marco na história do Brasil. Em 1987 foi a primeira cidade construida no século XX incluida na lista de bens de valor universal pelo Comitê de Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da UNESCO. A capital do país passou a ser Patrimônio Cultural da Humanidade. Pensando nisso, o Instituto Cervantes de Brasília e a Fundação Sustentabilidade e Desenvolvimento realizam, na semana do 49º aniversário da cidade, a mesa redonda "Brasília, patrimônio cultural e ambiental da humanidade" com o objetivo de promover sugestões integradas de gestão para a preservação da biodiversidade e dos patrimônios culturais. O evento acontece no dia 23 de abril (quinta-feira), às 19h30, no auditório do Instituto Cervantes (707/907 Sul), e contará com as participações do arquiteto Claudio Queiroz, da Diretora do Museu Vivo da Memória Candanga, profª Luciana de Maya Ricardo, e da Presidente da Fundação Sustentabilidade e Desenvolvimento, Drª Mônica Veríssimo.

Convite do Haroldinho Mattos

O Café da Rua 8 convida os destinatários dessa curta missiva eletrônica a apreciar o pocket show do duo acústico Blues de Bolso que terá lugar em suas dependências na noite deste sábado próximo (18/04/2009) a partir das 21 horas.

Pra quem achava que a velha dupla tinha pendurado as chuteiras e guardado as violas em seus gastos cases, que espalhem a notícia: Eles voltaram!!! O duo mais endiabrado da cidade encontrou uma encruzilhada e refez o contrato vitalício, só que agora com os anjos. Assim sendo, eles receberam carta branca e irão espalhar o blues em sua forma básica para deleite dos ouvintes. Nosso Haroldinho Mattos azeitou as cordas de sua miniviola e Bemol poliu seu Dreadnought e tomou umas duas doses de Bourbon do delta para entoar pérolas do cancioneiro ribeirinho norte-americano, aproveitando para passear por clássicos do Rock´n roll, acordando o velho titã grego a fim de que continue rolando a pedra ladeira abaixo.

Esperamos você(s).

Blues de Bolso
Café da rua 8 CLN 408 Bloco B Loja 20
Sábado, 18/04 às 21h
Telefone: 3347.8334
Couvert a R$ 8,00 por pessoa


terça-feira, 14 de abril de 2009

Diálogo na sala de aula de curso superior de jornalismo

Aproveitando o debate atualíssimo - da necessidade ou não de diploma para jornalistas -, relato abaixo um acontecimento do qual fui testemunha, linha por linha, até porque estava anotando cada coisa que estava sendo dita, dado o "inusitado" da situação (pra não dizer surreal). Esse é o perfil do aluno de jornalismo, num nível que nem o Ribondi percebeu quando produziu sua matéria bombástica para a Caros Amigos.


Aluna entra na segunda metade da aula de Jornalismo Político-Econômico (o professor já tinha passado, oralmente, para os outros alunos todos os trabalhos que deveriam ser entregues ao longo do bimestre):

- Professor, o que é que você vai dar para o trabalho do bimestre mesmo?
O professor, pacientemente, começa a responder:
- Eu estava explicando pros alunos que vocês terão que ler o texto...
- Ah, não professor! Ler um texto?.. Não tem outra coisa não? Odeio política!
- Tem esse e um outro que é uma análise de um filme...
- Ai, odeio esses filmes, me dá um sono...
- E vocês terão que entrevistar um parlamentar...
- Ai, professor, pra quê tanta coisa??? Então vai, escreve aí no quadro pra eu anotar porque hoje eu não trouxe nem caderno.
- Então (começa a escrever), como eu estava dizendo...
(Enquanto isso, a aluna conversa com um colega do lado: "não sei pra quê ele pede tanta coisa... você já viu esse filme?", no que o outro responde: "esse professor só pede pra gente ficar lendo sobre política, eu acho isso um saco, e não vou ver esse filme!".. e a aluna cansada de tanto conteúdo retruca "ai, não sei o que é pior, não gosto de ler, não gosto desses filmes...")
O professor se vira apontando para tudo que escreveu no quadro e:
- Até sexta vocês podem me trazer este texto..
- Professor, com 2300 caracteres???? Ah não... eu não gosto de escrever!!!....
- Gente! Digitando no computador, vocês chegam nisso rapidinho!
- Ai que droga - vira-se pro outro - me empresta um papel que eu vou ter que anotar isso.. saco..


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Sempre tive vontade de perguntar pra essa moça se ela tinha idéia mesmo do curso que estava fazendo. Se sabia com certeza o que faz um jornalista...

Outro dia, conversando com meu pai, que também é professor universitário, comentei sobre essas situações (que me deixam um tanto indignada, confesso) e ele me chamou a atenção para uma coisa: "É preciso ter paciência porque eles são vítimas do sistema implantado pela ditadura. As consequências de um regime repressor perduram por gerações, produzindo ao longo dos tempos, pessoas cada vez mais incapazes de pensar."

Lamentavelmente, esse é o maior reflexo do que a ditadura produziu. E esse é o profissional que sai com diploma de Comunicação Social - Jornalismo e, provavelmente, terá garantida sua reserva de mercado.

P.S.: Ah, e, antes que alguém venha jogar pedras sobre a categoria, eu já vi cenas muito, mas muito semelhantes a essas em outros cursos também, incluindo Direito. E, em Brasília, o fenômeno é ainda maior, porque os alunos estudam obrigados pelos pais apenas para obterem um diploma e se prepararem para os concursos públicos, raramente para exercerem a profissão, seja lá do que for.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Refletindo sobre identidades em crise

As identidades estão em crise, segundo afirmam vários estudiosos do gênero. No passado haviam identidades determinadas, todo mundo sabia para qual finalidade havia nascido. Na pós-modernidade, as identidades se tornam não determinadas.

Na antiguidade o homem nascia com um propósito, com um destino. E isso não podia ser questionado. A partir do Iluminismo começa a haver o questionamento desta identidade pré-determinada. Aliás, essa é a crítica às sociedades no Oriente Médio - à parte todos os preconceitos existentes -, que elas aparentemente não fizeram essa "transição" (do Iluminismo) e são ainda muito centradas no gênero masculino como condutor social.

Rousseau já apontava para isso no século XVII. A despeito de afirmar que o homem era essencialmente bom e depois era corrompido pela sociedade (sabe-se hoje, que isso não é uma verdade absoluta), a análise do comportamento social naquele século pode, espantosamente, ser apontada como algo atual. Muito da narrativa de Rousseau, lembra o que acontece hoje, na pós-modernidade, o que demonstra que grande parte da essência humana não mudou ao longe dos séculos. Ainda assim, Rousseau é controverso em alguns momentos e não é a toa que ele é disputado como "teórico" tanto pela esquerda, quanto pela direita.

Etienne de la Boétie, em O discurso da servidão voluntária, parecia descrever relações de poder da atualidade:

"(...)Há três tipos de tiranos: uns obtém o reino por eleição do povo; outros pela força das armas; outros por sucessão de sua raça. Como se sabe bem, os que o adquiriram pelo direito da guerra comportam-se nele como se estivessem em terra conquistada. Comumente os que nascem reis não são melhores, pois tendo nascido e sido criados no seio da tirania, sugam a natureza do tirano com o leite, e agem com os povos a eles submetidos como com seus servos hereditários; e segundo a compleição a que estão mais inclinados, são avaros ou pródigos, tratando o reino como à sua herança. Parece-me que aquele a quem o povo deu o estado deveria ser mais suportável e creio que o seria; mas assim que se vê elevado acima dos outros, lisonjeado como um não sei quê que chamam de grandeza, decide não sair mais - comumente ele age para passar a seus filhos o poderio que o povo lhe outorgou; e desde que adotaram essa opinião, é estranho, superam os outros tiranos em vícios de todo tipo e até em crueldade, não vendo outro meio de garantir a nova tirania senão estreitando bastante a servidão e afastando tanto seus súditos da liberdade que, embora sua lembrança seja fresca, possam fazer com que a percam. Assim, para dizer a verdade, vejo que existe entre eles alguma diferença; mas escolha nenhuma vejo; pois se diversos são as meios de aos reinados chegar, quase sempre semelhante é a maneira de reinar. Os eleitos as tratam como se tivessem pegado touros para domar; os conquistadores os consideram presa sua; os sucessores pensam tratá-los como seus escravos naturais(...) Mas eles querem servir para ter bens, como se não pudessem gerar nada que fosse deles, pois não podem dizer de si que sejam de si mesmos; e como se alguém pudesse ter algo de seu sob um tirano, querem fazer com que os bens sejam deles e não se lembram que são eles que lhe dão a força para tirar tudo de todos e não deixar nada de que se possa dizer que seja de alguém. Vêem que nada senão os bens torna os homens sujeitos à crueldade dele, que para ele só a riqueza é crime digno de morte. Ama só as riquezas e só despoja os ricos, que ainda assim vêm se apresentar como que diante do açougueiro, gordos e fortes, para se oferecerem e despertarem seu apetite. Esses favoritos não devem se lembrar tanto dos que em torno dos tiranos receberam muitos bens, mas sim dos que tendo acumulado durante algum tempo ali perderam depois os bens e as vidas. Não deve passar-lhes tanto pela cabeça quantos ali receberam riquezas, mas quão poucos as conservaram. Que se percorram todas as histórias antigas, que se considerem as de nossa lembrança, e ver-se-á plenamente como é grande o número dos que, tendo ganho por meios espúrios a confiança dos príncipes, tendo usado de sua maldade ou abusado de sua simplicidade, finalmente foram por eles mesmos aniquilados; e assim como neles tinham achado um meio para elevá-los, mais tarde neles também encontraram a inconstância que os destruiu. Com certeza, entre as muitas pessoas que já se acharam próximas de tantos reis maus, poucas ou quase nenhuma foram as que alguma vez não experimentaram em si mesmas a crueldade do tirano, que antes haviam atiçado contra os outros: tendo enriquecido com os despojos de outrem à sombra de seu favoritismo, no mais das vezes elas acabam enriquecendo-o com seus despojos(...)"


O homem enquanto sujeito "sociológico", pretende uma melhor identificação. Existe ainda hoje essa necessidade: "sou um homem, uma mulher, um profissional de tal área..." O que muitas vezes determina a pessoa é a profissão ou o lugar que ocupa na sociedade. Brasília, aliás, é o reflexo exato desse conceito. Aqui, muitas vezes, só se é "alguém", quando se ocupa um cargo qualquer no serviço público, sendo essa a principal vocação da cidade, ou seja, ser um servidor concursado, tornou-se um símbolo de "status" social.

A identidade então surge desse choque, entre nossas vontades e o que a sociedade determina para a gente, de antemão. Torna-se portanto, um desafio para o homem, ser maior que esses dogmas, tornar-se alguém a despeito do que se é para a sociedade em que vive. Quantas pessoas conseguem compreender sua própria identidade sem estarem amarradas à conceitos externos do papel que precisam cumprir ou do que esperam que ela seja? Marx já apontava para o fato de que o homem não consegue ser o que quer, de fato, porque está atrelado à sociedade em que vive.

O sujeito pós-moderno, ainda em construção, se torna uma identidade em transformação, que não existe como EU fixo e determinado. Stuart Hall diz que não podemos mais identificar as pessoas, que essa identificação se tornou mais fluida. As pessoas se tornam camaleoas porque têm que se adequar ao local em que estão.

Freud também chama atenção para o inconsciente, o ser que tem "desejos". Esse ser, se contrapõe ao sujeito do Iluminismo, que é estritamente racional. O desejo, segundo Freud, muitas vezes é mais forte que a razão. Essa subjetividade no entendimento das relações humanas também tornou-se corriqueira na pós-modernidade. Aprofundar o conceito sobre si mesmo e sobre como cada um se relaciona com o mundo virou uma necessidade do homem pós-moderno, demonstrando que, a despeito da antiguidade do estudo da filosofia, antagonicamente, é agora que os homens se vêm fazendo de fato, reflexões filosóficas a todo momento. Tentando encontrar sentido em tudo que fazem. Até porque "filosofar" era um privilégio de poucos abastados que, com escravos para cuidarem de si, tinham tempo para tais reflexões. O homem hoje busca isso, mas a celeridade da vida moderna não o permite fazer ainda, da forma que gostaria. Daí, as inúmeras "frustrações e angústias da vida moderna"

No campo religioso, hoje muitos se dizem cristãos mas ao mesmo tempo recusam algumas identidades, questionam os dogmas, existem até católicos "encarnacionistas"! Esse sincretismo religioso, tão mais fortemente característico no Brasil, faz com que as pessoas misturem liturgias cristãs, com o I Ching, práticas do Candomblé e outros. A religiosidade também não é mais canônica e se permite, aos poucos, questionar-se.

Existem grupos que ainda pautam seus valores pelos valores da pós-modernidade, mas esse processo de transformação não acontece da mesma forma pra todo mundo. A idéia de modernidade já é formalmente ligada ao capitalismo e, claro, muito ligada ao Ocidente e à Europa. Para os índios, por exemplo, o processo acontece de outra forma. Ainda assim, mesmo que Kalungas sejam "tradicionais" em seus quilombos, eles não conseguem viver fora da realidade capitalista. Queiram ou não as pessoas estão inseridas, vide o exemplo do conflito na "Raposa Serra do Sol", com uma comunidade indígena totalmente alheia ao mundo capitalista, no entanto, sendo forçosamente inserida porque o STF é quem acaba decidindo sobre suas vidas.

Nossa sociedade brasileira é constituída por outras culturas de inúmeros lugares, que são utilizadas como elementos para formar nossa identidade, múltipla. O interessante é pensar se isso é bom ou ruim. Por um lado, ficamos perdidos porque não existe mais um conceito fixo, não somos mais mineiros, ou paulistas, mas cidadãos do mundo que se permitem ser várias pessoas. Por outro, buscamos padrões estéticos de identificação social, o que é uma inversão desses valores pós-modernos. Por exemplo, já foi mais fácil identificar as pessoas a partir da forma em que se vestiam. Hoje as pessoas se vestem de acordo com o lugar em que estão. Ainda assim existem muitos estereótipos, pasteurizados pela mídia, o que faz com que todo mundo queira ser igual dentro de um padrão pré-estabelecido(!). Dentro da pós-modernidade, esse é um fenômeno à ser estudado ainda com mais atenção, já que seria, teoricamente, um movimento inverso ao que aconteceu ao longo da evolução social. As pessoas passaram a criar formatos que tornam-se "moldes" do que é considerado "ideal", para ambos os gêneros. A mulher loira e siliconada, o homem yuppie, ubberman.. curiosamente tornando-se, aos poucos, "regras" de como se deve ser, numa volta ao passado feudal, às distinções sociais de classe a partir das vestimentas...

II Ciclo de Debates sobre a Conferência Nacional de Comunicação

O LapCom/UnB promove, a partir de hoje (13/4), o II Ciclo de Debates sobre a Conferência Nacional de Comunicação.

Os debates serão no Auditório do prédio SG-11, Faculdade de Tecnologia, ao lado do Instituto de Artes, às 19h.


Confira a programação:


Universidade de Brasília

Faculdade de Comunicação

Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom)

II Ciclo de Debates sobre a Conferência Nacional de Comunicação

  1. O futuro do serviço público nas comunicações brasileiras

13 de abril, segunda-feira, 19h às 21h30

Palestrante: Murilo César Ramos (LaPCom)

Debatedores: Alexandre Jobim (UnB) e Tito Paz (Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados)

Algumas questões propostas: A que serviços de comunicações a União deve impor obrigações de universalização e de continuidade? Que obrigações o Estado deve impor ao serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagem prestado sob o regime de concessão e de permissão? Como fica a definição de serviço público na legislação brasileira de telecomunicações com o declínio no número de acessos e no tráfego do Serviço de Telefonia Fixa Comutada? A chamada banda larga deve ser definida como serviço público?

  1. Convergência das comunicações e democratização

4 de maio, segunda-feira, 19h às 21h30

Palestrante: César Bolaño (LaPCom)

Debatedores: Gustavo Gindre (Intervozes) e Alex Patez Galvão (Ancine)

Algumas questões propostas: Que proposta temos para a convergência tecnológica e de serviços efetivamente levar à democratização da comunicação? A convergência deve ser regulamentada em uma lei especifica ou em uma lei geral de comunicação? Às concessionárias de telecomunicações deve ser dado o direito de prestar livremente o serviço de televisão ao cabo? As cotas de conteúdo nacional são instrumento eficaz para a democratização do conteúdo?

  1. Capítulo V da Constituição: mudanças e regulamentações necessárias

1° de junho, segunda-feira, 19h às 21h30

Palestrante: Sayonara Leal (LaPCom)

Debatedores: Miriam Wimmer (UnB) e Ana Paula Bialer (Pinheiro Neto Advogados e ABDI)

Algumas questões propostas: Que dispositivos do Capítulo da Comunicação Social merecem ser revistos? Que dispositivos carecem de regulamentação? Que dispositivos foram regulamentados mas não efetivamente colocados em práticas? A idéia do debate é fazer uma radiografia do capítulo V da Constituição, cujo teor tem significado central para a Conferência.


  1. A Conferência Nacional de Comunicação no contexto das conferências setoriais brasileiras.

29 de junho, segunda-feira, 19h – 21:30

Palestrante: Fernando O. Paulino (LaPCom)

Debatedores: Daniela Garrossini (NMI-UnB) e (a definir)

Algumas questões propostas: A Conferência Nacional de Comunicação será a primeira da área a ser realizada. Conferências desse tipo, entretanto, são tradição em muitas outras áreas, em especial, sociais, da Administração Pública. Quais as principais Conferências setoriais que são realizadas? Principais resultados setoriais obtidos ao longo dos anos. Desafios para a Conferência Nacional de Comunicação à luz das experiências congêneres.

domingo, 12 de abril de 2009

Conferência Nacional de Comunicação, antes tarde do que nunca

Está em pauta para os profissionais de comunicação, um debate que há anos vem se arrastando e, só agora, com o pronunciamento e promessa do presidente Lula, sairá de vez do papel para se tornar realidade: a Conferência Nacional de Comunicação.

Estão acontecendo diversas plenárias nos estados com as Comissões Pró-Conferência. Para ficar por dentro do debate, em Brasília, é possível acompanhar a agenda e pauta de reuniões no endereço http://proconferenciadf.wordpress.com/

Abaixo, um texto de Laurindo Lalo Leal Filho da Agência Carta Maior que explica um pouco mais sobre o significado (histórico até) da Conferência. Se vc é jornalista, não pode ficar de fora dessa.

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No Brasil, comunicação sempre foi um não-assunto. Contam-se nos dedos os jornais que, em algum momento, abriram espaço para uma reflexão crítica a respeito do próprio trabalho. Para o rádio e a televisão dispensam-se os dedos, não há autocrítica. Se do conteúdo informativo pouco ou nada se fala, sobre as lutas de seus trabalhadores o silêncio é total. Lembro uma campanha salarial liderada pelo Sindicato dos Jornalistas do Paraná que espalhou outdoors por Curitiba com a frase "a nossa dor não sai nos jornais". Naquela época, anos 1980, as dores de outras categorias até apareciam em algumas páginas, menos a dos jornalistas.

E os jornalistas, além das suas dores e angústias profissionais, têm muito a falar sobre a sociedade e os meios de comunicação. Muito mais do que seus patrões permitem. Claro que há jornalistas e jornalistas, como lembrou em artigo exemplar de Marcelo Salles [veja aqui] . São, de um lado, os que estão comprometidos com as imprescindíveis e necessárias transformações sociais e, de outro, os ventríloquos dos que lhes pagam altos salários no fim do mês. A maioria ganha pouco, trabalha muito e tem que ficar quietinha cumprindo as pautas determinadas pelos interesses empresariais.

Essa divisão se já era bem nítida, agora escancarou-se diante da anunciada realização da Conferência Nacional de Comunicação, reivindicação histórica de vários setores da sociedade. Bastou o governo confirmar o evento, a campanha contra começou. E a ordem veio de cima, bem de cima: da associação internacional dos donos da mídia no continente, conhecida pela sigla SIP (Sociedade Interamericana de Prensa). A entidade se diz preocupada "porque os debates (na Conferência) serão conduzidos por ONGs e movimentos sociais que pretendem interferir no funcionamento da imprensa". Expressão que pode ser traduzida pelo temor diante da possibilidade de um debate mais sério e aprofundado sobre o pensamento único imposto pelos grandes meios de comunicação aos nossos países. Afinal, debates como o proposto podem conduzir a ações práticas, capazes de impor limites a esse poder incontrolado.

Do lado patronal dificilmente sairia posição diferente, afinal estão defendendo interesses de classe seculares. O triste é constatar que enquanto centenas de trabalhadores da mídia mobilizam-se em todo o Brasil a favor da realização da Conferência, uns poucos jornalistas e radialistas, agem em sentido contrário. Caso emblemático é o de um âncora e de uma repórter da rádio CBN que usaram longos minutos da programação para ecoar pelo país as posições dos seus patrões. Usavam o velho procedimento dos comunicadores populares, decodificando para grandes audiências as concepções ideológicas de quem lhes paga os salários. Esbanjando informalidade, usando a ridicularização como arma, eles levam ao ouvinte as mesmas idéias que os jornais apresentam de forma mais elaborada, nos editoriais ou nas colunas dos seus articulistas. Colaboram, dessa forma, para popularizar as idéias da classe dominante tornando-as dominantes em toda a sociedade, como já notava aquele pensador do século 19, cada vez mais atual.

Mas há resistência. Rapidamente os sindicatos dos jornalistas do Distrito Federal e do Estado do Rio de Janeiro foram a público repudiar a posição da SIP e dos seus porta vozes nacionais. Os jornalistas do DF através de sua entidade perguntam "O que pretendem os grandes empresários da comunicação? Pressionar o governo para retirar o apoio à Conferência, facilitando assim a manutenção intacta dos oligopólios que dominam, e que manipulam a informação, em detrimento do interesse público". E os fluminenses afirmam: "A nossa entidade não pode silenciar diante do posicionamento pouco democrático manifestado pela SIP. É preciso deixar bem claro que o patronato mente quando diz que defende a liberdade de imprensa, pois está, isto sim, defendendo de fato a liberdade de empresa, que não aceita a ampliação dos espaços midiáticos a serem ocupados pelos mais amplos setores representativos do povo brasileiro, como são os movimentos sociais".

Apesar das pressões, não há dúvida que a Conferência vai sair. Pelos estados já se realizam conferências regionais preparatórias para o encontro nacional marcado para o começo de dezembro, em Brasília. Diante do fato irreversível, as entidades patronais tentam impor suas pautas ao debate. Segundo a Folha de S.Paulo, para Paulo Tonet, da Associação Nacional de Jornais, discutir monopólio e propriedade cruzada é um retrocesso. Para ele o tema tem que ser "conteúdo nacional e igualdade de tratamento regulatório". Mais uma frase que precisa tradução: ele quer dizer que a Conferência só deve tratar dos interesses das empresas de rádio e televisão, preocupadíssimas com a entrada no mercado de radiodifusão das operadoras de telecomunicações.

E parte para o sofisma ao chamar de retrocesso a discussão em torno do monopólio e da propriedade cruzada dos meios de comunicação, sem dúvida a maior chaga existente na comunicação social brasileira. Não há como democratizá-la sem que se enfrente com determinação esse obstáculo.

O tema geral da Conferência será "Comunicação: Direito e Cidadania na Era Digital". Amplo o suficiente para caber tudo. Daí a importância da mobilização nacional, necessária para impedir que os interesses empresarias da mídia se sobreponham aos da sociedade. Conferências de outros setores, como saúde, educação e direitos humanos, por exemplo,tem sido decisivas para o encaminhamento das respectivas políticas públicas. A da comunicação não pode fugir à regra.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

ENCONTRO COM O ESCRITOR PARAENSE JOÃO BOSCO MAIA NO CAFÉ COM LETRAS - IMPERDÍVEL


O Café com Letras, dando sequência à série de eventos “Papo com Letras” – onde recebe escritores para conversarem e debaterem com os leitores – irá receber no próximo dia 15 de abril, quarta-feira, um visitante paraense, o escritor João Bosco Maia que participou recentemente do FSM, o Fórum Social Mundial.


O autor de Memórias Quase Póstumas de um ex-torturador não mora em Belém e não vive de escrever: é analista previdenciário em Santa Izabel. É também professor de Língua Portuguesa na rede estadual de ensino e atua, eventualmente, como professor convidado na Universidade Estadual do Maranhão. O livro quebrou um jejum de 18 anos sem novos trabalhos de Bosco Maia, que já havia produzido outros romances como estudante do curso de Letras da Universidade Federal do Pará (UFPA). João Bosco tem ainda um quarto romance inédito, inscrito em concurso literário, e está preparando o quinto, cujo título provisório é 666 – O tragicômico percurso.


Sobre o ato de escrever ele diz: "exerço-o em verdade a todo instante a partir do momento em que sento para concretizar aquilo que se encontra em esboço na cabeça. Para ser mais claro, a história me acompanha o dia todo, embora eu tente separar as coisas. À noite e nos finais de semana, meu trabalho é somente desgarregar no "Word" o que insistiu por me acompanhar. Ao escrever uma obra, fico displicente com as outras coisas. É engraçado, mas é um período em que como mal, durmo ruim, pois a história me perturba o sono, fico ranzinza, egóista, pois não quero dividir o computador com a família, e sobretudo solitário. Só retorno à paz, e paradoxalmente triste por isso, quando ponho o ponto final na obra."


No Papo com Letras, os leitores poderão encontrar três de seus livros: Olhai por nós, romance policial escrito em 2006 que levanta questões polêmicas sobre justiça, legalidade, poder, pobreza, religião e preconceitos sociais. As cartas anônimas de Robledo, a história de um jovem policial do DOPS, que sabe desde o início que vai morrer, de faca ou através do gatilho que o próprio autor coloca nas mãos do leitor durante a narrativa. As Memórias Quase Póstumas de um ex-torturador, texto vencedor do Prêmio IAP de Literatura de 2006, concedido pelo Instituto de Artes do Pará, na categoria romance, uma ousada produção que renova os cânones tradicionais da produção estética que, por sua transcendência, exprime as variadas manifestações de crueldade de que é capaz o ser humano.


Longe das grandes livrarias – que, com algumas exceções, mantêm lacunas imperdoáveis em seus catálogos – ele lamenta a quase inexistência de pequenas livrarias. "Tenho observado que, mesmo nos maiores municípios, inexistem livrarias. Livro não é um bom negócio: antes o é um bom boteco e todos os seus derivados.”


Para quebrar esse paradigma, o Café com Letras, há dez anos, promove lançamentos e encontros, oferecendo a oportunidade aos leitores de conhecer o processo de produção literária de cada autor.


Serviço:


Papo com Letras com o escritor paraense João Bosco Maia


Estarão disponíveis as obras:

As cartas anônimas de Robledo, Policromos, 215 p., Pará, 2008, R$ 25,00.

Olhai por nós, GTR, 204 p., Pará, 2006, R$ 25,00.

Memórias quase póstumas de um ex-torturador, IAP, 172 p., Pará, 2006, R$ 25,00.


Local: Café com Letras, SCLS 203 sul bloco C loja 19 – Asa Sul.

Data: 15 de abril, quarta-feira.

Horário: a partir das 20h.

Entrada franca.


Mais Informações:


(61) 3322-4070 / 3322-5070


Informações para a Imprensa:

Juliana Medeiros (61) 9999-8843

julianams.webjornal@gmail.com

terça-feira, 7 de abril de 2009

Aos 19, 20 anos, achava que eu estava salvando o mundo

Da Folha de São Paulo

Dilma diz não ter a mesma cabeça da época em que era guerrilheira, mas se orgulha de não ter mudado de lado, e sim de métodos


FERNANDA ODILLA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


UMA DAS três sentenças de prisão de Dilma Rousseff, de 1971, a descreve como a inimiga que "jamais esmoreceu" desde que ingressou na luta armada contra o regime instalado pelo golpe de 31 de março de 1964 e dissolvido 21 anos depois.

Leia a entrevista da ministra sobre a vida na clandestinidade durante a ditadura.

FOLHA - A sra. se lembra dos planos para sequestrar Delfim e montar fábrica de explosivos?
DILMA ROUSSEFF
- Ah, pelo amor de Deus. Nenhuma das duas eu lembro. Nunca ninguém do Exército, da Marinha e da Aeronáutica me perguntou isso. Não sabia disso. Acho que não era o que a gente [queria], não era essa a posição da VAR.

FOLHA - A sra. logo percebeu que a clandestinidade seria o caminho natural?
DILMA
- Percebi. Todo mundo achava que podia haver no Brasil algo muito terrível. O receio de que um dia eles amanheceriam e começariam a matar era muito forte. Sou bem velha, comecei em 1964. Com o passar do tempo, o Brasil foi se fechando, as coisas foram ficando cada vez mais qualificadas como subversivas. Era subversivo até uma música, uma peça de teatro, qualquer manifestação de rua. Discutir reforma universitária era subversivíssimo. Coisas absolutamente triviais hoje eram muito subversivas.

FOLHA - Foi escolha da sra. o trabalho no setor de mobilização urbana?
DILMA
- Qual era a outra alternativa?

FOLHA - Havia a expropriação.
DILMA
- Disso eu nunca quis ser. Nós não achávamos isso grande coisa. A partir de um determinado momento houve uma visão crítica disso, do que a gente chamava militarismo. É muito difícil falar isso porque as pessoas ficam achando que a gente está limpando a barra. Não me interessa ficar falando nisso, é da época e deu. Eu sei que havia uma tensão eterna. Nunca concordávamos uns com os outros porque pensávamos diferente. Bota todo mundo junto, você imagina. Não posso dizer o que aconteceu dentro da direção.

FOLHA - No Rio, a sra. acompanhou a fusão e acompanhou o racha [da VAR] em Teresópolis.
DILMA
- Na minha cabeça, eu só lembro que a gente conversava e discutia muito, debatia. Tinha uma infraestrutura complexa porque a gente não saía de lá, não podia aparecer. Bom não era. Mas, naquela época, você achava que estava fazendo tudo pelo bem da humanidade. Nunca se esqueça que a gente achava que estava salvando o mundo de um jeito que só acha aos 19, 20 anos. Sem nenhum ceticismo, com uma grande generosidade. Tudo fica mais fácil. Tudo fica mais justificado, todas as dificuldades. Você não ter roupa não tem problema. Às vezes, andava com uma calça xadrez e uma blusa xadrez.

FOLHA - A sra. faz algum mea-culpa pela opção pela guerrilha?
DILMA
- Não. Por quê? Isso não é ato de confissão, não é religioso. Eu mudei. Não tenho a mesma cabeça que tinha. Seria estranho que tivesse a mesma cabeça. Seria até caso patológico. As pessoas mudam na vida, todos nós. Não mudei de lado não, isso é um orgulho. Mudei de métodos, de visão. Inclusive, por causa daquilo, eu entendi muito mais coisas.

FOLHA - Como o quê?
DILMA
- O valor da democracia, por exemplo. Por causa daquilo, eu entendi os processos absolutamente perversos. A tortura é um ato perverso. Tem um componente da tortura que é o que fizeram com aqueles meninos, os arrependidos, que iam para a televisão. Além da tortura, você tira a honra da pessoa. Acho que fizeram muito isso no Brasil. Por isso, minha filha, esse seu jornal não pode chamar a ditadura de ditabranda, viu? Não pode, não. Você não sabe o que é a quantidade de secreção que sai de um ser humano quando ele apanha e é torturado. Porque essa quantidade de líquidos que nós temos, o sangue, a urina e as fezes aparecem na sua forma mais humana. Não dá para chamar isso de ditabranda, não.

FOLHA - Quando a sra. foi presa, foram apreendidos documentos falsos, desenho da VAR e um bilhete de amor com as iniciais TG. Era do Cláudio Galeno Linhares?
DILMA
- Não, era do Carlos Araújo. Era apelido dele. Se você quiser me mandar, eu agradeço. Onde que está isso, hein?

FOLHA - No inquérito arquivado no STM. O bilhete está assim: "Nêga querida, infelizmente não poderei estar aí [no Natal]. Verás na prática, prometo-te..." DILMA - Essa quantidade de te, você acha que é de mineiro, pô? Isso é de gaúcho. Tudo no te... Não falei do Carlos no depoimento. Eles acreditavam que era o Galeno. Carlos era da direção, eu não podia abrir a boca. Depois eles descobriram.

FOLHA - Como foi, durante os dias de Oban, para conseguir proteger a direção? Pelo que vi, alguns nomes não foi possível proteger como Maria Joana Telles, Ruaro, Vicente...
DILMA
- Eles sabiam deles porque tinha caído outra pessoa que era da direção. Foi por isso que caí. Eu caí porque caiu outra pessoa.

FOLHA - Era com quem a sra. teria um encontro. O José Olavo?
DILMA
- Essas coisas eu não quero falar, minha filha. Não quero dar responsabilidade para ninguém. Estou muito velha para fazer isso.

FOLHA - No depoimento da Justiça, a sra. cita os quatro como tendo caído em consequência direta de sua queda. A sra. dá os quatro nomes?
DILMA
- É. Caíram, ponto.

FOLHA - Eu conversei com o hoje coronel, antigo capitão Maurício...
DILMA
- Ele existe ainda? Ele já não batia bem da bola. Ele continua sem bater?

FOLHA - Eu perguntei se ele votaria na sra. para presidente. Primeiro, disse não. Depois, pediu para retificar dizendo que "depende com quem vai concorrer".
DILMA
- Minha querida, pelo amor de Deus. A vida é um pouquinho mais complicada que isso. Mas respeito o que ele falou.

FOLHA - Ele participava das sessões [de tortura]?
DILMA - Ele era da equipe de busca, nunca participou. Mérito dele. Pelo menos enquanto estive na Oban. Não posso dizer depois. Você tinha aquele negócio de dar ponto para parar de apanhar, e ele levava as pessoas. Ele fez a busca em toda a minha casa. Pegava minhas coisas e perguntava sobre elas.

FOLHA - No depoimento à Justiça, a sra. cita ele como responsável pelas sessões de torturas.
DILMA
- Que ele torturava pessoalmente, nunca vi. A mim não foi. Que ele entrava na sala e via tortura, tenho certeza. Qualquer um entrava. Te torturavam com a porta aberta.

FOLHA - Li uma entrevista em que a sra. diz que fez treinamento no exterior, mas não consegui encontrar o período em que isso pode ter acontecido. Deu tempo de sair do Brasil para treinar?
DILMA
- Acho engraçadíssimo porque quando me perguntaram isso, eu neguei que tivesse feito. É que nem aquela lista que sai aí dizendo que eu fiz dez assaltos armados. Nunca fiz uma ação armada. Se tivesse feito, eu estaria condenada por isso. É a mesma coisa essa história do treinamento. Nunca fiz nem treinamento no exterior nem ação armada. É só perguntar para as pessoas.

FOLHA - Incomoda a sra. atribuírem essas ações a seu nome?
DILMA
- É chato. Não sou supermulher para dizer que não me incomoda. Agora não perco a cabeça por isso. Estão mentindo, têm segunda intenção.

FOLHA - Não teve treinamento no exterior, mas o básico todo mundo sabia como montar e desmontar uma arma. Era questão de segurança do dia a dia?
DILMA
- Sempre fui muito dedicada, mas não achava isso grande coisa. Nunca fiquei avaliando se devia fazer isso ou aquilo. Não se colocava assim para nós. Falavam assim: "Vai ali e aprende a montar e desmontar a arma". Você ia e aprendia. "Vai ali e escreve um documento." Você também ia.

FOLHA - Como era o dia a dia da prisão? Algumas companheiras de cela dizem que a sra. dava aula de macroeconomia, mas não gostava muito dos trabalhos manuais de tricô e crochê...
DILMA
- Aprendi bem. Sei fazer tricô e crochê. Você sabe que faço tapete? Mas não aprendi tapete lá, não. Fazia muito bem crochê. Podem falar que eu não fazia... (risos) No fim, gostava de fazer crochê. A gente lia muito, escutava muita música, conversava muito, jogava vôlei. [As aulas] estão fantasiando...

FOLHA - A sra. tinha consciência que continuava na mira da polícia mesmo depois da prisão?
DILMA
- Tinha. Não podia fazer aniversário que ficavam pendurados nas árvores, olhando.

FOLHA - Quando tem o racha, quem assume a VAR?
DILMA
- Não me lembro. Se o Espinosa tá dizendo que eu estava... Não sei se fui, se não fui [do comando]. É um período muito pequeno até a queda. Fui uma das primeiras a cair. Eu lembro que eu fui em outubro para São Paulo e nunca mais voltei [ao Rio]. Fiquei lá junto com todo mundo que dirigia a VAR na época. Só me lembro do José Olavo e de mais um. Tinha mais. Tinha quatro.

FOLHA - Muita gente dizia que a sra. era a responsável pelo dinheiro da organização. A sra. era o caixa de São Paulo, para manter militantes, aparelhos?
DILMA
- Também não me lembro disso, não, que eu era do dinheiro. Se eu fosse do dinheiro, eles tinham me matado a pau. Tudo o que eles queriam era o dinheiro. Não lembro isso, não. Não me lembro de ter caído com um tostão. Se eu tivesse dinheiro, ia ser um festival.

FOLHA - O delegado ficou bem impressionado com a sra. depois do interrogatório. A ponto de defini-la como uma pessoa com dotação intelectual apreciável.
DILMA
- Interessante... Da onde ele tirou isso, né? Nem me lembro dele. A gente não dava importância para o delegado do Dops, só para a Oban. Deve ter vindo da Oban. Tinha um juiz auditor louco (risos). Ele fez uma denúncia dizendo que eu era a Joana d'Arc do terror. Era ridículo. Ele era dado a essas...

FOLHA - É muito divertido o perfil que o delegado traça.
DILMA
- Essa parte não era pública, essa parte do delegado. Você conseguiu um documento único. A Oban classificava a gente pelo nível de perigo. O major Linguinha [Waldir Coelho] só interrogava quem ele achava que era direção. Ele falava comigo sempre.

FOLHA - A sra. não pegou o delegado Sérgio Fleury no Dops?
DILMA
- Quando entrei no Dops, o Fleury estava em viagem. Passei quase um mês na Oban e um mês no Dops. Eu custei a ir embora da Oban. Achava estranho eu não ir embora. Todo mundo ia, e eu ficava. Eu não lembro a data. Vai ficando muito obscuro, como foi e como é que não foi.

FOLHA - Vocês passavam por um treinamento intensivo para deletar as coisas. Tinha que esquecer para não contar?
DILMA
- Uma parte você tentava esquecer. Sabe que teve uma época em que eu falei uma coisa que eu achava que era verdade e não era. Era mentira que eu tinha contado e aí depois eu descobri que era mentira. Você conta e se convence.

FOLHA - Informação obtida sob tortura é de responsabilidade de quem tortura e não de quem fala? Dá para culpar a pessoa que falou?
DILMA
- Não dá mesmo. Até porque ali, naquela hora, tinha uma coisa muito engraçada que eu vi. Aconteceu com muita gente, não foi só comigo. É por isso que aquela pergunta é absurda, a do senador [Agripino Maia, do DEM]. A mentira é uma imensa vitória e a verdade é a derrota. Na chegada do presídio [Tiradentes], estava escrito "Feliz do povo que não tem heróis", que era uma frase do Brecht que tem um sentido amplo. Esse fato de não precisar de heróis mostra uma grande civilidade. É preciso que cada um tenha um pouco de heroísmo.

FOLHA - Quando a sra. chegou à Oban, houve muitos gritos?
DILMA
- Teve. Fazia parte do script. É uma luta eterna entre a sua autodestruição e sua luta para ficar inteiro psicologicamente. A palavra correta é uma disputa moral no sentido amplo da palavra moral. É uma disputa entre éticas diferentes, entre princípios diferentes. Uma pessoa que se dispõe a fazer a outra ter dor tem um processo de difícil identificação. Fico imaginando o que foi Abu Ghraib, porque bota de um lado americanos e de outro lado um outro mundo. Você tem de ser desqualificado como ser humano para ser torturado, santa, senão você não é.

FOLHA - E a família da sra., como reagiu a isso tudo?
DILMA
- Minha mãe foi absolutamente fantástica. Eles tinham horror de mãe.

FOLHA - Só para deixar claro, a sra. não se recorda desse plano para sequestrar o Delfim?
DILMA
- Não. Acho que o Espinosa fantasiou essa. Sei lá o que ele fez, eu não me lembro disso. E acho que não compadece com a época, entendeu? Nós acabamos de rachar com um grupo, houve um racha contra a ação armada e vai sequestrar o Delfim? Tem dó de mim. Alguém da VAR que você entrevistou lembrava-se disso? Isso é por conta do Espinosa, santa. Ao meu conhecimento jamais chegou. Não me lembro disso, minha filha. E duvido que alguém lembre. Não acredito que tenha existido isso, dessa forma. Isso está no grande grupo de ações que me atribuem. Antes era o negócio do cofre do Adhemar, agora vem o Delfim. Ah, tem dó. Todos os dias arranjam uma ação para mim. Agora é o sequestro do Delfim? Ele vai morrer de rir.

FOLHA - De qualquer forma, obrigada por tocar nesse assunto delicado...
DILMA - Eu estou te fazendo uma negativa peremptória. Para mim, não disseram. Tá?

quinta-feira, 2 de abril de 2009

BANCADA FEMININA NOTA OFICIAL

Há alguns dias, o Brasil e o mundo tiveram ciência do aborto legalmente autorizado em uma menina de 9 anos, estuprada pelo padrasto e grávida de gêmeos, em Pernambuco. Ao aborto, seguiram-se manifestações várias, muitas delas fundamentalistas, maniqueístas e distantes da realidade complexa que envolve a questão.

Diante disso, a Bancada Feminina da Câmara dos Deputados vem manifestar seu irrestrito apoio à mãe da menina, que autorizou o procedimento, e aos integrantes da equipe médica, que nada mais fizeram que resguardar o direito de uma criança à vida e ao bem-estar.

Cumpre ressaltar que a legislação brasileira proíbe o aborto, com exceção dos casos em que a gravidez seja decorrente de estupro ou daqueles em que a vida da mãe está em risco. No caso da menina pernambucana, o procedimento é legal pelos dois motivos.

Ademais, é importante lembrar que este é apenas um entre os inúmeros casos de pedofilia, de estupro seguido de gravidez na infância ou adolescência, que acontecem no País e não ganham espaço na mídia.

A opção pela interrupção de uma gravidez, nesse contexto, não admite posições simplistas, porque envolve aspectos comportamentais, morais, religiosos, além das óbvias implicações legais.

Nesse sentido, a Bancada Feminina da Câmara dos Deputados, mais uma vez incentiva o debate sobre essa e outras questões igualmente polêmicas, frisando a importância do cumprimento dos princípios legais vigentes, definidos a partir de consensos estabelecidos pelo Congresso Nacional.

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